Jairo Marques https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br Assim como você Tue, 07 Dec 2021 19:25:10 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Mudamos! https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2021/12/07/mudamos/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2021/12/07/mudamos/#respond Tue, 07 Dec 2021 19:25:10 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=4125 Caro leitor,

Este blog continua na Folha, mas, agora, em um novo endereço. Acesse folha.com.br/assimcomovoce para continuar lendo tudo que o Assim como Você publica.

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Encantos e desencantos

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A potência dos afetos https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2021/11/23/a-potencia-dos-afetos/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2021/11/23/a-potencia-dos-afetos/#respond Tue, 23 Nov 2021 22:21:47 +0000 https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/coluna2-320x213.jpg https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=4119 Uma querida amiga sofreu um acidente doméstico grave e, como consequência, correu o risco de amputar um dos dedos da mão. Depois do atendimento de emergência, de cirurgias complexas, de dores e de horrores internos, ela se recupera, lentamente, bem.

Do trauma à ambientação em sua nova realidade, que passa por reabilitação motora e reaprendizado de movimentos, pelo reconhecimento de uma “nova mão” reconstruída, de uma nova estética, ela colocou como fundamental em seu desafio a presença real dos bons pensamentos, dos desejos de melhora emanados por toda a gente.

Ela escreveu assim, na postagem em uma rede social de uma fotografia de um belo vaso de flores que recebeu em casa de algum fraterno: “Carinho que cura”.

Passamos despercebidos, geralmente, pelo potencial curativo de um apoio, um afago, um beijo, um abraço, uma mensagem de fé para quem passa por turbulências do viver. Dar concretude à esperança dos outros por dias melhores tem impactos inimagináveis e reais.

Mais do que desejar “força” para quem tem desafios a enfrentar, podemos nos oferecer a compartilhar um pouco do peso de uma situação nos fazendo presentes em falas, gestos, atitudes sinceras e abrindo bem os olhos para enxergar os gritos silenciosos de quem passa por perrengues.

E isso não é necessariamente fácil. Para conseguir chegar ao efeito da sensação de “cura” do outro, temos de domar nossos famigerados leões internos e reclamões que urram diuturnamente atrás de satisfazer apenas a si mesmos, esquecendo que há outras centenas de bichos famintos na selva.

Um dia desses, minha filha biscoita fazia lamentos de uma saudade e ficou acabrunhada, largada no sofá da sala, remoendo seu sentimento, estirada ao sofrer. Em princípio, adotei o caminho mais fácil, o tamponamento simples, dizendo que aquilo passaria logo e voltei para a reflexão de minhas próprias lamúrias de ausências.

Foto: Ezyê Moleda/Folhapress

Minutos depois, provavelmente beliscado pelo anjo de guarda de minha menina, guardei meu calundu no bolso, peguei a pequena no colo, massageei seu coração e falamos sobre chegadas e partidas, sobre perdas e ganhos, sobre o lado bom da saudade, que pode ser reviver momentos de presença ou o fim da espera e a hora de um reencontro. Ela sorriu e voltou a brincar.

Ser afetuoso e ajudar a curar pode exigir da gente despir-se das próprias urgências para oferecer a calma, pode representar redimensionar o tamanho dos próprios poços para que o outro veja a água no fundo do seu.

A diferença entre olhar com distanciamento a ferida alheia e mover-se no sentido de criar um unguento para cicatrizá-la é brutal.

A gente tem um dia melhor quando o bom-dia vem sorridente, a gente se fortalece quando sente o choro é compreendido e compartilhado, a gente cresce mais seguro quando consegue dar vazão a sentimentos incompreendidos, a sensações que nos oprimem.

O afeto liberta de prisões emocionais erguidas sem tréguas pelos tantos dissabores implicados no existir, nas trombadas com os desafetos. Ele reorienta a nossa coragem de recomeçar, de amar mais uma vez, de compreender aquilo que sufoca, machuca.

Com toda a velocidade, estamos voltando às ruas, ao mundo, que ainda está em pandemônios e cheio de dores. Sejamos mais afetuosos.

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O trem-bala e a sofrência https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2021/11/09/o-trem-bala-e-a-sofrencia/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2021/11/09/o-trem-bala-e-a-sofrencia/#respond Tue, 09 Nov 2021 20:14:07 +0000 https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/postsofrencia-320x213.jpg https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=4113 Débora, minha ajudante para todas as coisas aqui em casa, acordou cedo naquele dia. Estava ansiosa demais para aproveitar o sábado de descanso apenas dormindo um pouco mais que as minguadas horas de repouso dos dias de semana de trabalho. Ela tinha um sonho a realizar.

Ajeitou o café das quatro crianças, catou o marido e caminhou por cerca de meia hora a pé até chegar à loja de departamentos no centro do Campo Limpo, região periférica de São Paulo. Um calor daqueles, mas, ao menos, o trajeto era em descida.

Chegara enfim o dia de adquirir uma TV nova, moderna, que substituiria a antiga, ainda de tubo, que funcionava à base de algumas pancadas no alto da caixa com a força da mão. “Quando a gente dava uns murros, a imagem aparecia de novo.”

A animação de realizar o desejo era parente do medo de se frustrar, como havia acontecido dias atrás. A compra de um televisor barato, de 32 polegadas, a R$ 600, guardava a surpresa de que o aparelho não continha o controle remoto, não tinha pedestal nem estava embalado em plástico bolha. Era aquilo que estava em uma sacola mesmo.

Deu “sorte” porque foi possível cancelar o compromisso quando viu o estado do produto quase entregue. O custo foi o de uma choradinha humilhante ao ouvir da vendedora: “vender para pobre é assim mesmo”.

Mas a nova investida seria diferente. O encantamento tinha agora 42 polegadas e tecnologia para todo lado. Prestes a se aposentar, a vendedora deu a eles o maior dos descontos possível, talvez, porque soubesse bem de trens-bala, de sofrimento e de sonhos.

O casal rapou o que tinha e que teria em um futuro breve nos bolsos, mas e daí? Tudo por um gosto na vida. Não sobrou dinheiro nem para pagar um mototáxi. Cada um arcou com uma ponta da caixa, dividindo os dez quilos da TV, e rumaram para casa, agora, em subida.

Chegaram cansados, mas ainda juntaram a meninada no principal dos dois cômodos do barraco, fizeram pipoca e foram desfrutar da felicidade. “A vida passa rápido, seu Jairo. A gente precisa fazer essas coisas, mesmo com esforço, para desfrutar um pouco dela.”

Há poucos dias li um depoimento da Ana Vilela, a garota que escreveu aquela letra de música bonita que diz que a vida “é trem-bala parceiro e a gente é só passageiro prestes a partir” externando que está passando por um processo de depressão, que está difícil para ela a pressão do existir.

Ela desabafou dizendo ser muito duro enfrentar críticas severas ao seu modo de ser e a sua música. Declarou que é difícil para ela entender o ódio exalado pelas pessoas pelos esgotos cibernéticos.

Por outro lado, a cantora Marília Mendonça, morta de maneira trágica, fez das dores que foram se apresentando em sua jornada, o que ficou batizado de sofrência, o combustível para seu sucesso estelar, para ser amada por multidões, para embarcar na ideia do tal trem que ensina que é “sobre escalar e sentir que o caminho te fortaleceu”.

Para todos nós, existe a dualidade entre viver bem o agora, tendo consciência da brevidade dessa chance, e enfrentar as consequências da busca de ser feliz, de realizar, de ter, de sonhar, de se expor.

O que pode fazer, de fato, a diferença nesse claro e escuro, nesse partir ou ficar, é a maneira como os interlocutores agem diante da luminosidade.

Mais do que entender que o trem da nossa vida é veloz, é fundamental nos conscientizarmos de que podemos atrasar, tornar sofrida e afetar, com nossas atitudes, preconceitos e mazelas, a viagem dos outros.

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Cuidado com seu capacitismo: preconceito é crime https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2021/10/26/cuidado-com-seu-capacitismo-preconceito-e-crime/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2021/10/26/cuidado-com-seu-capacitismo-preconceito-e-crime/#respond Tue, 26 Oct 2021 20:34:32 +0000 https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/col-320x213.jpg https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=4109 Capacitismo é uma palavra bem estranha à língua portuguesa, mas, pelo movimento de uso, que só se expande no país, principalmente nas redes sociais, deve mesmo se consolidar como uma espécie de designação do preconceito contra pessoas com deficiência.

O termo guarda relação com capacidades ou incapacidades projetadas, inventadas ou subestimadas. Ser capacitista implicaria imputar ao outro características-padrão que seriam geradas por sua condição física, sensorial ou intelectual.

Assim, por exemplo, toda criança cadeirante seria um anjo, toda pessoa cega seria desorientada, não ter os braços seria ter inabilidade para trabalho, ter paralisia cerebral implicaria não saber pensar ou agir e um caminhão de outros rótulos construídos ao longo do tempo, invariavelmente estigmatizados, equivocados e inferiorizantes. Cada “serumano” é único.

Diferentemente de outras expressões que falam diretamente às suas intenções, como racista está para agressão à raça, como machismo está para os conceitos arraigados do macho, como homofobia –e também a transfobia, a velhofobia– está para o ódio a um grupo, ser capacitista não relaciona diretamente a uma atitude contra o povo que não anda, não vê, não enxerga…

Isso afeta um bocado a clara identificação de ações discriminatórias que acabam ganhando vestes de piadas, de ações impensadas e até de liberdade de expressão, nunca de uma postura que desqualifica, humilha e ofende.

Em recente reportagem a respeito de pessoas com nanismo, da Folha, uma avalanche de comentários jocosos, carregados de ironias, se formou em postagens no Instagram. Uma afronta que não pode mais ser encarada como “coisa de internet”.

A reação aconteceu, principalmente, em resposta ao fato de membros desse grupo recusarem o rótulo de “anões”, termo que, historicamente, foi ganhando conotações ridicularizantes e não condizentes com a realidade de quem tem nanismo. As dores são de quem sente, não de quem chicoteia.

O capacisitmo é crime expresso pela Lei Brasileira de Inclusão, que prevê, inclusive, pena de prisão aos infratores. Como os principais protegidos pela medida ainda mal conseguem ter o básico de cidadania –ir, vir e permanecer–, gritar contra as opressões é processo que vai levar tempo.

Por enquanto, a coisa funciona da mesma maneira como perduraram ofensas, agressões e rebaixamentos feitos ao negro no país. Quem praticava achava que era bobagem, quem recebia sentia, se oprimia e esperava que o tempo trouxesse justiça.

Com um Congresso, com parcas exceções, inacreditavelmente alheio ao aprofundamento do debate da diversidade e agindo pelo capacitismo –emperrando benefícios fiscais, ausentando-se de debates como o da educação inclusiva, por exemplo, e alterando leis que facilitam a exclusão–, a proteção efetiva só atrasa mais.

O alento é que um molho de cidadania, engrossado por entidades civis e por gente mais humana, começa a levantar fervura em defesa da dignidade às pessoas com deficiência e, talvez, o capacitismo seja reconhecido e enfrentado com menos séculos de atraso que outros preconceitos cultivados.

Outro ponto que joga a favor é que a força de mobilização das diferenças tem sido cada vez mais efetiva e reativa. Todo o mundo está exposto a ter atitudes atreladas a valores ultrapassados e ancorados na ignorância, mas não ter o mínimo de cuidado para entender como suas posturas podem atingir negativamente a vida do outro não pode mais passar incólume.

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Toda criança com deficiência quer e pode falar com você https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2021/10/12/toda-crianca-com-deficiencia-quer-e-pode-falar-com-voce/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2021/10/12/toda-crianca-com-deficiencia-quer-e-pode-falar-com-voce/#respond Tue, 12 Oct 2021 15:30:31 +0000 https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/files/2019/09/supera4-320x213.jpg https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=4103 “Ele fala ou só fica assim paradinho?”… Minha família e meus amigos mais próximos tiveram de responder a esta pergunta vinda de curiosos diante de minha condição de cadeirantinho por centenas de vezes ao longo da minha infância.

A insistente atitude que temos de projetar incapacidades nos outros –ou de não vislumbrar suas capacidades– é especialmente mais displicente e despreocupada com a criança com deficiência.

Algumas décadas se passaram, já me tornei um “senhor cadeirante”, mas resiste entre nós um conceito extremamente ultrapassado de achar que os pequenos com algum tipo de comprometimento físico, sensorial ou intelectual –sobretudo os que aparentam condições muito desafiadoras de estar vivo– não possuem condições de se expressar, de interagir, de falar a seu modo, de gritar para o mundo os seus desejos.

Passamos o dia “conversando” por aplicativos, achando graça de figuras e dancinhas das “internets”, mas há uma dificuldade e um certo constrangimento de pensar que um sacolejar de pernas, uma piscadela, um agitar de cabeça ou mesmo um pezinho que balança pode representar uma porção de coisas e, vindas de uma criança, é bem provável que seja um gracejo, um afago ou um convite para conversar um pouco mais.

A limitação de uma comunicação mais efetiva com um pequeno surdo, surdocego, paralisado cerebral ou com autismo, por exemplo, não está nele, mas, sim, no adulto que esqueceu que há poder de palavras nos gestos que fazem coração no ar, no toque que desenha um sol na palma da mão, numa troca de olhares que abraça gostoso, em uma fungadinha no pescoço que faz gargalhar.

Saindo do campo das abstrações emocionais, hoje, com tecnologia, avanços pedagógicos e interação digital é possível abrir possibilidades sem limites para que as crianças exponham suas opiniões, respondam a questionamentos, deem retornos de aprendizado e troquem ideias, impressões. Toda criança independentemente do quão severo seja tachado seu desafio de existir.

Achar que não vai rolar o papo, a resposta, a troca é um buraco de entendimento, insisto, não da criança com deficiência, mas do adulto sem poder de imaginação, sem conhecimento das milhares de possibilidade humanas, sem coragem de desenhar no papel um barquinho que navega, voa e vai para onde quiser com vento, com brisa, com um asoprão.

Minha filha biscoita, que não tem deficiência, às vezes, fala da hora que acorda até a hora que resiste ao máximo para dormir. A necessidade de explodir o que pensa para quem está por perto, ou passa por perto, é necessidade básica dos pequenos.

Nenhuma criança pode ter ignorada sua maneira de dizer o que está achando de tudo que a cerca e que a emociona. Cabe a nós receber, repercutir e ampliar essa mensagem que pode chegar em forma de ladainha ou de um semblante meio enrugadinho. Sentimentos represados na infância, muitos já experimentamos isso, podem desaguar como choros incontidos em outros momentos da vida.

Que esta Semana da Criança seja oportunidade para festejar a infância sem que ninguém fique de fora do parabéns a você, seja cantando, seja brincando, seja podendo dizer “é pique, é pique” de qualquer forma, até em silêncio, mas que deixemos falar e estejamos sempre dispostos a ouvir.

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Escute o seu velho https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2021/09/28/escute-o-seu-velho/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2021/09/28/escute-o-seu-velho/#respond Tue, 28 Sep 2021 21:10:20 +0000 https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/velhos-320x213.jpg https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=4099 – Demorou pra ligar, hem? Achei que tivesse morrido. Esqueceu que tem mãe?

Fazia sentido a queixa e o tom de mágoa de minha velha. Havia quatro dias eu não telefonava, absorvido em demandas de todos os dias, apostando que a poupança emocional que tenho com ela jamais ficaria sem fundos, mesmo com saques sucessivos e poucos depósitos.

Mas o calundu de dona Marli tinha razões ainda mais profundas que a ausência do filho caçula. Mamãe havia caído no quintal de casa. Desequilibrou-se em meio a uma possível vertigem quase inevitável para os mais velhos durante as tardes do calorão sul-mato-grossense.

– Poxa, mãe. Doeu muito? Quem te ajudou? Como você tá se sentindo?

Ela estava sem humanos em casa, apenas com os dois cachorros, Fred e Bella, que entraram em desespero total quando viram a mãe atônita e estatelada no chão. Correram até o portão, latiram para a vizinhança, lamberam as feridas da dona ainda caída à própria sorte.

– Aqui no rosto ainda dói. Bati bem no toco daquela antiga goiabeira que podamos, sabe? – disse ela ao mesmo tempo que mostrava pela câmera do telefone uma imensa mancha roxa debaixo dos olhos e outra mais perto do queixo.

Naquele momento, entendi um pouco mais o tom ineditamente áspero do início da nossa conversa. Quando um velho cai ao chão, cai também um pouco de sua confiança, cai sua autoestima, caem as fichas do tempo que resta. Senti claramente que minha mãe estava carregando bem mais do que desconfortos físicos naquele momento. Ela queria tentar externar um lamento da alma.

– Acho que minhas costas se curvaram demais também e fiquei com uma dor chata na coluna. Também ralei o joelho. Fui me recuperando ali no chão mesmo, retomando as forças e me levantando. Tinha que reagir porque os cachorros estavam em pânico. Tô muito velha.

Durante uma tempestade dessas que a vida apresenta para a gente de tempos em tempos, com raios que ferem a alma, com trovões que abalam nossos silêncios interiores, com chuvas que remexem nossas seguranças, corri diariamente para o abrigo materno.

Ligava duas, três vezes por dia só para ter o conforto daqueles mantras tão bons, tão bons que só a mãe da gente é capaz de entoar: “Vai passar, filho. O tempo cura tudo. Vai ser para melhor. Pode contar comigo para o que precisar”.

O caminho de volta do aconchego parece ser tão mais longo. Acomodadas minhas lamúrias, por que a frequência das ligações cessou? “Filhos, melhor não tê-los?”

Minha colega colunista aqui da Folha, a genial e sensível antropóloga Mirian Goldenberg, me fez um convite e um apelo para esta Semana Nacional do Idoso, ou do velho, como preferimos usar com mais naturalidade.

“Jairo, vamos fazer um chamamento, uma campanha, dar um grito para que todos escutem os seus velhos. Eles precisam disso, eles precisam ser ouvidos, de preferência todos os dias.”

Não sou adepto dos bordões que culpabilizam a gente com a ideia de que abandonamos quem sempre fez por nós. Não acho que isso ajude a mudar comportamentos, mas sou favorável ao exercício de aperfeiçoar a empatia e o olhar sobre as diferenças.

O roxo dos olhos sempre desaparece. Os matizes de uma velhice sem eco para suas tormentas internas podem se perpetuar até que reconheçamos que dá para agir e atenuá-las de forma simples: escutando nossos velhos.

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Entender as deficiências é também encarar suas contradições bem humanas https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2021/09/14/entender-as-deficiencias-e-tambem-encarar-suas-contradicoes-bem-humanas/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2021/09/14/entender-as-deficiencias-e-tambem-encarar-suas-contradicoes-bem-humanas/#respond Tue, 14 Sep 2021 21:07:56 +0000 https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/files/2014/03/down2-150x150.jpg https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=4095 Há uma questão inerente ao debate de afirmação das pessoas com deficiência, que encerra em si algumas contradições: alguém pode defender que uma condição física, sensorial ou intelectual seja adotada voluntariamente? Alguém pode ficar exposto ao acometimento de uma perda que afetará o funcionamento do próprio corpo, da mente ou das habilidades por displicência ou por vontade própria?

Para exemplificar, é como pensar em cortar a própria perna para dizer que tudo bem usar uma prótese, deixar-se exposto a elementos que te levem à surdez porque se defende a causa de quem não escuta ou ainda não se vacinar contra alguma moléstia debilitante porque você nem liga para o que vier a acontecer e assume suas atitudes.

Pensar em botar-se numa situação incontrolável, cujas consequências podem ser bem mais graves que a imaginada, remete a um absurdo completo e pode expor o vivente à dor, à loucura total e até à morte.

Conhecer os efeitos de uma deficiência credencia tanto para a defesa de um modo de ser, de interagir e de estar vivo como também para a ciência de que ninguém precisa passar pela mesma experiência para entendê-la, respeitá-la e defender outras formas de estar no mundo.

Mas, caminhando um pouco mais profundamente nesse debate, há ainda desafios de entendimento em torno do pensamento daqueles que optam, por exemplo, pela não adesão à tecnologia porque ela confrontaria a aceitação de um modo de ser e de se sentir feliz do jeito que se é.

Mais brasa? Imaginemos uma pessoa que carrega em si uma herança genética de uma síndrome rara e decide ter um filho de maneira natural, sem manipulação genética, porque, para ela, repassar sua essência, em todos os sentidos, é um direito e representa uma forma totalmente plena de dizer que abraça a multiplicidade humana.

Por outro ângulo, suponhamos que alguém sem nenhum indício de alteração em seus genes tome conhecimento que está gerando um embrião que guarda uma diferença marcante qualquer e opte, defenda e festeje a vinda do bebê com todas suas características peculiares.

A força da identidade da pessoa com deficiência emana da justa forma de compreender que há dilemas que podem provocar reflexões sobre essa condição, diferentemente de outras manifestações da diversidade como raça e gênero, que se afirmam em si mesmas.

Uma pessoa com autismo ou uma pessoa com síndrome de Down age, se manifesta e é do jeito que é, e a sociedade precisa urgentemente enfrentar o tal viés inconsciente de querer que esses grupos ajam como se não tivessem características que os fazem ser, agir, pensar e ver o mundo de maneira fora do senso comum, e está tudo bem!

Eu não preciso ser como um “andante”, posso me considerar muito bem em minha forma cadeirante, mas não preciso achar que essa condição deva ser experimentada pelos outros, que os outros “sintam na pele” a minha maneira de atuar, de ser cidadão e ser feliz.

Em setembro, celebra-se uma série de datas que visam dar mais visibilidade a demandas de surdos, cegos, tetraplégicos, paralisados cerebrais e outras centenas de títulos que nomeiam diferenças da carcaça, da cachola e das sensações. Ganhamos todos ao aprofundar debates que ajudem a incluir mais o outro e suas tão humanas contradições.

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Paralimpíadas terminam com show de nosso futebol de cinco estrelas https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2021/09/05/paralimpiadas-terminam-com-show-de-nosso-futebol-de-cinco-estrelas/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2021/09/05/paralimpiadas-terminam-com-show-de-nosso-futebol-de-cinco-estrelas/#respond Sun, 05 Sep 2021 22:00:59 +0000 https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/fute5-320x213.jpg https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=4089 As manobras no skate de Rayssa Leal, a fadinha, foram fantásticas. O salto campeão de Rebeca Andrade, na ginástica artística, foi emocionante, comovente. Agora, o golaço do Nonato, na vitória do Brasil contra a Argentina, na final paralímpica do futebol de 5 –disputado por atletas cegos–, é memória que os amantes do esporte e entusiastas de um Brasil melhor precisam guardar para sempre.

O golaço do Nonato, insisto em meus exageros, teria de passar no intervalo das novelas, teria de ter destaques nos maiores sites das “internetes” do país por vários dias, deveria ser mostrado nas faculdades de educação física e nas escolas como demostração de “honra ao mérito” e de aprendizado para a vida.

Vencemos nosso arquirrival e nos tornamos pentacampeões paralímpicos de maneira arrebatadora. Ganhamos todas as edições desde que a modalidade passou a fazer parte dos Jogos, temos um elenco de jogadores com talentos tão contundentes que a medalha de ouro tem se tornado óbvia.

É impossível não esbarrar nos clichês e até numa maneira meio enfadonha de tratar as pessoas com deficiência, mas, neste caso, ver nosso time brasileiro de cegos jogar é um espanto para nossa extrema dependência da visão.

Os dribles inacreditáveis realizados pelos nossos alas ofensivos Ricardinho e Jefinho e a agilidade defensiva de Jardiel e Cássio hipnotizam nossos olhos ao mesmo tempo que nos coloca a inevitável interrogação: “Como é possível fazer isso sem enxergar nada?”.

De fato, o poder da audição, que guia os passos e os passes ao sentir se aproximar o som dos guizos que se agitam no coração da bola, é invejável, quase um “superpoder” para quem costuma usar os ouvidos apenas para juntar cera, mas só isso não explicaria nem de longe a magia de nosso melhor futebol do mundo.

Nos campos do futebol de 5, roga-se à torcida para manter silêncio, mas quem aguenta ficar calado diante de uma pancada nos nossos craques, um quase gol, uma dividida de bola mais intensa, uma bomba na trave? Em Tóquio, sem torcida, choveu. Barulho de chuva embaralha a concentração. Mesmo assim, Nonato fez um golaço, fomos penta, somos os melhores.

Mas todo o mérito de nosso time não passa nem de perto por serem bons escutadores. Eles são peritos em prever movimentos, em sentir o calor dos adversários em posição de ataque ou de defesa. Eles conhecem a força e o sentido do vento que empurra a bola ao ângulo, para lateral, para o centro do campo, para o gol.

Para os não iniciados, o goleiro, no futebol de 5, enxerga perfeitamente. É profissionalismo, treino, habilidade, técnica, amor ao futebol, mesmo, do que se trata. É dedicação ao esporte, vontade de levar a tradição nacional de “bons de bola”, os melhores do planeta, à frente.

Encerro minha participação na jornada das Paralimpíadas da mesma forma como iniciei, com uma celebração às diferenças humanas, com um a emoção de festejar o “serumano” em suas maneiras diversas de se manifestar e de brilhar. O convite para a reflexão sobre um olhar mais atento, justo e honesto para a multiplicidade de estar vivo e ser campeão –ou ser comum– é permanente.

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Brasil brilha de novo nas Paralimpíadas, que deixam legado para a diversidade https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2021/09/04/brasil-brilha-de-novo-nas-paralimpiadas-que-deixam-legado-para-a-diversidade/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2021/09/04/brasil-brilha-de-novo-nas-paralimpiadas-que-deixam-legado-para-a-diversidade/#respond Sat, 04 Sep 2021 15:00:56 +0000 https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/carol-320x213.jpg https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=4082 O desempenho do time paralímpico brasileiro em Tóquio merece ser reconhecido e elevado a excepcional. Em meio ao trágico cenário pandêmico, que afetou em cheio o preparo de atletas do mundo todo, mas, particularmente do Brasil, onde a situação se alongou de maneira apavorante, trazer para casa tantas premiações, tantos recordes e tantos novos nomes em evidência é uma marca digna de muito confete, novos investimentos e afagos.

Se de um lado o maior atleta nacional em Jogos Paralímpicos, Daniel Dias, foi prejudicado por questões técnicas e despediu-se das piscinas sem medalhas de ouro nesta edição, por outro, a natação mostrou um poderio de renovação contundente, com Carol Santiago sendo laureada por cinco vezes, três como campeã, puxando a fila.

Se a bocha não conseguiu manter o padrão de trazer premiações de primeiro lugar, o inédito feito do goalball masculino, do halterofilismo, da canoagem e as impressionantes marcas no atletismo não deixaram o brilho brasileiro recuar.

Inerente à natureza da pessoa com deficiência, as compensações de forças e capacidades afetadas pelo comprometimento físico, sensorial ou intelectual parecem, coincidentemente, apareceram no conjunto dos feitos do grupo paralímpico brasileiro.

Desde o resultado obtido nas Paralimpíadas do Rio, em 2016, quando a delegação nacional ficou em 8º lugar no quadro de medalhas, ficou evidente que seria necessário apostar, para o ciclo Japão, em talentos que pudessem dar energia adicional ao grupo.

Manter-se na elite de superpotências paralímpicas requer, além de reconhecer e valorizar os feitos de quem construiu essa imagem, ter visão de progresso, de como se sustentar no topo e criar caminhos para avançar.

É preciso ter clareza, por sinal, de que colocar o Brasil em posições ainda melhores no ranking paralímpico é desafio que requer planejamento de décadas, recursos bem aplicados e contínua valorização do paradesporto.

Embora nossos resultados sejam muito bons, o salto para o top quatro, por exemplo, implicaria incremento substancial de premiações.

Fomos muito bem, mas China, Inglaterra, Estados Unidos, Rússia e Ucrânia mantiveram seu poderio na competição e também avançam na mentalidade de que os Jogos Paralímpicos são tão representativos e importantes quanto os Olímpicos e querem continuar ganhando.

Mas, das lições de equilíbrio deixadas por essas Paralimpíadas, nenhuma é maior do que o encontro entre o reconhecimento midiático e de parte da sociedade do valor esportivo dos atletas em harmonia com as histórias pessoais e demandas impostas pela deficiência dos competidores.

Acompanho os Jogos mais atentamente há quatro edições como espectador, como jornalista, como pessoa com deficiência, e, neste momento, como colunista. Minha identificação nunca foi tão grande do momento da abertura, que mesclou uma mensagem de potencialidades humanas com a importância do espírito de colaboração entre os viventes, até as manifestações dos campeões com pedidos de combate ao preconceito.

Tóquio deixa uma indelével marca inclusiva em tempos de abraçar o valor da diversidade. Acho meio brega e clichê a repetida fala de encerramento do evento, mas, neste ano, eu mesmo digo: “Foram os maiores Jogos Paralímpicos de todos os tempos.”

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Paralimpíadas mostram um Brasil ideal que só do Japão se vê https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2021/09/01/paralimpiadas-mostra-um-brasil-ideal-que-so-do-japao-se-ve/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2021/09/01/paralimpiadas-mostra-um-brasil-ideal-que-so-do-japao-se-ve/#respond Wed, 01 Sep 2021 15:00:38 +0000 https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/jardenia-320x213.jpg https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=4073 Lá do Japão, vimos uma mulher cadeirante de 56 anos quebrar recordes mundiais e ganhar mais uma medalha de ouro paralímpica para o Brasil. Lá do Japão, descobrimos que uma menina pequena, de 23 anos, foi laureada de forma inédita no halterofilismo depois de levantar 137 kg.

Dá para ir além. Lá do Japão, nós nos emocionamos ao ver um rapaz nordestino, também campeão no evento de Tóquio, reproduzir no ar, com sua única mão, a metade do gesto de um coração.

Deu para ver também, um jovem cego, em sua estreia em Paralimpíadas, atravessar uma piscina em velocidade tão alucinante que não teve para ninguém: venceu e nos encheu de orgulho.

Por fim, que dizer de uma garota, também com deficiência visual, que, ao ganhar ouro inédito no judô, na terra do judô, homenageou a própria namorada em seu breve discurso de agradecimento?

Interessante notar que as cenas vindas do oriente mostram plena harmonia das chamadas interseccionalidade, que é quando uma condição social se sobrepõe ou convive com outra ou outras.

Temos, nos Jogos Paralímpicos, “heróis” com deficiência, que também são negros, que podem ser mais velhos, que podem viver em periferias, que podem ter nascido longe do eixo Rio-São Paulo e que podem pertencer ao universo LGBTQIA+.

O problema, porém, é que quando tiramos os óculos nipônicos, voltamos à terra da exclusão e turva-se a límpida visão sobre as possibilidades de vida da pessoa com deficiência e com todas suas demais características. Tudo passa a ser muito complicado, complexo, quase impossível.

Em solo brasileiro, um cadeirante ainda é tido como alguém “preso em uma cadeira de rodas”, aquele cara que quer conseguir trabalho por meio de cota, que toma muito espaço em ônibus acessíveis, quando esses existem.

Por aqui, atravessamos o cego na esquina sem antes perguntar se ele gostaria mesmo de ir para o outro lado da rua. Por aqui, pessoas com nanismo são alvo de chacotas e preconceitos explícitos em todos os lugares, nas mais diferentes situações.

Se falamos de uma pessoa acima dos 50 anos, a mentalidade é que ela já tem pouca lenha para queimar e, se guardar alguma diferença física ou sensorial, é o fim de linha total, sem chances.

Também na pátria mãe gentil, as questões da sexualidade do povo “malacabado” são praticamente inexistentes, um tabu, um pecado pensar que essa gente ainda quer manifestar seus desejos, suas identidades de gênero.

Atletas paralímpicos, todos com alguma deficiência, são responsáveis por guardar em uma mala da história brasileira a marca de cem premiações de ouro ao longo dos Jogos. São responsáveis por elevar o Brasil à categoria de superpotência paradesportiva. São responsáveis por cenas que nos emocionam, nos fazem refletir, nos fazem ter orgulho. Tudo de lá do Japão.

Só falta, agora, transformar a distância de cerca de 17.000 km que separa os feitos realizados na terra do sol nascente das cenas de exclusão e capacitismo –o preconceito contra a pessoa com deficiência–, que persistem por aqui, em um grande momento de virada de chave, de reconhecimento legítimo do valor das diferenças, quaisquer diferenças.

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