Jairo Marques https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br Assim como você Tue, 07 Dec 2021 19:25:10 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 ‘Frozen 2’ e corações descongelados https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2020/01/08/frozen-2-e-coracoes-descongelados/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2020/01/08/frozen-2-e-coracoes-descongelados/#respond Wed, 08 Jan 2020 05:30:32 +0000 https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/fronze-1-320x213.jpg https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=3766 Biscoita, como acontece todos os anos, foi passar parte das férias na casa dos avós maternos lá em Poços de Caldas, nas Minas “Geraldas”, como dizia uma tia minha que já morreu. Os sentimentos envolvidos nisso já contei algumas vezes aqui neste espaço, mas, dessa vez, ela pegou pesado.

Liga em casa quase sempre com muita pressa porque tem de brincar de comidinha com a prima Mel. A menina tem a pachorra de não nos contar nem o cardápio escolhido! Em outro momento, está ocupadíssima com o planejamento de ir ao clube com a avó e as novas “zamigas” de infância.

Ao contrário dos anos anteriores, fala quase nada de saudades, não reclama de nossa ausência e não faz aquele bico charmoso que joga todo o planejamento na cucuia e mobiliza o mundo para dar fim àquele “sofrimento”.

Enquanto isso, o apartamento aqui vai ficando cada vez mais gigante, impecavelmente arrumado, e duas “novas” figuras parecem surgir. Arriscaria dizer que meio amantes, meio namorados, meio perdidos, meio pessoas loucas que ficam revirando lembranças sendo que muitas e muitas delas nem caberiam na definição maior de passado uma vez que são momentos de família ali do Réveillon, do Carnaval.

Filhos, sobretudo os pequenos, têm potencial de mexer profundamente com a personalidade da gente, que passa a assumir características protetivas tão fortes e prioritárias que vamos ocultando necessidades íntimas, acomodando uma maneira apenas prática de tocar o dia a dia.

Colocar um novo ser falante e pedinte em sua rotina sem que isso represente tirar coisas que são importantes para sua saúde mental, emocional, sexual e “tudibão” parece óbvio e está escrito em vários manuais, mas a aplicação do conceito é um tanto desafiadora.

Mas voltando às férias de pitchuca, ela mesmo nos deu um belo toque da necessidade de vê-la como em comunhão com uma órbita e não como um fenômeno que deve alterar todos os rumos da humanidade lá de casa, de um casal, de uma família. E foi assim:

“Mamãe, papai, fui assistir ‘Frozen 2’ e comi muita pipoca. O chato é que a Anna e a Elsa não cantaram nenhuma música que eu conhecia.”

Escondemos como deu o impacto profundo daquele relato, que veio requintado por uma informação do tio: ela ficou o tempo todo dentro da sala de cinema, sem pedir para ir dez vezes fazer xixi, sem dizer que precisava tomar “um arzinho lá fora”, sem alegar que precisava dar uma voltinha para alongar as pernas.

Depois de milhares de “let it go” e de “você quer brincar na neve?”, cantados durante quatro anos, a danada foi sem o papai e a mamãe ver a continuidade do mundo congelado e congelante de que tanto gosta (mos).

Não deu spoilers e, aparentemente, também não sentiu falta de nosso trio de mãos aflitas e juntas torcendo para que tudo desse certo no final.

E tem mais! Na véspera do Natal, tivemos de cruzar a cidade de São Paulo e pegar uma fila imensa pra ela tirar uma fotografia e trocar um olhar de dez segundos com a princesa, a rainha e um bicho de neve que atende por Olaf, todos devidamente abrasileirados. E pra quê? Pra ir sem a gente ver o “Frozen 2”.

Entre um arfar e outro meu e de minha mulher diante daquela novidade do crescer de nossa menina, de mais um sinal de independência dela, parece também que, pela primeira vez durante um desses períodos, conseguimos descongelar algumas convicções e olhares em torno de nós mesmos, de nossos corações e até de nosso futuro. Coisas de amor, de filhos e de férias.

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Vá ver as crianças lá fora https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2019/12/25/3761/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2019/12/25/3761/#respond Wed, 25 Dec 2019 05:30:14 +0000 https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/files/2019/12/criancasbrincando-320x213.jpg https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=3761 Deveria haver uma regra, um decreto presidencial que obrigasse os adultos a nunca se afastarem por muito tempo das crianças e de seus feitos, o que é cada vez mais comum em um mundo tão “complicoso” para criar menino, para conviver em família.

Há quem fique décadas sem interagir com um pequeno —ali, do começo da juventude até os trinta e poucos anos é bem comum— sem saber quais são os desenhos animados da moda, sem brincar de pedra, papel e tesoura, sem rir até perder o fôlego ao fazer uma voz meio estrambólica, uma dança maluca imitando uma galinha estabanada.

Mais do que isso, quando não se convive com criança, limita-se a imaginação, contém-se a gargalhada, diminui-se a tolerância. Isso sem falar que o tempo para o silêncio fica grande demais, a arrumação da casa irretocável demais, os cômodos grandes demais.

O que muitos podem considerar sossego, pela ausência de molecada ao redor, pode ser, na verdade, um passeio num deserto de lápis de cor que colorem as paredes e papéis com casinhas, corações e mensagens inesquecíveis de “eu te amo”.

Fato é que quanto mais ficamos longe do universo infantil, menos conseguimos nos botar em sintonia com a genuína dúvida de como Papai Noel entrará em um casa sem chaminé ou porque existem pessoas que vão passar a noite de Natal na rua, sem comer rabanada quentinha.

Muitas vezes, são as dúvidas das crianças o combustível para nos indignarmos com coisas que o tempo de adulto nos fez anestesiado. Pode ser tanto o sofrimento de um passarinho na gaiola ou a falta de cuidados com as plantas, com o mar, com os cachorros da rua.

Quando a gente vai lá fora ver as crianças, a gente compreende com mais propriedade que misturar as diferenças colabora para a brincadeira ser mais criativa. A gente percebe que os diferentes parecem deixar de lado suas limitações, seus apontados defeitos para serem heróis, serem fadas, serem bichos.

No meio de uma ciranda de roda animada não há distinção de cor, de pés tortos, de cabelos desgrenhados, de menina e de menino. O que está em jogo é somente o ritmo do sacolejo, cada um do seu jeito, e a felicidade da infância.

Ficar muito tempo sem ver uma menina de maria-chiquinha nos cabelos, entretida em um balanço com as pernocas esticadas ao vento, oculta a nata vontade de sair voando pelo mundo, oculta o desejo de ser livre e de trabalhar pela liberdade dos outros. Conviver com crianças ajuda a ser mais sensível com necessidades alheias.

Nada é mais pedagógico no enfrentamento de dores íntimas do que uma visita a um hospital pediátrico, do que conhecer histórias de pequenos que labutam para continuar brincando de casinha, de bombeiro ou de casinha do bombeiro. A força infantil diante das adversidades é revigorante frente a fragilidades adultas.

Quando não há criança por perto, perde-se a malícia de dizer a si mesmo que as dores irão passar em algum momento —de preferência, logo e com um beijinho—, que perder faz parte do jogo, que temos de ter paciência até com o “véio da Havan” e seus impropérios contra as pessoas com deficiência, pois todos merecem respeito mesmo mergulhados em sandices.

Observar crianças faz renovar o desejo de defender bandeiras que consideramos justas, faz a gente cantar com mais animação as cantigas de esperança do final do ano. Incluir crianças na vida, mesmo que as olhando de longe, revigora o ânimo de acreditar em dias melhores. Feliz Natal! Até 2020!

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Como youtubers e vídeos de internet estão sendo desonestos com a infância https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2019/01/09/como-youtubers-e-videos-de-internet-estao-sendo-desonestos-com-a-infancia/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2019/01/09/como-youtubers-e-videos-de-internet-estao-sendo-desonestos-com-a-infancia/#respond Wed, 09 Jan 2019 04:30:28 +0000 https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/files/2019/01/criancacelular-320x213.jpg https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=3458 Biscoita, minha filha Elis, 3, pediu quatro presentes para Papai Noel: um caminhão de bombeiros –que Damares nos perdoe–, a casa do urso, a boneca Bebê Moranguinho e a fantasia da princesa Sofia.

Graças à 25 de Março e à parentada, ganhou todos. Menos de um mês depois, os brinquedos já perderam terreno para seu Lobato, a forma como ela chama o tablet onde moram os vídeos de que tanto gosta.

A transformação atinge diversas famílias. A molecada tem muito mais acesso a bonecos, joguinhos e tranqueiras infantis em geral, mas querem mesmo é se conectar com músicas, youtubers e brincadeiras eletrônicas.

Procuro não ser desses xaropes que acham que tudo precisa ser lúdico, que o mundo analógico é o melhor, que os pequenos irão enlouquecer e se idiotizar com a tecnologia, pois não há estímulo à imaginação.

A vivência lá em casa mostra o contrário. É um tal de encenar a dança da moderníssima heroína francesa Ladybug, de cantar uma música gospel chiclete da Yasmin sobre amor aos animais e a deuxxx e de propor brincadeiras com melecas, números, letras e cores.

Com parcimônia, divisão do tempo e com alguma supervisão, as crianças podem curtir o universo eletrônico e, ao mesmo tempo, viver experiências, interagir com amigos e destruir a casa normalmente.

Mas há, sim, uma armadilha em que as famílias estão caindo inocentemente: youtubers dos quais os pequenos tanto gostam estão rezando ladainhas cada vez mais extensas e rendosas (a eles) para que as crianças azucrinem os pais até que comprem certos brinquedos, geralmente muito caros.

Uma bonequinha “surpresa” exibida por vários canais infantis e que cabe na palma de uma mão estava sendo vendida no Natal por algo em torno de R$ 80, mas cujo kit de apetrechos pode levar o custo final a R$ 900.

“Tias da internet” chegaram ao requinte de explicar aos “amiguinhos” como diferenciar se papai e mamãe compraram uma bonequinha verdadeira ou uma falsificada.

Brinquedos da moda são parte do jogo, mas embutir nas crianças a cada vídeo um desejo efêmero, dispendioso e nada sustentável é perigoso para a infância, para as relações familiares e para a formação futura.

Pitchuca já foi avisada de que não terá mais brinquedos novos por um bom tempo e sabe bem quais “canais infantis” deixam papai furioso –e que ela visita vez ou outra para chamar a atenção e fazer tipo–, mas essa responsabilidade precisa ser compartilhada.

Geradores de conteúdo, gente de publicidade, plataformas de divulgação e redes sociais não podem jogar a conta cara do consumismo infantil na lomba dos pais e na liberdade de “não assistir” ao que rola na rede, como se o apertar do botão de desligar fosse algo simples e direto em plena era cibernética.

O bom desenvolvimento da criança depende e vai sempre depender da aldeia. Uns salvam da cobra, outros de cair no mar e vários auxiliam na sobrevivência na selva.

Em casa a gente tenta bloquear o Lucas Neto –fazedor de vídeos tóxicos para pequenos–, trabalha o conceito do valor das coisas e disciplina, mas são difusas as responsabilidades de não zumbizar as crianças com métodos de venda desleais, de transformar o efêmero de desembrulhar um presente numa grande aventura e de enganar meninos e meninas com publicidade maquiada.

Não é preciso manual do Ministério da Família para ensinar a usar a rede eletrônica com as crianças, muito menos que haja culpa dos pais por não conseguirem controlar comportamentos controversos dos filhos pequenos. Basta todo o mundo cumprir bem seu papel, de preferência reciclável, limpo e honesto. Honesto com a infância.

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O angustiante descompasso entre o tempo de um bebê e o tempo de um pai https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2016/11/30/2713/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2016/11/30/2713/#comments Wed, 30 Nov 2016 04:00:03 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=2713 Não foi por falta de aviso. Vários foram os que me disseram “vai passar rápido, aproveite!”. Ok, rápido é aceitável, mas em velocidade supersônica a gente se assusta, perde o compasso. Elis, minha biscoita de um ano e meio, agora acorda e diz: “Bom dichia, papai. Dá abraço”.

Como assim? Cadê o sorrisinho banguela, o chafariz de baba saindo pela boca, o corpinho desengonçado tentando sentar-se? Pois tudo já se foi. A realidade que se impõe é a de um bom-dia que, ao mesmo tempo que me entorpece de orgulho e de fofura, me espanta com um ar de maturidade que eu achava tão distante.

Mais do que isso. Ela não tem mais aquela paciência de ficar comigo na cama enquanto mamãe tem seus cinco minutos de sossego matinal para ler o jornal, esquentar o “tetê” e preparar-se para a lida. Vai escorregando-se dos meus braços e chamegos e ajeita-se com destreza para descer ao chão e ganhar o mundo. Não me diz nem tchau.

Esbaforido, faço a transferência para minha cadeira de rodas enquanto ela já ganha o corredor em disparada em busca de aprender mais um refrão de uma música que consegue combinar pipoca, chocolate, dedinhos e polvo. Caso eu demore muito, ela também irá experimentar novas sonoridades levando à lona tudo o que puder alcançar.

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A independência repentina envolve também o requinte de sair me empurrando pela casa e me ditando ordens: “Papai cová dentes”, diz enquanto me leva ao banheiro, “Papai trabalhá”, ordena enquanto me empurra para a porta da sala.

No tempo em que mal li uma dúzia de livros, procrastinei o projeto de perder uns quilos e gastei horas reclamando da crise, minha menina parece ter dado a volta ao redor do planeta, escalado o Himalaia e encontrado de uma vez só todas as chaves que abrem as delícias de viver e de ser criança.

Horacina, babá, amiga e confidente de todos nós lá em casa, disse que Elis já fez até “turma de amigos” no prédio e que se destaca por ser a mais carinhosa no grupo que, segundo minha pequena, conta com a Gabi, a “Isadoda”, a Louise, o Betinho, a “Laulinha” e o Miguel.

Faz tempo que não tenho a habilidade de fazer uma turma de amigos tão grande em que pudesse passar doces tardes, pudesse aprender novos sabores para degustar duras realidades e pudesse rabiscar um pouco de pensamentos de harmonia diante de tanta desordem que se apresenta.

Por mais que eu almeje segurar um pouco o tempo de minha bebê, sinto a angústia de um tempo parado em mim mesmo para novas experimentações, novos começos, novas maneiras de fazer tudo igual.

A última machadada em meu já saudoso coração que aconchegava até ontem um neném inteirinho dentro dele é que, neste ano, durante a montagem dos apetrechos de Natal, ela entrou na vibe do “Papai Iéu”, enlouqueceu com os pisca-piscas e ajudou a preparar a árvore, à sua maneira, arrancando os arranjos para ter o prazer de nos pedir que os colocássemos de volta.

Nisso, vou ter de fazer o meu tempo se encontrar com o de Elis. Não vou impor a ela nenhuma nostalgia nem a chateação de ficar reclamando de um peru mais magro durante a “Noite Feliz”. Mas, filha, por favor, vá um pouco mais devagar, papai ainda quer a graça de suas mãozinhas acolhendo meus ralos cabelos por bons anos.

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