Jairo Marques https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br Assim como você Tue, 07 Dec 2021 19:25:10 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 2017: o ano da diversidade https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2016/12/28/2017-o-ano-da-diversidade/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2016/12/28/2017-o-ano-da-diversidade/#comments Wed, 28 Dec 2016 10:12:26 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=2726 Empresas modernas do mundo todo, conectadas com o anseio de novas gerações e com o barulho estridente das antecessoras e das redes sociais, começaram um forte movimento de aplicar em seus valores internos e em suas atitudes de mercado o poder que múltiplas representações humanas têm no ambiente produtivo e na capacidade de construir inovações, tendências.

A publicidade deve ser a vitrine mais evidente deste movimento que gestou em 2016 para nascer a plenos pulmões, causando, em 2017. Saem as gostosas e perfeitas, os sarados e de cabelo impecavelmente arrumado para dar lugar a gente que de fato está nos bares, nas lojas de roupas, nas filas ou por trás do universo cibernético dos bancos.

Mais do que uma ação puramente mercadológica para arrecadar mais fortunas, marcas estão investindo em mudança de mentalidade. Gestores hostis a pessoas que não exibem padrões físicos, sensoriais ou de gênero vão ter de ceder a vaga justamente para aqueles abertos a qualquer tipo de amor. Porque qualquer maneira de amor vale a pena, já dizia Bituca, desde os anos 1970.

Cena de novo anúncio de marca de cerveja, em versão inclusiva
Cena de novo anúncio de marca de cerveja, em versão inclusiva

No Brasil, é fácil detectar essas manifestações. É o enorme agente financeiro que colocou duas velhas para sorrir deliberadamente em seus anúncios, é a gigante de cosméticos que colocou uma transexual para usar seus aromas e mandar na turma toda, a cervejaria que botou um cadeirante num bar divertindo-se, a poderosa do varejo que pareou mulheres e homens em cargo de gerência e alavancou a contratação de negros e de pessoas com deficiência.

Importante destacar que não se trata mais de ações sociais bondosas ou de medidas para cumprir leis e evitar o apetite do Ministério Público por justiça –as companhias que agirem assim estarão fadadas ao ostracismo–, mas, sim, de abertura de um tempo em que a pluralidade é chave para a elevação de conceitos relativos ao caráter, à representação da coletividade, à credibilidade para apontar ao outro um caminho a trilhar.

É factível que quanto mais relevante for essa manifestação do mercado, outros setores se sintam enfadonhos e emburrecidos em agir sem novidades e passem também a atuar em busca de ambientes que contemplem o multicolorido, o emaranhado de gêneros, o universo das incompletudes do corpo.

Nesse contexto, para o “serumano” comum, vale a observação atenta de seu cotidiano: algo de muito errado pode rondar seu ambiente de trabalho, sua predileção artística, sua escola, seu clube de lazer ou sua família se neles só houver quem toque a mesma música, só quem dance da mesma maneira e só quem faça tudo sempre igual.

A harmonia da orquestra vem de vários instrumentos e da costura de diversas notas. A genialidade vive seus momentos de incompreensão e de isolamento. A grandiosidade de um ato vem de suas dores passadas, de seus sabores experimentados ao longo da trajetória.

Para que o ano da diversidade se configure e se imponha, é preciso um pouco mais que o desejo de ele se realizar e de jogadas de estrategistas mundiais a seu favor, é preciso que se desligue o comodismo, que se enfrente com flores a intolerância e que se abra a janela do aprendizado e da oportunidade de abraçar o que é diferente.

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Primeira youtuber com síndrome de Down do país muda conceitos da deficiência intelectual no Brasil https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2016/10/05/primeira-youtuber-com-sindrome-de-down-do-pais-muda-conceitos-da-deficiencia-intelectual-no-brasil/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2016/10/05/primeira-youtuber-com-sindrome-de-down-do-pais-muda-conceitos-da-deficiencia-intelectual-no-brasil/#comments Wed, 05 Oct 2016 05:00:41 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=2649 Cacai Bauer, primeira youtuber brasileira com síndrome de Down
Cacai Bauer, primeira youtuber brasileira com síndrome de Down. Foto: Cacai Bauer/Reprodução

A revolução que as pessoas com síndrome de Down têm feito no país continua a descortinar um mundo cheio de possibilidades e de surpresas naqueles que muitos imaginavam como bocós sem chance de darem conta até de si mesmos. Aos poucos, o mantra do “ser diferente é normal”, emanado por gente que se nega a ser enterrado por preconceitos, vai colando no mundo moderno.

Pessoas com um cromossomo a mais já chamaram a atenção por ingressarem na faculdade, serem protagonistas de filmes e agitarem pistas de dança. Agora é a vez de Cacai Bauer, 22, ganhar o título de primeira down a manter um canal de vídeos na internet. Ela já conta quase 400 mil visualizações em suas produções.

“Difinitivamente”, como diria minha tia Filinha que completou 91 anos, não sou um ser bonzinho que bate palmas para menino que faz malabarismo tosco no sinal e se diz aprendiz do Cirque du Soleil, por isso, e por eu ser um “malacabado” ranzinza, achei vários dos episódios de Cacai chatos, colados de outros youtubers e com graça questionável.

“Você não entende que a menina tem problema?” É óbvio que os efeitos e impactos da deficiência intelectual da garota precisam ser entendidos, relevados e considerados na média ponderada. Mesmo assim, o meu gosto não se altera. Não subestimo, mas também não elevo ninguém apenas por características físicas, sensoriais ou intelectuais.

Deficiência não deve jamais abrir caminho para a valorização ou desvalorização de alguém. Ela pode e deve ser botada na balança para tomada de decisões, políticas públicas e dar acesso, mas não pode ser o fator que leva a um pensamento de aprovação, de “curtir”.

Paternalismo, dó, assistencialismo servem apenas para preservar um lugar de conforto, são afagos pontuais para quem precisa de um curso completo de como se firmar e ser valorizado como cidadão capaz, dentro de suas possibilidades, de ser engraçado, de ser profissional, de ser o que tem vontade.

Dito tudo isso, sem medo de ser contraditório, o canal de vídeos de Cacai é genial, faz história, rompe uma fronteira inclusiva —a da imagem estigmatizada— e contribui de maneira ímpar para o avanço do reconhecimento das pessoas com síndrome de Down no país.

A jovem baiana não só revela um talento artístico, de improvisação e de acuidade técnica incríveis, como resiste e se fortalece com críticas impiedosas de comentaristas de internet que faz questão de não apagar, mas de enfrentar e de observar para fazer melhor.

O mais importante nos vídeos protagonizados por Cacai (que vão de paródias musicais a listas de preferências e sátiras) é o conteúdo que ela não mostra ao público, mas que fica implícito em sua segura teatralidade, no seu desenvolto palavreado, em sua capacidade de driblar imposições severas impostas pela síndrome, como possível dificuldade de se expressar, falta de segurança para tomar atitudes, receio de enfrentar o desconhecido, memorização dos papéis.

O recado maior dado pelo ineditismo da ação da youtuber é que a fórmula da inclusão de fato está pronta e leva esperança a milhares de pessoas. Trata-se de estímulos frequentes, valorização e apoio familiar, enfrentamento de estereótipos e todos juntos para tudo.

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Muito além do ‘quarto de Jack’ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2016/03/09/muito-alem-do-quarto-de-jack/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2016/03/09/muito-alem-do-quarto-de-jack/#comments Wed, 09 Mar 2016 05:00:27 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=2518 Morri um pouquinho assistindo ao premiado “O Quarto de Jack”, ainda nos cinemas. A angústia de acompanhar mãe e filho trancafiados em um cubículo e ali construírem limitados conceitos de mundo e de possibilidades de vida me remeteu imediatamente ao pensamento de que milhares de pessoas com deficiência no Brasil também têm paredes estreitas como linhas divisórias entre o sonho de serem incluídas e a realidade disponível para serem gente um pouquinho.

Quando se projeta que o país conta com 45 milhões de pessoas prejudicadas física, intelectual e sensorialmente, um certo espanto e expressões de “que exagero” costumam surgir. “Mas onde está esse povo todo?” Aprisionado sem pena em seus lares, em alas de hospitais ou instituições, muitas vezes depositado em macas à espera de dias mais coloridos e bem vividos.

Para um bocado de gente quebrada das partes, sair do “quarto de Jack” passa por algo além de enganar o opressor que mantém a vítima em cárcere ou de contar com a ajuda da polícia. Passa pela construção de um mundo que acomode as diferenças de maneira minimamente confortável, com acolhimento da rua, com olhares mais generosos, com acessos facilitados e com algum esforço coletivo para atender demandas fora do padrão –para dizer o básico.

Atualmente, os rebelados que resolvem ultrapassar as fronteiras espessas da exclusão para tentar encher os pulmões de ar, em cadeiras de roda motorizadas, com a assistência de respiradores artificiais, com o auxílio de cachorros sabidos, precisam contar com doses cavalares de paciência para resistir à humilhação de que, fora de seus quadrados, há pouca chance de tolerância e apoio.

Só para dar um exemplo, quando o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), é irredutível na negociação do fornecimento de transporte escolar específico para crianças “mal-acabadinhas”, ele está inadvertidamente tapando uma das poucas claraboias que guiam a esperança de famílias cercadas pelas desgraceiras humanas: as que iluminam futuros de menos limitações para seus filhos por meio do conhecimento, por meio do acesso potencialmente libertador à escola.

Decerto é mais brando o pavor de imaginar o aprisionamento de um cadeirante em casa, devido à ineficiência social de criar mecanismos de inclusão, quando comparado com o encarceramento do pequeno Jack e sua mãe, da ficção, que são mantidos no quarto à força. Mas as consequências emocionais para o futuro das vítimas se equivalem em muitos aspectos.

A privação do lazer maltrata a leveza da alma; a falta de oportunidades de trabalho prejudica a autoestima e empobrece, diminuindo ainda mais o tamanho do quarto; a ausência de amigos, de inimigos e de alvoroços ao redor aquieta planos; a não possibilidade de experimentar prazeres e azedumes das estações do ano deixa tudo pálido e impede o germinar de pensamentos por dias melhores.

Agarre firme na mão de “nossa senhora da bicicletinha” e vá ver “O Quarto de Jack”, depois faça um esforço para ir além. Faça uma fé em ações que libertem pessoas mais próximas do que as que estão nas telas. Todo esforço para incluir mais e ampliar horizontes está valendo.

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Antes de abortar https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2016/02/10/antes-de-abortar/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2016/02/10/antes-de-abortar/#comments Wed, 10 Feb 2016 04:00:52 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=2496 Pouquíssimas chances de viver estão restando aos bebês com microcefalia. Por aqui e por ali leio que eles “choram demais”, têm o cérebro completamente comprometido, têm deficiência visual, são abandonados pelos pais, pelo governo e nem as almas querem encarnar naquilo.

A ciência e a medicina ainda não conseguiram demonstrar com exatidão como o vírus da zika afeta o cérebro do feto nem quando ele agiria, mas são capazes de prever que vida decente ele não terá e que será um “serumano” imprestável diante dos desafiantes caminhos de ser gente em nosso tempo.

Tomar a decisão do aborto parece ser a mais tranquila e menos dramática para todos, inclusive para a sociedade, que não terá de lidar com esse problema a mais.

Encarar, amar e fazer evoluir um filho nascido em desacordo com tudo o que se acha normal seria uma estupidez, quase uma ação bárbara diante a modernidade de corpos sarados à base de granola e malhação.

Embutidos na ação de gerar um novo ser estão desafios ocultos que empoderam –e fazem sofrer, evidentemente–, colocam convicções contra a parede e ensinam maneiras diferentes de encarar a realidade. Cada vez mais, porém, parece que o legítimo, o correto e o “descolado” é saborear apenas a bonança.

Milhares de pessoas convivem com deficiências bastante incapacitantes, em diversos níveis, no mundo. Um punhado delas, com apoio, com acesso a intervenções diversas desde o nascimento, com entendimento de suas necessidades, evoluem a ponto de ser quase aquilo que se espera em um porta-retratos de uma família perfeita.

Não cabe nestas linhas discutir o direito da mulher de tomar as decisões que melhor lhe convierem sobre o seu corpo e o seu ventre, mas a legitimação do arrasto de uma geração para o esgoto aflige quem habita a terra das ditas imperfeições físicas, sensoriais ou intelectuais.

Cada pai e cada mãe que abraçam um filho com deficiência, embora, potencialmente, abriguem alguma frustração na mente, amam cada centímetro de seus pés tortos, dão risada em algum momento com suas doidices, jamais o abandonariam à própria sorte.

O espanto e a tragédia da microcefalia têm gritado com muito mais força do que sentimentos de resiliência, de transformação de pingos de vida em cachoeiras de possibilidades de ser feliz e de promover felicidade.

Sem encorajar de maneira robusta e contundente as famílias afligidas, o ato de abortar como medida higienista da raça humana tende a ganhar mais e mais terreno, sempre resguardado pelo terror da incapacidade futura do bebê e do pânico de não ter uma fofura deitada no berço.

Defendo o livre arbítrio, mas não me conformo com a ocultação do outro lado, extremamente mais frágil, desta avalanche provocada por uma doença não totalmente mapeada, entendida e projetada. Não me conformo com o tom de piedade gerado em torno de quem decide seguir adiante e botar garras de bicho selvagem na defesa de sua cria “mal-acabada”.

Não, não gostaria de ter um filho microcéfalo cheio de limitações e que consumisse a maior parte do meu tempo, dos meus recursos financeiros e das minhas emoções, mas não pautaria uma decisão de ter ou não um bebê com deficiência severa em avaliações simplistas, mecânicas, individualistas, baseadas em medo, vaidade ou supostas incapacidades pessoais.

jairo.marques@grupofolha.com.br

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O poder do improvável https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2015/01/28/o-poder-do-improvavel/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2015/01/28/o-poder-do-improvavel/#comments Wed, 28 Jan 2015 05:00:02 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=2184 Ninguém precisa nem deve pirar nas possibilidades daquilo que é improvável de acontecer, mas o problema é que raramente as pessoas se dão uma chance de pensar que o ceticismo, a confiança extrema e a falta de informação adequada podem perder o jogo para a fatalidade, para o erro ou, se preferir, para o acaso.

Schumacher foi o maior campeão da F-1 de todos os tempos. Dominou a velocidade como ninguém, viu o vento bater no rosto como poucos, passou raspando do abraço da morte em diversas situações. Está hoje, segundo as poucas informações que existem, imóvel.

Ser o mais rápido do mundo não deu ao alemão imunidade às consequências de carreiras na neve, onde ele se acidentou com gravidade. No intervalo de uma vaidade, de uma segurança excessiva, pode operar aquilo que jamais se espera.

Como alguém capaz de domar um carro a 300 km/h até em pistas molhadas pode ter espatifado o corpo pilotando um par de esquis? Foi vítima de uma tragédia indominável pela expertise humana. À espreita de ações radicais, extremas ou displicentes, mora o risco de algo sair errado.

Um olhar mais atento ao redor, uma lida rápida nas instruções, uma freadinha, uma consulta na consciência ou uma desistência para se preparar melhor, mesmo que seja na última hora, podem diminuir o poder dos desarranjos da vida.

Parece óbvio, mas os lamentos pelo ªe seº são cada vez mais constantes, sobretudo porque o ritmo do viver é sempre mais veloz e impõe limites para tomadas de atitudes racionais e menos entusiasmadas.

Um amigo que quebrou as partes todas em um mergulho em água rasa de um rio me revelou nesses dias que, pouco antes do acidente que o deixou tetraplégico, tinha feito um mapa astral. Lá estava escrito que a vida dele teria uma ªmudança radical, em breveº.

Não sou desses que botam as economias nas indicações dos astros nem mudaria uma letra do meu nome ainda que a numerologia o recomendasse, mas o sopro para o incremento da vigilância, mesmo que tão genérica, cantado ao meu amigo muito me intriga, assim como todas as histórias que possuem esses elementos abstratos e meio ªviajandõesº.

Ele reconhece que, quando saltou para o seu acidente, em nada matutou. Só pensou em se jogar gostoso na água refrescante. Nem mesmo observou o nível do rio, claramente mais baixo que o habitual. Tampouco se deu conta de que estava pulando de uma altura perigosa ou de que ninguém estava se banhando ali naquele momento.

Flerta-se com o força do improvável com mais frequência na juventude, quando é maior a ilusão de dominar completamente os elementos ao redor. A vulnerabilidade de estar vivo, no entanto, apresenta-se para qualquer um que não se alerte diante do estresse, da euforia, da displicência e até da procrastinação.

Oxalá esteja certa aquela canção ªchicleteº dos Titãs: ªO acaso vai me proteger enquanto eu estiver distraídoº, mas não custa estar um pouco mais atento à leitura dos sinais, alguns objetivos e reluzentes, outros mais tímidos e descomprometidos, que invariavelmente rondam os infortúnios.

Respeito os que chamam isso de coincidência, mas prefiro pensar em angústia dos anjos.

 

 

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