A velha na janela
Era apenas uma viagenzinha despretensiosa pelo interior mineiro, mas a imagem daquela senhora na janela, com o rosto já derretido pelo tempo, com as mãos aconchegando o queixo e com o olhar em um profundo nada ficou em minhas recordações. Uma mistura de sensação de solidão com um desgosto pela vagareza dos dias, do passar das horas.
Tempos depois daquela experiência, tenho a seguinte conversa com minha mãe, septuagenária:
– Tudo bem por aí, minha velha?
– Tudo na mesma, meu filho. O tempo parece que não passa aqui em casa. Os dias são tão longos, as noites mais compridas ainda. Fico num desassossego… Nada parece estar bom.
– Ah, mas a velhice também serve para descansar até cansar, né, mãe?
– Serve, mas é tempo demais. Por mais que eu invente coisas para fazer, sobram muitas horas à toa. Me dá um desatino, uma chateação.
Fiquei desconjuntado depois dessa prosa. Além da melancolia natural da idade, mamãe ainda tem amargado a falta de nosso cachorro velho, Nero, que morreu há pouco mais de dois meses, deixando um som da ausência quase desesperador em seu cotidiano. Seu coração sofre mais uma vez.
Mamãe é hoje como a velha da janela de Minas à procura de alento em passarinhos que vez ou outra saltitam por ali no chão e fazem shows por migalhas. Mamãe arrodeia por todos os lados as lembranças para tirar delas novas versões, nova graça, novos suspiros. Não por acaso, ela sempre reconta causos e ri deles com a graça de uma boa surpresa.
Não deu pé para que ela se preparasse para a chegada da tal terceira idade. Mal tinha tempo e disposição para programar o arroz com feijão do dia a dia, igual ao que acontece com a maior parte das mulheres trabalhadoras e provedoras de famílias deste país.
Minha velha não é dessas que conseguem se encantar com aulas de hidroginástica ao som de Anitta ou com bailinhos da saudade cheios de moça atrás de senhores abonados. Cansou-se até de fazer bolo, afinal menino não chega mais faminto grudando em sua saia pedindo chamego e comida aos finais do dia.
Por mais que eu reinvente os horários de ligar para casa, sempre tenho a sensação de que ela estava me esperando a postos e ansiosa para saber da neta, do frio que congela minhas pernas secas nessas noites invernais, dos meus planos para o final de semana, da rotina no jornal.
É bem possível trabalhar contra a inerência desse estado de desgosto da velhice. Há uns que compram uma motoca e viajam pelo mundo fugindo para novos pontos a cada encostar da tristeza, há os que se rebelam contra os efeitos da longevidade buscando novidades para o cérebro, para as rugas e para a alma.
De qualquer maneira, penso ser necessário o mundo trabalhar mais por menos momentos de angústia com o tempo para os velhos. Uma construção social que não sobrevalorize a velocidade, que torne os ambientes mais convidativos para os velhos, pode ser um caminho.
Experiências de comunidades de idosos, organizadas por eles mesmos, começam a ganhar fôlego no país, assim como iniciativas de acolhimento de empresas que querem a presença dos velhos para fomentar diversidade, valores humanos. Então, não é simplesmente uma questão de “coisas da vida”. Dá para ser diferente.
Entro em férias e vou descansar a beleza por uns dias. Volto em setembro!
Parabéns Jairo, com sempre com sensibildade e competência.
Abraço
Walter
Obrigado, um abraço!
Ola! Obrigado por compartilhar! Eu amo seu post obrigado.
Achei o texto ótimo! De uma sensibilidade ímpar. Porém, algo me incomodou com o termo “velho”. Tenho em minha concepção de vida que não ficamos velhos, pois não nascemos prontos como uma geladeira ou um sapato. Somos seres em construção, em constante transformação. O tempo, já sabem, os físicos, filósofos e teólogos é uma mera ilusão. Persistente, mas uma ilusão. Pode ser que esteja errado, e esteja exagerando, muito menos quero ser politicamente correto. Mas o termo “idoso” se acomoda melhor em minha alma. Enfim, novamente, parabéns pela sensibilidade.
Gostei do seu ponto de vista, Emerson! Abraço
Certamente temos que pensar mais sobre o assunto, buscar um atuação governamental que fomente estes espaços para os nosso idosos e que vá além de espaços de leitura e baile. O público é muito variado e devemos acolher todos! Espaços públicos que possam reunir idosos, crianças, jovens, enfim todos, já seria muita coisa! praças, calçadas, passeios, bancos, locais de pic nic, caminhada, bicicleta, ou simplesmente espaços verdes para que possamos nos sentir novamente como parte do todo!
MUITO BOM. É…DÁ PARA SER DIFERENTE. MAIS LUGARES PARA IDOSOS SE ENCONTRAREM. DISCUTIR LIVROS, FAZER ARTESANATO, BENEMERÊNCIA. SE O ESTADO AJUDASSE, ORIENTASSE…MAS TUDO SEGUE NA MESMICE.
EXCELENTE. ÓTIMAS FÉRIAS.
Obrigado, querida!
SE O ESTADO AJUDASSE??? É incrivel como o brasileiro vive sempre esperando que o Estado faça tudo. Por que temos que esperar tudo do Estado? Podemos e devemos fazer coisas sozinhos sem a necessidade do Estado
Obrigado.Excelente artigo.
Obrigado!
Jairo,amei o texto.Precisei
Interromper a leitura várias vezes pra desmarejar os olhos!
Tereza, obrigado por sua leitura e seu carinho! beijos
Imagem e título se aglutinam já antevendo o texto, cujo óbvio se faz singular, pela maestria com que o autor costura palavras e sentimento. Forte!
Obrigado!
Que sensibilidade! Quanta percepção! Para ler e guardar… e reler…
Obrigado, Marília
Velhas e velhos, leiam livros! Não há tédio quando se gosta de ler.
Obrigado!
Isso mesmo! Os livros são ao mesmo tempo companhia, viagem, exercício cerebral, passatempo, prazer… o povo brasileiro precisa aprender a ler mais!