Luccas Neto, finalmente, me venceu

Estava enlouquecido de trabalho, concentrado no computador e sozinho em casa com minha filha biscoita, de cinco anos. Ouvi de relance ela perguntando: “Pai, posso assistir a esse vídeo do Luccas Neto?”.

Embora eu não possa dizer que não compreendi o pedido, jogo parte do meu aceite para a confusão do momento matutino em que a gente não sabe se faz o suco para os meninos ou se responde ao chefe, que já tem dúvidas como se fosse o horário de pico das obrigações laborais.

Também atribuo minha fraqueza a um “libera geral” que, durante este período pandêmico, muitos pais foram adotando para não sucumbirem de vez ao esgotamento emocional.

Era um princípio aqui em casa: nada de vídeos cheios de gritarias, bizarrices e bobeiras do Luccas Neto, o youtuber mais famoso entre as crianças na atualidade. Foi assim até poucas semanas atrás. Tudo combinado, sem grandes imposições, apenas conversando e explicando que aquilo não era legal.

Não que a TV da sala e os equipamentos eletrônicos não fossem dominados por manifestações “artísticas” estranhas como por fazedores de slimes —gosma que gruda no tecido do sofá—, por imitadores de costumes modernos, como aulas online, por produtores de paródias e por contadores de histórias com enredos duvidosos, mas aceitar o Luccas Neto era atravessar uma fronteira para um mundo sem limites.

Cenas do filme: Luccas Neto em: o Mapa do Tesouro; youtuber mantém um grande elenco de apoio Foto: Sofá Digital/Divulgação

Duas semanas após o consentimento para assistir livremente ao youtuber, tido como a Xuxa das internets, minha menina já decorou as músicas e as coreografias da trupe do rapaz, sabe o roteiro dos vídeos dos “Aventureiros” e já assistiu a dez filmes produzidos por ele.

Ah, sim, ela também já começou a pedir todos os produtos embutidos no entretenimento, como bonés, bonecos, bugigangas, aplicativos de celular, material escolar e álbum de figurinhas.

Os pais precisam ser curadores daquilo a que os filhos pequenos terão acesso, o que parece óbvio. O que não é assim tão claro é saber entender as demandas infantis desse tempo, saber até onde esses vídeos irão gerar comportamentos nocivos ou manifestações estranhas ao desejo da educação que a família espera.

Luccas tem um elenco de atores jovens e talentosos que o auxiliam nas produções e que externam delicadezas no brincar, faz canções que estimulam o movimento, as sensações e as emoções, resgata com as crianças questões importantes como o valor das amizades, a necessidade da confiança e a construção de princípios.

Mas, vez ou outra, segue se perdendo em baboseiras que chama de “trosllagens”, com falas e ações sem o menor senso de estímulo de uma infância saudável, muito desnecessariamente, pois ele parece ser cercado de gente —e de recursos— capaz de sempre fazer coisas boas, criativas e também divertidas.

Temos todos atualmente quilômetros de preocupações para tentar manter o andamento da vida relativamente em ordem diante das restrições impostas e crescentes. Seria insano ficar espinafrando pessoas que, nos últimos semestres, viraram parte efetiva do cotidiano das famílias.

Que atire o primeiro controle remoto quem não atribuiu ao YouTube a tarefa de atenção às crias em algum momento do dia. Tudo bem. Já temos culpas demais nessa caminhada.

A questão não é perder para o Luccas Neto, mas, sim, ver como a gente negocia para pelo menos empatar. Ele flana em seu sucesso arrebatador com os pequenos; nós, pais, ficamos um pouco mais tranquilos com a influência que ele terá sobre nossos filhos.