Eu estava errado

Jairo Marques

Preciso admitir, estou errando consecutivamente, há cinco anos que mantenho este blog voltado às “sofredoras, imaculadas e desamparadas” “pessoas com deficiência”.

Errei quando me meti a mostrar várias crianças “com deficiência” em fotos lindas, alegres, longe daquele ambiente de hospital, sorrindo e bonitas e as chamei de “malacabadinhas”.

 lucas

 

Elas não mereciam. Elas precisavam continuar protegidas em seus lares, longe de monstros da comunicação, como eu, que não as respeita como “seres humanos especiais”.

Errei quando trouxe a luz para todo o país, em um espaço tão nobre, a história arrebatadora de Marli e Fábio Cassiano, mãe e filho com deficiência que, de maneira burra, afinal eu sou um ignorante que tive uma formação porca, chamei de “quebrados”.

 

marlifabio 

Errei quando compactuei com encontros abarrotados de “pessoas com deficiência”, que se esforçaram para sair de suas casas, onde estavam protegidas dessa gente cruel como eu, que as tratou de “puxador de cachorro”, “prejudicado do escutador de novela” ou “babão pelo canto da boca”.

Errei quando insisti em mostrar aquilo que não se deve mostrar, em respeito à condição dos “portadores de necessidades especiais”, também erradamente conhecidos como PNEs, uma sigla.

amor 

Errei quando, ao viajar por alguns cantos, trouxe dicas, suporte e encorajei pessoas a também enfrentarem as adversidades que jamais serão vencidas enquanto NÓS, “deficientes”, tolerarmos o coitadismo, a hipocrisia, o preconceito velado e a alcunha de sermos “especiais”.

Errei em fazer piada com coisa séria. É muito sério ser um paralisado cerebral, um tetraplégico, um autista, um down. É seríssimo e precisa ser abordado com cuidado, com ternurinha e com rigor, afinal, são pessoas muito sensíveis e que merecem o respeito que EU não me dou ao trabalho.

Errei quando esculhambei gente que não emprega “deficientes” e disse que algumas empresas estão ficando bacanas ao ampliar suas diversidades, colocando “gente que puxa cachorro”… que absurdo, que desrespeito, que abuso com os pobres cegos que são conduzidos por um corajoso animal.

caoguia 

Errei quando mostrei situações “cômicas” que vivi (passei vergonha pro povo dar risada), no propósito de escancarar a realidade dessa gente tão compadecida que tenho a “cachorra” de chamar “esgualepados”, embora a indústria tenha uma preocupação latente e permanente de os deixar sempre arrumados e bem passados, assim como o restante da sociedade brasileira.

ambul

Errei quando coloquei um bumbum e um cadeirante no blog e quis fazer um debate sobre preconceito, sobre tolerância, como fiz centenas de vezes.

O pobre rapaz “portador de deficiência física”, advogado, muito bem resolvido, bem humorado, inteligente, não poderia ser tratado com a empáfia que foi tratado por um analfabeto como eu. Peço sinceras desculpas. (Eu e ele já demos boas risadas).

A palavra “deficiente” é do bem, é correta. Ser deficiente, ou seja, ser incompleto em eficiência, é bem diferente do neologismo “malacabado”, que vem a ser, talvez, incompleto no acabamento…?

 Não posso desprezar a avalanche de pessoas que se sentiu ofendida com o texto “O namorado da miss bumbum”, recorde absoluto de audiência neste blog, que já publicou mais de mil histórias de emoção, de conquistas e de sapos engolidos.

Peço desculpas pela minha audácia em querer jogar atenção em quem tem diuturnamente o último olhar. Eu tinha de ser mais leve, mais discreto e mais humano.

Eu estava errado e com muita humildade eu sigo procurando os caminhos certos, os caminhos que vão ajudar toneladas de “pessoas com deficiência” a saírem de um buraco profundo de descaso, de exclusão, de desrespeito de preconceito concreto, de preconceito na lata.

Eu, mesmo sendo cadeirante, não tenho o direito de escrever em meu blog, gentilmente hospedado pela Folha, com muito sucesso e muito orgulho, há anos, um pensamento com meu estilo e amparado por meus leitores que mantém uma audiência diária inédita para qualquer iniciativa do gênero.

Tomara que eu tenha a chance de ser lido pelas centenas de pessoas que me xingaram, xingaram minha mulher, xingaram minha família, com toda a leveza e merecimento que o caso gerou, e que eles entendam o meu pedido de desculpas. 

Vou ficar devendo ficar de joelhos, minhas pernas são finas e não suportam o peso de meu corpo “malacabado” (opss). Procurarei fazer melhor amanhã.

 Muito obrigado e um bom final de semana

Comentários

  1. Olá Sr. Jairo.
    Mesmo sendo assídua leitora da Folha, pela primeira vez li seus textos e AMEI.
    Acredito – repito – acredito, não ser ‘malacabada’, mas, tendo amigos e parentes nesta condição, me identifiquei com a forma bem humorada e escancarada que o Senhor narra seu dia-a-dia.
    Infelizmente, a doença do politicamente correto faz com que os ignorantes de plantão sintam-se superiores àqueles que encaram os fardos e fatos da vida de forma simples.
    Minha unica crítica ao seu Blog é a pouca propaganda, para que mais pessoas dele tenham conhecimento.
    Parabéns.

  2. Acho que vou morrer defendendo a diversidade, mesmo sabendo que isto significa conviver com tipos os mais esquisitos. Alguns são apenas pitorescos, outros não valem a pena e outros tantos ainda se encontram na vanguarda do atraso. Não me refiro a deficiências de qualquer natureza, raça (isso existe?), cor, credo ou time do coração. Adoro os loucos criativos, os despirocados sem papas nem bispos na língua e aqueles que assumem uma bandeira do bem, cientes de que mais dia menos dia vão levar porrada. Mas o que de fato me chama a atenção é a mentalidade tacanha de uma parcela, felizmente minoritária, que insiste em só compreender o que comporta o mundinho em que vive, que se resume a um microcosmo de dar dó. Não me surpreenderam os ataques e agressões ao Jairo, e notei que boa parcela partiu de pessoas com formação acadêmica. Significa que o ensino superior brasileiro forma profissionais, muitos mequetrefes, mas não tem o condão de moldar ou melhorar seres humanos. Estes já nascem feitos e para muitos não há esperanças.
    Lendo alguns dos comentários percebi que persistem ataques por analfabetos funcionais, que não conseguem ir além da frieza das letras e das frases feitas. Causa espécie que nessa turba se incluam autointitulados ‘advogados’, que prometeram fazer e acontecer junto ao judiciário e OAB. Fazem-me rir, nobres causídicos. Na ausência de uma toga amiga, qualquer ação versando sobre o ‘crime hediondo’ cometido pelo meu amigo malacabado e tortinho irá morrer na inicial, com a possibilidade enorme de vocês serem ridicularizados.
    Bem, vida que segue. Sugiro que larguem um pouco a Quem, a Caras e a Contigo e metam a fuça num bom livro. Assim que se sentirem mais ou menos habilitados, partam para algo da lavra de um Machado de Assis ou um Sérgio Porto, para entenderem como a ironia nas linhas e o deboche nas entrelinhas podem ser enriquecedores. E, de preferência, parem de encher o saco.
    E você, Jairo, por favor, pelamordedeus, continue errando!

  3. Eu conheci o blog por causa de algum assunto polêmico há pouco mais de 5 anos (acho que foi o texto do motel).

    Depois do dia em que li o texto passei a acompanhar o blog, aprendi muito. Muito mesmo. Algumas (poucas vezes) fiz comentários, não consegui ir em nenhum dos encontros, mas internalizei várias coisas.

    Procurei saber mais, me informar sobre o assunto. Acompanhei outras pessoas (o blog da Lak era um dos meus favoritos) .

    Tive oportunidade em meu trabalho de abordar a questão da deficiência e acessibilidade em pareceres, assuntos que antes eram estranhos.

    Hoje não consigo mais acompanhar tudo o gostaria, mas tenho certeza que sei muito mais do que sabia e mais do que isto, ajo de uma forma diferente.

    Passada a “tormenta vem a bonança”, vamos continuar a missão.

  4. Querido Jairo li agora as grosserias dos comentários. Acho que perderam um tempo precioso, porque poderiam ter lido as matérias anteriores que você fez, e todas com muita atenção e humor.
    Ajudo a empurrar sua kombi há um tempo (desculpa q ultimamente estou sumida) e amo tudo o que escreve. Liga pra esse povo não, tio.
    Beijos
    Fabiana

  5. Em tempos de politicamente correto, a virtude resume-se em usar as palavras certas.
    Acham que só porque chamam um deficiente de PNE (argh!) tornaram-se pessoas melhores.
    De minha parte, não vejo nenhum problema em continuar me referindo eventualmente aos meus pacientes com Sínd. de Down como “mongolzinhos”. Eu os amo, e dou o mesmo valor à vida deles quanto dou a vida de qualquer outra pessoa.

    1. André, sem falar que a palavra “mongol” tem uma origem nobre!!! Apesar de parecer (e ser) bem estigmatizada, ela foi criada como uma homenagem… A história é bem interessante! Outro ponto que insisto, a agressão, o preconceito e o desdém não residem nas palavras, mas, sim, nas atitudes! Abraço

  6. Vixe e eu que tinha vindo aqui buscar o link da música do Rappa.
    Tenho uma preguiça da p***a de gente que pega o bonde andando, quer sentar na janelinha e já vem dando lição de moral.
    Mas, me ofendeu mesmo foi você não contar como o seu grande erro mudou completamente a minha vida. Mas, claro, quem sou eu pra querer te lembrar de como seus erros fazem diferença?
    Continue errando, Jairo! Um dia, falar de deficiência com tom bem humorado, sem ser jocoso, não vai causar tanto estranhamento.
    Até lá, a trancos e barrancos: tamos juntos!
    Te amo!
    Beijinhos

    1. Lak, isso eu vou “usar” em uma situação de guerra… por enquanto, foi só uma ventania mais forte ahahhhahhahhhaha.. bjossss

  7. Quem tem posição firme e foge do mesmismo deve saber que o pau come. Eu escrevo alguns artigos e o faço como acho melhor. O pau quebra, mas não espero diferente.

    Toda vez que desço o cacete no governo federal e no PT perco alguns contatos. E tem gente que manda até eu tomar em todo lugar. Dane-se! Não é razoável espalhar espinhos e querer receber flores; independentemente do que se chame isso: patrulha, tá na moda! Agora, toda reação é patrulho.

  8. Meu amigo, gastou verbo à toa. Permitiu a quem não tem a menor noção de como é a vida se acharem, ficaram “todo prosas” por terem desancado um jornalista do Folha. E você sabe que eles não merecem isso e você, também, não merece isso. Mande-os, todos, lamberem sabão e continue na sua luta gloriosa na defesa e no apoio aos mal acabados, aos puxadores de cachorros, aos cavaleiros, enfim a todos aqueles que são assim como nós. Um abraço solidário do Sidão, que devia participar mais, dar mais apoio que você faz por merecer pela sua batalha diária da defesa de direitos nem sempre fácies de defender. É isso aí, não sei mais o que dizer, só lamento existirem pessoas que não conseguem enxergar um palmo adiante de seus narizes. Deus te ilumine sempre.

  9. Jairo, desculpa a ausência, mas estou com alguns problemas. Impressionante como de tempos em tempos surgem as patrulhas chatas que invocam com os termos que você utiliza há um tempão. Gente chata, liga não meu amigo. ” Os cães ladram mas a caravana passa”. Beijos

    1. Betinha, vc nunca está ausente… suas ideias e seu apoio já estão bem incorporados por aqui! Melhoras.. beijos

  10. Jairo, não consigo enxergar onde você está errado, continue com seu trabalho, se o areião de “Trê Lagoa” num te derrubou nessa sua caminhada, num vai ser meia dúzia de comentários sem noção que vai.Vida longa ao blog.

  11. Fiquei um tempo sem ler nada, por causa das minhas dores horrorosas, coisa comum em malacabados como eu, rsrs…

    Levei um susto quando vi os comentários absurdos e grosseiros publicados. Completamente desnecessários.

    Pensa no lado bom Jairo, você virou um superstar dos blogs, tudo por causa de um Bum Bum. Sobrou “ofensas” até pra mim. kkkkkkkkkk

    Continua seu trabalho como sempre fez, com muita alegria e propriedade.

    Nossos problemas já são sérios demais, sem um pouco de bom humor e ironia, poucas pessoas continuariam lendo o blog por tantos anos.

    Seu trabalho informa, alegra e dá um alento pra muitos de nós que se espelham nas suas publicações e de alguma maneira tentam melhorar suas vidas.

    Beijinhos, boa sorte sempre!

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