Jairo Marques https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br Assim como você Tue, 07 Dec 2021 19:25:10 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O livre mercado da vida: como um remédio de R$ 8,5 milhões pode determinar nova chance para crianças https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2019/07/10/o-livre-mercado-da-vida-como-um-remedio-de-r-85-milhoes-pode-determinar-nova-chance-para-criancas/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2019/07/10/o-livre-mercado-da-vida-como-um-remedio-de-r-85-milhoes-pode-determinar-nova-chance-para-criancas/#respond Wed, 10 Jul 2019 05:30:56 +0000 https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/files/2019/07/ouro-2-320x213.jpg https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=3662 Para quem acompanha dia após dia a vida de uma criança minguando, sendo levada aos poucos por enfermidades tão severas quanto angustiantes, não quer dizer nada a propagada cifra de R$ 8,5 milhões, custo de um novo medicamento que já chega ao mercado com o título de “mais caro do mundo” e, ao mesmo tempo, prometendo ser o mais eficaz para a recuperação de uma avassaladora doença.

Tudo o que se vê diante dos olhos é uma nova esperança para controlar e reverter os efeitos que abalam a existência do pequeno ser vitimado pela síndrome rara, pela doença degenerativa, pelas más-formações de toda ordem.

Na cabeça dos pais, é como se surgisse uma nova ponte que levará o filho ao trechinho que falta para o desfrute mais completo do dia a dia.

Os montes de dinheiro cobrados pela indústria farmacêutica, justificados pelo custo elevado das aplicações em pesquisa, tecnologia, laboratório e profissionais empenhados em descobertas salvadoras, a princípio, são vistos não como impossíveis de serem escalados, mas viáveis de serem vencidos com apoio dos amigos, do governo, da Justiça, com rifas, com solidariedade, com a venda de tudo.

Para a maior parte dos alpinistas pela salvação, porém, o cume da montanha milionária jamais será atingido. Uns caem logo aos pés do morro quando começam a pensar no que, para os viventes comuns, significam R$ 8,5 milhões, outros empacam na metade do caminho nas mãos de decisões judiciais não cumpridas, de campanhas arrecadatórias que não fecham o custo, de doadores que se cansam.

A volta dos premiados com condições ríspidas de existir à luta quase solitária pela sobrevivência é bastante comum.

Somente alguns ungidos conseguem ter acesso ao novo elixir da salvação, geralmente os que caem nas graças de magnatas de coração mais mole ou os que são agraciados por grandes empresas, por campanhas com escalas gigantescas.

A perversidade do livre mercado quando a mercadoria é a vida é muito mais dura de suportar: a diferença aqui não é entre ter um fuscão preto e um carrão híbrido de última geração —sendo que os dois irão circular por aí—, mas entre ter e não ter acesso àquilo que permitirá seguir vivo, que permitirá dar o gosto mais generoso de aproveitar o sol, a chuva, a terra, o amor.

É justo que cientistas cobrem o que bem entenderem por seus inventos? Talvez seja, mas é injusto que o valor gerado pelos avanços —sobretudo os que guardam relação com a própria vida— fique restrito àqueles que têm “a sorte” de ter acesso a milhões.

Ações de governos, de organizações civis ou de comunidades engajadas são fundamentais para que os embates entre os indivíduos e os gigantes da indústria farmacêutica sejam levados a cabo e não tornem ainda mais dramática a situação dos que padecem as intempéries de viver.

Quanto mais pesquisas forem desenvolvidas e fomentadas em ambientes públicos —universidades, hospitais, centros especializados— ou em parceria com organizações científicas de ponta, maior a chance de famílias não terem de se deparar com a tarefa urgente de amealhar montanhas de dinheiro em troca promessas de saúde para seus filhos.

Ampliar a empatia aos extremos das necessidades humanas dá sentido à evolução de valores. Não há felicidade e realização que resistam ao sofrimento de toda uma família que chora por sua criança que tem a vida ceifada por causa de falta de acesso —não ao esforço pessoal, mas ao dinheiro infindável.

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Ter um filho raro fez mãe ‘mudar a lente’ de ver o mundo https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2019/05/08/ter-um-filho-raro-fez-mae-mudar-a-lente-de-ver-o-mundo/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2019/05/08/ter-um-filho-raro-fez-mae-mudar-a-lente-de-ver-o-mundo/#respond Wed, 08 May 2019 11:00:00 +0000 https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/files/2019/05/lucas2-320x213.jpg https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=3592 Com muita mobilização, aos poucos, a sociedade começa a entender um pouco a respeito de um universo quase oculto em suas dores, desafios e diferenças marcantes: o mundo das pessoas com doenças raras.

É considerada doença rara aquela que acomete 1,3 indivíduos em cada 2.000. São incuráveis, mas a medicina trabalha cada vez mais para dar qualidade de vida e oferecer medicamentos que atenuem ou eliminem seus efeitos, que são os mais diferentes.

Por isso, a efetivação de uma política nacional de atenção é tão necessária e urgente para esse grupo de pessoas, ainda um tanto estigmatizado, ainda um tanto sem acesso ao básico de cidadania.

Receber em casa um filho com uma síndrome rara é ser conduzido diretamente para um caminho absolutamente desconhecido e que exige ser desbravado com esforço pessoa, resiliência, amor e busca de conhecimento.

Na postagem de hoje, Viviane Santos Roque, 36, gerente administrativa, mãe do Lucas, faz um relato contundente de sua experiência como “mãe de um raro”, ao mesmo tempo em que conduz ao leitor a uma atmosfera de reflexões em relação a vida, ao respeito ao próximo e ao amor…

Ser mãe de um raro é um grande privilégio e eu vou me esforçar para falar porque uso esta afirmação tão positiva, quando muitas vezes experimentamos situações amarga durante a caminhada como mãe de uma criança especial.

Na minha gestação nada do que eu havia planejando aconteceu, aliás na vida do Lucas tudo o que aconteceu estava fora do padrão. Gravidez de risco, repousos, exames e visitas médicas quase que semanais durante as 36 semanas de gestação.

Lucas, logo ao nascer, que passou longa temporada na UTI Foto: Arquivo Pessoal

Sim, a cada ultrassom eram notícias tristes, dúvidas e a indefinição: o que realmente ele tem? Suspeitaram de uma síndrome, sugeriram procedimentos invasivos e até o abordo. Nasceu! O que ele tem? Não sabiam!

Exames, faltava informação. A cada visita àquela UTI era um frio na barriga: Ele estaria vivo? Quantas incertezas!

Foram 15 dias para registrar meu filho! Sem diagnósticos não poderiam registrá-lo. Quanta angústia! Qual melhor tratamento? Quais especialistas buscar? Por onde começar? Por que não respira pelo nariz? Por que usa traqueostomia? Por que não consegue comer? Darei meu leite? Necessita de cirurgias ortopédicas? Vai falar? Terá comprometimento neurológico?

Quantas perguntas, quantas dúvidas quanto medo! Medo de não dar conta, medo de não ser uma boa mãe, medo de não conseguir dar o melhor que a medicina oferece, medo do futuro! E eu? E minha vida? Minha profissão? Meu casamento?

Atualmente, o pequeno Lucas vive a vida de forma intensa Foto: Arquivo Pessoal

A gestação difícil foi um estágio para este momento. Nela aprendi a filtrar o que os médicos falavam e a ouvir a voz da fé, a crer que dias melhores viriam.

E foi isso que na segunda semana de UTI neonatal comecei a colocar em prática. Um dia de cada vez! Este era meu lema. Um problema por vez.

Futuro? Meu futuro era a próxima semana somente. Assim foram os 83 dias que ficamos ali. Saímos e fomos para casa. Os dois primeiros anos a nossa luta era pela vida, respirar e comer sem “acessórios”.

Dois anos de internação domiciliar, 10 cirurgias, terapias diárias, dezenas de consultas médica, essa era nossa rotina. A cada consulta tinha que explicar a síndrome aos médicos que sempre afirmavam: nunca ouvi falar dela.

Sem muito histórico, poucos casos documentados, não sabíamos e ainda não sabemos o que o espera no futuro. E é desta forma que meu esposo e eu decidimos criar e educar o Lucas. Ele pode o impossível! Entendemos que toda a inclusão precisa ser criada, construída.

Lucas e a mãe, Viviane, durante brincadeira Foto: Arquivo Pessoal

Quando procuramos uma escola, buscamos uma que estivesse disposta a esta construção e não uma que atendesse somente a lei. Foram mais de 15 ligações para diferentes escolas e respostas que prefiro não comentar. Sim, o mundo é cruel, tem muitas pessoas despreparadas.

Se tivéssemos mais amor, respeito e compaixão, as leis não seriam necessárias. Mas em meio a tudo isso, encontramos pessoas dispostas a ajudar, pessoas dispostas a incluir e amar.

O Lucas é portador de uma síndrome rara, síndrome fémur-facial. Ele tem independência, liberdade, ousadia e uma vida com mais adrenalina aos 5 anos do que eu tive em meus 36.

Faz fisioterapia diariamente, terapia ocupacional, natação, capoeira, desce pista de skate com a cadeira de rodas, adora toboágua, mergulha e fica 17s embaixo da água, canta, dança, tem amigos e é querido!

Ter um filho raro me fez ser persistente e lutar pelo o que eu realmente acreditava: a vida! Me tornei ainda mais forte e decidida. E é sobre neste ponto que eu afirmo ser privilegiada. Ele me fez melhor!

Mudei a lente que vejo o mundo, a vida por mais difícil que seja, pode ter um sabor doce, e agradável. Afinal, deficiência é tudo aquilo que te limita, mesmo você sendo perfeito.

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Apesar de promessas, pessoas com doenças raras seguem em caminhadas solitárias em busca de qualidade de vida https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2019/02/28/apesar-de-promessas-pessoas-com-doencas-raras-seguem-em-caminhadas-solitarias-em-busca-de-qualidade-de-vida/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2019/02/28/apesar-de-promessas-pessoas-com-doencas-raras-seguem-em-caminhadas-solitarias-em-busca-de-qualidade-de-vida/#respond Thu, 28 Feb 2019 15:03:13 +0000 https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/files/2019/02/raras-320x213.jpg https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=3517 É relativamente fácil ganhar simpatia e confiança das famílias e de pessoas com doenças raras, afinal, elas vivem diuturnamente atrás de esperança, atrás de novos caminhos que tragam alguma melhora a suas enfermidades, atrás de serem ouvidas em suas demandas tão específicas, quase solitárias.

Por tudo isso, esse público não pode e não aguenta mais estar exposto ao vazio de comprometimentos sem assinatura, de programas de atenção sem formatação e endereço sem nome dos responsáveis.

Por exemplo: nesta terça-feira (27) foi a segunda vez, em menos de três meses, que a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, recebeu pessoas com doenças raras —que celebram nesta quinta (28) seu dia internacional de luta— para tirar fotografias e dizer “tamojunto”. Mas onde está a efetividade desse apoio?

Basicamente, os “raros” necessitam de medicamentos, sendo vários de alto custo [alguns chegam a mais de R$ 1 milhão], atenção multidisciplinar à saúde, expansão dos protocolos de atendimento e circulação de informação.

Para isso, é preciso recurso aplicado de maneira eficaz, alcance científico para se evitar experimentalismo inócuo e política pública permanente.

Atualmente, são os tribunais da Justiça, grupos de apoio organizados entre famílias ou recursos próprios o que arca o trato dos “raros”, que se agarram a cada novo movimento de atenção a suas legítimas necessidades.

O problema disso é que as medidas são lentas —processos por medicamentos se arrastam por vários anos e pacientes morrem antes das sentenças finais—, com articulação limitada e com muito desgaste familiar.

Então, para além de se condoer, apresentar propostas mirabolantes e inexequíveis e dar tapinhas nas costas desse público, urge a apresentação de um amparo real, construído com conhecimento técnico e com comprometimento, ao longo de todas as etapas, de tratamentos dignos e com resultados.

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Nem tão doce infância… https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2014/10/06/nem-tao-doce-infancia/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2014/10/06/nem-tao-doce-infancia/#comments Mon, 06 Oct 2014 12:00:11 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=2024  

A infância nem sempre é um período em que somos apenas felizes. O relato da bela Maria Paula é uma reflexão profunda sobre os cuidados e a atenção que devemos ter, dobradas, com crianças que vivem com deficiências e ou doenças raras
A infância nem sempre é um período em que somos apenas felizes. O relato da bela Maria Paula é uma reflexão profunda sobre os cuidados e a atenção que devemos ter, dobradas, com crianças que vivem com deficiências e ou doenças raras

Meu povo, durante toda esta semana, a Semana da Criança, o blog se dedica a falar da infância em várias de suas facetas.

Embora muito se compadeça no Brasil em relação aos pequenos com deficiência, as dívidas do país com esses pequenos “malacabadinhos” é gigantesca.

Ainda estamos no nível de discutir a inclusão na escola, o direito básico à reabilitação e ao tratamento, o trato das diferenças dos pequenos no convívio social.

Para começar, um relato forte, marcante e emocionante de Maria Paula, uma belíssima garota que enfrenta, desde quando era um botãozinho de gente, uma doença rara.

Maria foi minha aluna durante a faculdade. Agora, ela já está à beira de se formar e brinda este espaço com um texto de tirar o fôlego.

A realidade de conviver com dores, limitações e dúvidas sobre o futuro desde muito pequeno, é desafio gigantesco. E quando chega a vida adulta? Como é olhar para trás?

Peguem o lencinho e abram o coração

♥♥♥♥

Dizem por aí que a gente sofre mais na adolescência, quando estamos nos descobrindo, entrando na fase adulta.  Mas a infância pode ser pior, porque a gente está descobrindo o mundo, a vida. E não é fácil descobrir que ela pode ser complicada demais, que ela vive batendo na gente. A gente toma na cara.

Eu ainda ensaiava os primeiros passos quando senti pela primeira vez um forte incômodo. Era como se estivesse parada sobre brasas e alguém começasse a espetar coisas nos meus pés. Era uma doença dermatológica genética rara, que causa descamação nas mãos e pés começando a se manifestar. Foi justamente depois do aparecimento da doença que comecei a sentir fortes dores e uma atrofia nos pés e mãos começaram a surgir.

Maria Paula, ainda bem pequena, caminha na areia. Dores apareceram bem cedo
Maria Paula, ainda bem pequena, caminha na areia. Dores apareceram bem cedo

Desde então, fui conseguindo me movimentar cada vez menos… É complicado andar quando se tem uma dor tão forte ao ponto de te deixar na cama, em desespero. E pra piorar com seus membros perdendo o movimento.

Isso começou antes dos três anos e piorou muito aos sete. Foram idas e vindas aos médicos e tratamentos cada vez mais fortes, à base de opioides – como morfina, metadona. E, assim, ainda criança, eu vivia cercada por medicação pesada e muitos cuidados. Uma infância bem diferente daquela dos meus colegas da mesma idade, que corriam e brincavam, viviam, enquanto eu ficava em casa.

Por causa da dor, não era raro também eu perder aulas. Muitas vezes, não podia participar de brincadeiras com os amigos – o que exigia muito do meu corpo, afundado pela dor.

Lembro-me de uma vez, ainda pequena, época Carnaval. Ia acontecer uma festa na escola, mas eu não pude ir pelas dores. Andar, até mesmo na cadeira de rodas, estava difícil. Minha mãe resolveu, então, dias depois, quando eu comecei a me sentir melhor, fazer uma festa em casa com algumas crianças da vizinhança.

Fiquei tão animada, era uma chance de me divertir e socializar – algo cada vez mais raro.  Ela preparou tudo com tanto carinho. E eu cada vez mais ansiosa. Mas, as coisas se tornaram diferente do esperado.

Houve festa, sim, mas eu fiquei só olhando. Não conseguia levantar pra brincar, a dor piorava e o movimento também. Eu assisti as crianças correndo, brincando, dançando no quintal da minha casa, enquanto eu ficava lá. Como sempre.

Virei a aluna ausente nas aulas e nos eventos da turma. Passei mais tempo com dor que na escola ou com meus amigos. Quando me desafiava a burlar as limitações impostas pela doença, os resultados, não raro, eram desanimadores. Passeios, viagens e aniversários que, de repente, eram interrompidos por causa de uma das minhas crises.

Tanta gente diz que sente falta da infância, que é maravilhoso, melhor fase da vida. Para mim, não. Eu odiei. E como eu odiei. Eu não via a hora daquilo acabar na esperança das coisas melhorarem.

Com dez anos, eu já acumulava no currículo visitas a mais de dez especialistas médicos. Nenhum deles, até então, tinha sido capaz de encontrar um tratamento eficaz. A cada semana, as dores vinham mais fortes, deixando sem efeito os opioides.

Com as coisas fora de controle e minha vida totalmente parada pela dor, a equipe médica especialista em dor propôs a realização do bloqueio de alguns nervos. Era o início de mais uma batalha por opções mais eficazes para garantir uma vida sem dor.

A infância de Maria Paula foi marcada por frustrações. Não podia participar das próprias festas. Na imagem, ela aparece com chapéu de bruxinha, ainda bem pequena
A infância de Maria Paula foi marcada por frustrações. Não podia participar das próprias festas. Na imagem, ela aparece com chapéu de bruxinha, ainda bem pequena

Ao todo, foram feitos mais de dez bloqueios ainda antes dos 12 anos, com resultados bem diferentes. No primeiro houve uma redução significativa nas dores que sentia. No outro, porém, a eficácia do método não foi a mesma, e o alívio foi bem menor.

Já no último procedimento, as dores nos pés voltaram enquanto eu ainda estava na sala pós-cirúrgica e isso foi a gota d’água para eu perder as esperanças, mesmo com minha família sempre ao meu lado, me apoiando.

Foi quando tudo isso começou a me levar, ainda tão pequena, ao fundo do poço. Fisicamente, sentia uma dor tão intensa que tinha de parar tudo. Eu não sabia o que era viver, o que era ser criança. A depressão não me deixava mais responder a isso. Não tinha mais vontade de viver.

Porque quando você tão novo descobre essas coisas, vive – ou não vive – certas coisas… O que esperar do que vem pela frente? Absolutamente nada. Cheguei a pensar em tirar minha própria vida. Uma criança tirar a própria vida.

Mas ainda bem que não o fiz.

Depois de vários tipos de tratamento, as dores começam a amenizar, mas a infância já se despedia
Depois de vários tipos de tratamento, as dores começam a amenizar, mas a infância já se despedia

Embora os olhares possam achar que eu não tenha nada hoje – por ter me tornado uma cadeirante e vira e mexe voltar a sentir dores, consegui me tornar uma mulher que aquela menina do passado não esperava, não tinha esperança de ser…. Essa mulher hoje namora, trabalha, é independente, vai se formar.

Tudo graças a um método mais radical que os bloqueios ou a retirada de feixes nervosos feitos na infância: a neuroestimulação medular. Melhorei muito das dores.

O método consiste em uma cirurgia invasiva, por meio da qual são colocados pequenos eletrodos junto à medula espinhal. Através dessa estimulação, é possível moderar a dor sentida pelo paciente. Não passou tudo, ainda sou perturbada pelos incômodos. Às vezes, a dor volta a me assombrar, mas não é mais como aquela de criança.

Os movimentos, não tiveram jeito, perdi o dos pés totalmente. Devido à dor excessiva que me impedia de me movimentar e a doença genética dermatológica. Nas mãos, tenho dificuldade de segurar certos objetos – como tetraplégicos mais leves.

Maria perdeu os movimentos dos pés e tem mãos bem frágeis. Agora, na vida adulta, reencontra possibilidades de viver de maneira plena como mulher e como menina
Maria perdeu os movimentos dos pés e tem mãos bem frágeis. Agora, na vida adulta, reencontra possibilidades de viver de maneira plena como mulher e como menina

Mas eu aprendi a fazer da cadeira de rodas parte de mim, por mais que no início tenha sido difícil aceitar essa realidade. Aprendi também a viver com a dor. Tenho certeza que a menina Maria não esperava alcançar tudo que conseguimos alcançar. Tenho mais certeza ainda de que ela, aqui dentro de mim, tem um orgulho imenso da força que eu tive. Aquela criança hoje está me dizendo:

“Viu só? A gente conseguiu muita coisa. Mas ainda temos muitas outras pra conquistar. Não perde o foco. Você consegue, mulher. Você consegue, menina”.

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