Jairo Marques https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br Assim como você Tue, 07 Dec 2021 19:25:10 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Aproveitando vácuo de representação, governo Bolsonaro chama ‘caminhada’ pelos que não andam, não ouvem… https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2019/09/18/as-passeatas-de-quem-nao-anda-como-o-governo-bolsonaro-esta-dominando-a-pauta-da-pessoa-com-deficiencia/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2019/09/18/as-passeatas-de-quem-nao-anda-como-o-governo-bolsonaro-esta-dominando-a-pauta-da-pessoa-com-deficiencia/#respond Wed, 18 Sep 2019 05:30:26 +0000 https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/files/2019/09/supera2-1-320x213.jpg https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=3704 Um pouco por falta de fôlego, outro pouco por desmobilização e desengajamento social e um tanto por apropriação indevida e constrangedora de partidos políticos e associações oportunistas, as grandes cidades brasileiras deixaram de fazer um tradicional ato de protesto nesta época do ano, a Passeata do Movimento Superação, em que se celebrava o dia nacional de luta do povo “malacabado”.

Neste ano, o próprio governo Bolsonaro, por meio da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, debaixo das asas da ministra Damares, tratou de se enfronhar na questão e chamar uma “caminhada nacional” do povo avariado das partes, dos sentidos e da cachola, com o palco principal saindo de São Paulo e caindo no colo da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, em Brasília, no próximo sábado (21).

Desenho estilizado de um cadeirante vestido como se fosse para uma batalha
Símbolo da passeata de 2015 do Movimento Superação, em SP Foto: Divulgação

É uma perda gigantesca de representação, que desembarca do controle de um povo determinado, com dificuldades as mais variadas para sair de casa em suas cadeiras de rodas, muletas, andadores e demais apetrechos de acessibilidade, mas que saía, para dar protagonismo a quem não precisa de holofote. Não bastou aquele vestido amarelão no 7 de Setembro?

Não desdenho de ter o apoio confuso do governo nas causas que envolvem a pessoa com deficiência —confinadas, até agora, na multiplicação de intérpretes de Libras nas cerimônias oficiais, na adoção de alguma medicação para doenças raras e na óbvia concessão vitalícia de um benefício às crianças microcéfalas vítimas da zika—, mas querer unificar esse grupo social como adesista e vigorosamente assistido pelo Poder Executivo é uma temeridade.

Passeata do Movimento Superação no Rio, em 2008 Foto: Divulgação

Afinal, qual o posicionamento de Bolsonaro sobre a reserva de vagas no mercado de trabalho para a pessoa com deficiência? Que apito ele toca em relação à representação dessas pessoas em seu governo? Não vi ninguém prejudicado das partes no primeiro escalão e gatos pingados no segundo.

O governo apoia a educação inclusiva e vai fomentá-la? Isenção de impostos para igualar oportunidade é privilégio ou cidadania? O que se vê até agora é um atravessado de opiniões com pouquíssimas visões ligadas a demandas contemporâneas, modernas e libertadoras.

O que sempre está claro na fala do presidente é: “Não governo para as minorias”. Até onde sei, o povo que não anda, não vê, não escuta, baba pelo canto da boca, tem as mais diversas condições de viver com atípicas maneiras de ser e pensar forma uma minoria que, por lógica, está de braço dado com os coirmãos LGBTs, negros, índios, malpassados etc.

Uma das primeiras manifestações do Superação na av, Paulista, em SP Foto: Divulgação

As passeatas, quando legitimamente representativas, servem de grito social de alerta de que pessoas estão sendo apartadas de direitos, de acesso, de vez na fila, de vaga no trabalho, de lugar no mundo. São apelo aos quatro ventos para ser respeitado e acolhido diante sua condição, qualquer condição.

O Superação levava à avenida Paulista, à orla de Copacabana e as outras várias capitais um montão de gente —dentro de nossas peculiaridades, juntar 30 é quase uma multidão— torta disposta a ser protagonista de si mesma, com alguma consideração dos demais vários atores sociais.

Quando nos colocam cabresto, o que se sobrepõe é uma amostração de imperfeições com amplo poder de causar comoção e se jogar moedas, de fomentar o assistencialismo puro que tem braço dado com o imobilismo.

As pessoas com deficiência clamam por ter voz própria, pode ser fanha, gaga, cheia de sotaque, mas legitimamente própria.

]]>
0
2017: o ano da diversidade https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2016/12/28/2017-o-ano-da-diversidade/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2016/12/28/2017-o-ano-da-diversidade/#comments Wed, 28 Dec 2016 10:12:26 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=2726 Empresas modernas do mundo todo, conectadas com o anseio de novas gerações e com o barulho estridente das antecessoras e das redes sociais, começaram um forte movimento de aplicar em seus valores internos e em suas atitudes de mercado o poder que múltiplas representações humanas têm no ambiente produtivo e na capacidade de construir inovações, tendências.

A publicidade deve ser a vitrine mais evidente deste movimento que gestou em 2016 para nascer a plenos pulmões, causando, em 2017. Saem as gostosas e perfeitas, os sarados e de cabelo impecavelmente arrumado para dar lugar a gente que de fato está nos bares, nas lojas de roupas, nas filas ou por trás do universo cibernético dos bancos.

Mais do que uma ação puramente mercadológica para arrecadar mais fortunas, marcas estão investindo em mudança de mentalidade. Gestores hostis a pessoas que não exibem padrões físicos, sensoriais ou de gênero vão ter de ceder a vaga justamente para aqueles abertos a qualquer tipo de amor. Porque qualquer maneira de amor vale a pena, já dizia Bituca, desde os anos 1970.

Cena de novo anúncio de marca de cerveja, em versão inclusiva
Cena de novo anúncio de marca de cerveja, em versão inclusiva

No Brasil, é fácil detectar essas manifestações. É o enorme agente financeiro que colocou duas velhas para sorrir deliberadamente em seus anúncios, é a gigante de cosméticos que colocou uma transexual para usar seus aromas e mandar na turma toda, a cervejaria que botou um cadeirante num bar divertindo-se, a poderosa do varejo que pareou mulheres e homens em cargo de gerência e alavancou a contratação de negros e de pessoas com deficiência.

Importante destacar que não se trata mais de ações sociais bondosas ou de medidas para cumprir leis e evitar o apetite do Ministério Público por justiça –as companhias que agirem assim estarão fadadas ao ostracismo–, mas, sim, de abertura de um tempo em que a pluralidade é chave para a elevação de conceitos relativos ao caráter, à representação da coletividade, à credibilidade para apontar ao outro um caminho a trilhar.

É factível que quanto mais relevante for essa manifestação do mercado, outros setores se sintam enfadonhos e emburrecidos em agir sem novidades e passem também a atuar em busca de ambientes que contemplem o multicolorido, o emaranhado de gêneros, o universo das incompletudes do corpo.

Nesse contexto, para o “serumano” comum, vale a observação atenta de seu cotidiano: algo de muito errado pode rondar seu ambiente de trabalho, sua predileção artística, sua escola, seu clube de lazer ou sua família se neles só houver quem toque a mesma música, só quem dance da mesma maneira e só quem faça tudo sempre igual.

A harmonia da orquestra vem de vários instrumentos e da costura de diversas notas. A genialidade vive seus momentos de incompreensão e de isolamento. A grandiosidade de um ato vem de suas dores passadas, de seus sabores experimentados ao longo da trajetória.

Para que o ano da diversidade se configure e se imponha, é preciso um pouco mais que o desejo de ele se realizar e de jogadas de estrategistas mundiais a seu favor, é preciso que se desligue o comodismo, que se enfrente com flores a intolerância e que se abra a janela do aprendizado e da oportunidade de abraçar o que é diferente.

]]>
13
“Prendam aquele miserável sem dedo” https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2016/03/23/prendam-aquele-miseravel-sem-dedo/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2016/03/23/prendam-aquele-miseravel-sem-dedo/#comments Wed, 23 Mar 2016 05:00:40 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=2521 Nada como o conflito, a raiva e os embates mais calorosos para tirar das sombras pensamentos que explicitam o quanto uma diferença física ou sensorial tem poder de incomodar parte das pessoas. Quando os argumentos falham ou não são suficientes para satisfazer a revolta a contento, são os incontestáveis “defeitos de fábrica” os alvos de insultos.

Que o ex-presidente Lula gere razões suficientes para deixar o povo igual a um marimbondão preto, como diria minha tia Filinha, é passível de ser entendido, mas explorar o fato de ele não ter um dedo na mão para desmoralizar seu caráter, para mim, é o mesmo que gritar que um cidadão negro é macaco, que um gay é promíscuo ou que a garota que usa shortinho é vagabunda.

Já escutei de tudo dessa história da falta do mindinho do ex-presidente. Certa vez, o relato foi que ele mesmo “mandou decepar” parte de si para poder aposentar-se por invalidez e viver à custa do erário. Nesta ideia está implícita a mentalidade de que pessoas com amputações são inválidas, incapazes de trabalhar, de defender o pão com auxílio de próteses, muletas ou até pedaços de pau simulando pernas ou braços.

As piadas em torno do defeito físico de Lula são antigas, mas retornam agora, em momentos de tensão política, repaginadas em memes de internet, em postagens nas redes sociais e em compartilhamentos de grupos de aplicativos. Devo ter recebido umas dez vezes uma imagem do líder petista, com a mão no rosto, um esboço de sorriso e a frase: “Prendam este miserável sem dedo”.

Até certo ponto, pode-se considerar natural ser visto socialmente por suas características, embora possa haver algum dorzinha íntima por esses retratos: o careca da padaria, o gordinho da malhação, a moça manca do balé, o taxista de olhos esbugalhados, o jornalista “mal-acabado”.

O problema é quando se avança de uma simples referência para localizar um indivíduo, de uma maneira piadista de ver o outro, para uma manifestação de ódio por aquilo que o diferencia da maioria das pessoas. Sejam quais forem as canalhices supostamente cometidas pelo vacilante novo ministro da Casa Civil, explorar de maneira pejorativa sua deficiência –em algum nível a condição é um fato –é praticar preconceito, travestido de pilhéria inocente.

Ter nove dedos não influencia de maneira determinante a personalidade de ninguém, assim como usar uma cadeira de rodas, ser surdo ou babar pelo canto da boca. Ser bandido, ser carola, ser justiceiro ou ser probo são aspectos do “serumano” construídos com elementos de vida diversos e que independem de condições corporais ou dos sentidos.

Uma vez que se tolera o xingamento e o ódio a Lula aliados a um mindinho ausente, de alguma maneira, respinga-se a agressividade a todos os cidadãos explicitamente honestos, trabalhadores e batalhadores que perderam partes do esqueleto para acidentes, doenças ou fatalidades.

Como todo brasileiro, torço para que seja trilhado o caminho da Justiça e para que o país seja palco futuro de dias verdes, amarelos e vermelhos de confetes jogados sobre glórias e conquistas, não de embates enfadonhos e agressivos. Mas, até lá, que sejam pelo menos guardadas as foices e bicos afiados que dilaceram honras e hombridades.

]]>
59
Muito além do ‘quarto de Jack’ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2016/03/09/muito-alem-do-quarto-de-jack/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2016/03/09/muito-alem-do-quarto-de-jack/#comments Wed, 09 Mar 2016 05:00:27 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=2518 Morri um pouquinho assistindo ao premiado “O Quarto de Jack”, ainda nos cinemas. A angústia de acompanhar mãe e filho trancafiados em um cubículo e ali construírem limitados conceitos de mundo e de possibilidades de vida me remeteu imediatamente ao pensamento de que milhares de pessoas com deficiência no Brasil também têm paredes estreitas como linhas divisórias entre o sonho de serem incluídas e a realidade disponível para serem gente um pouquinho.

Quando se projeta que o país conta com 45 milhões de pessoas prejudicadas física, intelectual e sensorialmente, um certo espanto e expressões de “que exagero” costumam surgir. “Mas onde está esse povo todo?” Aprisionado sem pena em seus lares, em alas de hospitais ou instituições, muitas vezes depositado em macas à espera de dias mais coloridos e bem vividos.

Para um bocado de gente quebrada das partes, sair do “quarto de Jack” passa por algo além de enganar o opressor que mantém a vítima em cárcere ou de contar com a ajuda da polícia. Passa pela construção de um mundo que acomode as diferenças de maneira minimamente confortável, com acolhimento da rua, com olhares mais generosos, com acessos facilitados e com algum esforço coletivo para atender demandas fora do padrão –para dizer o básico.

Atualmente, os rebelados que resolvem ultrapassar as fronteiras espessas da exclusão para tentar encher os pulmões de ar, em cadeiras de roda motorizadas, com a assistência de respiradores artificiais, com o auxílio de cachorros sabidos, precisam contar com doses cavalares de paciência para resistir à humilhação de que, fora de seus quadrados, há pouca chance de tolerância e apoio.

Só para dar um exemplo, quando o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), é irredutível na negociação do fornecimento de transporte escolar específico para crianças “mal-acabadinhas”, ele está inadvertidamente tapando uma das poucas claraboias que guiam a esperança de famílias cercadas pelas desgraceiras humanas: as que iluminam futuros de menos limitações para seus filhos por meio do conhecimento, por meio do acesso potencialmente libertador à escola.

Decerto é mais brando o pavor de imaginar o aprisionamento de um cadeirante em casa, devido à ineficiência social de criar mecanismos de inclusão, quando comparado com o encarceramento do pequeno Jack e sua mãe, da ficção, que são mantidos no quarto à força. Mas as consequências emocionais para o futuro das vítimas se equivalem em muitos aspectos.

A privação do lazer maltrata a leveza da alma; a falta de oportunidades de trabalho prejudica a autoestima e empobrece, diminuindo ainda mais o tamanho do quarto; a ausência de amigos, de inimigos e de alvoroços ao redor aquieta planos; a não possibilidade de experimentar prazeres e azedumes das estações do ano deixa tudo pálido e impede o germinar de pensamentos por dias melhores.

Agarre firme na mão de “nossa senhora da bicicletinha” e vá ver “O Quarto de Jack”, depois faça um esforço para ir além. Faça uma fé em ações que libertem pessoas mais próximas do que as que estão nas telas. Todo esforço para incluir mais e ampliar horizontes está valendo.

]]>
9
Fragilidades de um pai fresco https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2016/01/27/fragilidades-de-um-pai-fresco/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2016/01/27/fragilidades-de-um-pai-fresco/#comments Wed, 27 Jan 2016 04:00:44 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=2490 -Amor, corre aqui, “pelamor” de Deus- gritou amarrando lágrimas a mulher.

Quando se pede a um cidadão cadeirante que está desmanchado em um confortável sofá que corra é porque a situação é de calamidade pública. Quando esse pedido vem de sua mulher, que conhece suas lerdezas como ninguém, é porque começou uma hecatombe.

Ajeitei-me na velocidade mais rápida possível e cheguei tenso e esbaforido à porta do quarto. Sabia que aquele chamamento não era para ver borboletas azuis.

-Elis deu uns tremeliques! A febre já tá passando dos 38ºC. O que vamos fazer?

Nessa estonteante aventura de criar menino, nada enverga tanto as seguranças e convicções do que ver seu bebezinho nos flagelos implacáveis de bactérias, vírus, dores e dissabores.

Por natureza, reluto ante o limite do desespero materno e a minha parca experiência de entender organismos efervescentes de bebês, antes de me entregar ao calafriento caminho do pronto-socorro infantil, terra onde o coração da gente passa pela dura provação de ver macas enfeitadas com os mesmos bichinhos dos momentos felizes.

E, quando se ajeitam as emoções com o mantra “vai passar logo, meu bem”, entre uma golfada e outra, com um amarelão que toma conta daquele rostinho corado, o bebê, na franca carência que lhe abate diante do mal-estar, estende os braços a você e manda ver num afago como se pedisse: “Arranque logo isso de mim, papai?”.

Nenhum político mentiroso, extremista de redes sociais ou chefe com cara de boi que arromba a cerca me fez sentir com tanto vigor as fragilidades desta minha vida “mal-acabada” e me apontou com tanta energia minhas limitações físicas quanto as intermináveis surpresas do crescer de uma menina de oito meses.

Descobri com Elis que sou quase incapaz de juntar forças suficientes para entreabrir suas bochechas para fazer biquinho e lá dentro jogar o diabo engarrafado em forma de remédio. Assustador que, com o século 21 bombando, a indústria farmacêutica não tenha criado uma solução menos dramática para pais e filhos pequenos se reencontrarem com os dias de cócegas e risadas.

-Caso ela não tome direito, teremos de botar pela veia- diz a médica, num incentivo draconiano para que eu e mamãe, a contragosto, nos tornemos “exemplos de superação” na criação de nossa pequena e enfrentemos a operação de enfiar goela abaixo o elixir que, se não matar pela combinação química, há de matar pelo azedume.

Nunca senti tanta imobilidade como quando o termômetro insistia em dar aqueles apitos seguidos indicando que a febre não tinha cedido e que seria necessário fingir que o sagrado aviãozinho que costuma carregar a saborosa papinha da vovó faria uma viagem extra levando um xarope de gosto duvidoso.

Pelo conselho dos amigos, essa dor terrível de ver minha melhor parte em sofrimento deve passar quando ela tiver… uns 30 anos e eu, já na casa dos 70, talvez tenha mais sabedoria, equilíbrio e coração menos açucarado para ser aquele pai firme que não chora a cada suspirar descompassado de seu eterno neném.

]]>
15
Multa mais cara adianta? https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2016/01/13/multa-mais-cara-adianta/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2016/01/13/multa-mais-cara-adianta/#comments Wed, 13 Jan 2016 04:00:56 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=2469 Desde a semana passada, quem enfiar a charanga sem necessidade e direito em vagas de estacionamento reservadas ao povo quebrado das partes ou idoso está sujeito a tomar multa com valor aproximado de meia leitoa: R$ 127,69.

O custo mais do que dobrou em relação ao antigo, infração de categoria leve; mesmo assim, permanece uma pechincha comparado às 1.000 libras —quase 6.000 dilmas—, aplicadas em Londres ou aos 450 dólares canadenses (cerca de R$ 1.300), praticados em Toronto, que estuda elevar mais a soma neste ano.

Não me surpreendeu, porém, que, durante um passeio de final de semana com a “famiage” no shopping, rodei mais do que bolsinha na rua Augusta para encontrar um lugar que me coubesse para estacionar.

Tenho duas possibilidades para aquela situação: ou aconteceu uma rebelião no Hospital das Clínicas e todos os cadeirantes saíram de lá de uma vez para passear no mesmo centro de compras que eu, ou ninguém ligou de imediato para o incremento da medida.

Mais do que punir com cento e poucos contos no bolso os infratores, é preciso que eles saibam e entendam “difinitivamente”, como diria minha tia Filinha, que serão fiscalizados em qualquer lugar, terão um enrosco burocrático imenso porque os carros poderão ser guinchados e que a vaga reservada ocupada irregularmente afeta de maneira desconcertante a vida de
outras pessoas.

Por enquanto, é tudo um faz de conta. Em repartições privadas, sobretudo, reina o quem chega primeiro à vaga. Morre-se de medo de desagradar a um cliente e nada se faz contra quem atropela um
direito alheio.

Embora deixar um papelinho no para-brisa do carro dizendo “a casa caiu, você foi multado por prejudicar o ir e vir de uma pessoa” possa ter algum efeito na diminuição dos perrengues, é com pressão de fiscalização que a moda do respeito há de pegar.

Na Alemanha e nos Estados Unidos, as multas pelo uso irregular das vagas não chegam a provocar síncope em corações mais fracos, mas a rapidez com que é feita a remoção do veículo e a facilidade de fazer uma denúncia que gere o rebocamento desestimulam correr o risco.

Sou desses que adoram fumar o cachimbo da paz em prol de soluções mais cidadãs para os entraves sociais, mas as pessoas com deficiência no Brasil já queimaram muito o estômago de chateação diante da tosca justificativa “é só por um minutinho” que se usa como argumento para a parada indevida.

A médio e longo prazo, apostar forte na educação de crianças e jovens para um trânsito com cidadania também tem potencial e pode surtir efeito.

O que não dá é deixar que improvisações como a chamada multa moral —papelinho que brinca de multar e alerta sobre a situação irregular de estacionamento— ou vídeos engraçados na internet façam a vez de ações de Estado.

Talvez futuras gerações consigam assimilar de maneira mais decisiva, sem a necessidade de intragáveis punições financeiras, que medidas de promoção de igualdade —como é o caso da demarcação de uma vaga de estacionamento bem localizada e maior— não são regalias, mas maneiras fundamentais de incluir.

]]>
22
‘Maulicio’, 80 https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2015/10/21/maulicio-80/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2015/10/21/maulicio-80/#comments Wed, 21 Oct 2015 04:00:05 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=2445 Só vi o seu Mauricio de pertinho uma vez e foi exatamente como tinha de ser, como aparecia em meus sonhos infantis. Ele me abanou um tchau e me soltou um sorrisão simpático, carismático.

Tomou fôlego e seguiu com seus cuidadosos passos de pessoa com 79 anos, distribuindo olhares de abraço e cativando gente pelo caminho. Um Papai Noel moderno, um superstar da imaginação de meninos e meninas.

Na próxima semana, ele passará a ser ainda mais emblemático: seu nanquim vai começar a “pintar o oito”. Ele entrará na galeria dos octogenários inspiradores desse mundo. Gente cuja contagem do tempo só avoluma o álbum de realizações marcantes, só amplia seu clube de admiradores.

Em minha escala de justeza, Mauricio de Sousa é a personalidade brasileira que mais fez pela inclusão, em todas as suas facetas. Tocou na questão de gênero, quando bater em mulher “era coisa da vida”; criou um personagem negro para sua turma, quando o negro mal tinha representação artística digna em sociedade. Ele proporcionou ainda uma evolução no universo das deficiências.

Para o seu “Maulicio”, como diria Cebolinha, em time que está ganhando se mexe, e muito. Mesmo com todo o sucesso consolidado de seu elenco animado, para dar espaço à diversidade –de verdade– ele foi abrindo quadrinhos para novidades humanas de grande impacto para a ampliação do espírito de integração da criança. Criou um personagem cadeirante (Luca), um “tchuberube” (o Louco, com deficiência intelectual), uma cega (Dorinha e seu cão-guia, Radar), um com autismo (André) e, mais recentemente, uma garotinha com síndrome de Down (Tati).

Além de dar cor às diversas diferenças físicas e sensoriais, Mauricio as juntou à turma convencional, estimulou o entendimento do modo de ser e de interagir de cada uma e incentivou o que é nato nas crianças em relação ao incomum: a curiosidade, a descoberta, o estranhamento e, por fim, a união carinhosa e a amizade incondicional.

Os gibis do seu “Maulicio” –ou as páginas de historinhas que podem ser lidas pelos tablets e computadores, os filminhos da TV– são alento e diversão para crianças internadas por longos períodos nos hospitais. Acompanhar, rir e brincar com as aventuras de Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali é transportar-se um pouco para fora das amarras do soro, é esquecer-se da dor da picada da injeção, é aliviar-se do aperto da distância dos amigos, do colégio e da família.

Que prazer deve ser entrar nos 80 anos sabendo que sua obra pode acalentar meninos que vivem em abrigos, pode fazer companhia para crianças que ficam em casa sozinhas, pode dar vento às pipas de imaginação da molecada encantada com o mundo da lua.

Hei de me esmerar para, daqui a uma década, no aniversário de 90 anos do gênio desenhista, minha Elis renda também sua homenagem a ele. Ficarei feliz tanto se ela pintar o rabo do nosso vira-latas de azul e começar a chamá-lo Bidu, quanto se ela me persuadir a deixá-la comer todo o saco de jujuba se dizendo meu “Anjinho”.

Tomara que minha filha beba muito no pote mágico da Turma da Mônica e se faça criativa, inquieta, humilde e astuta. Que ela tenha alma da brincadeira, a alma que encanta em Mauricio de Sousa. Um viva para o seu “Maulicio”!

]]>
6
O Rio de lágrimas https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2015/09/23/o-rio-de-lagrimas/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2015/09/23/o-rio-de-lagrimas/#comments Wed, 23 Sep 2015 05:00:40 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=2418 A menos de um ano da Paraolimpíada do Rio, a prefeitura da cidade anunciou que vai começar a fazer, a partir do mês que vem, algumas rampinhas para tentar ajudar a vida do povão quebrado das partes -milhares de pessoas, de diversos pontos do mundo- que tomará conta dos espaços públicos cariocas e zanzará em busca de esportividade, inclusão, lazer e diversão na terra do samba e da poesia.

Atitude assim, de última hora, baseada apenas em migalhas arquitetônicas, sem planejamento profundo de impacto e viabilidade, não vai despertar jamais o que tanto batalha quem busca por mais igualdade na sociedade: a cultura inclusiva, o todos juntos para tudo.

Ações em massa de acessibilidade no Rio tinham de ter começado há quatro anos, pelo menos, para que pudessem inspirar o comércio, os empresários e a população em geral a também promoverem em seus quintais o ir e vir sem barreiras físicas e de atitude.

As pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida não querem ir à cidade “maraviwonderful” para ver apenas o queixo do Cristo Redentor, para sentir o sabor do Pão de Açúcar ou para dar bom dia à estátua de Drummond em Copacabana.

Promover cultura inclusiva, uma das razões de existir uma competição paraolímpica, envolve qualquer um conseguir ir e ficar em casas da luz vermelha, ao trabalho, ao baile funk no morro ou tomar todas nos bares da Lapa (conseguindo, depois, usar as casinhas mictórias dos botecos).

Envolve também inspirar os cidadãos de uma cidade, de um país, a contemplarem as diferenças sem prejulgamento, a apostarem em maneiras distintas de atingir objetivos iguais e a darem oportunidades, sem preconceitos, para que haja convívio, integração e construção entre qualquer tipo de gente.

Recentemente, em São Paulo, um anão “go-go boy” dançando em uma polêmica festa virou chacota nacional. Toda a pilantragem maior e mais importante da situação, que era o uso de uma repartição policial para uma balada de policiais, tornou-se fato menor. O importante foi o “feito bizarro do anãozinho”.

Como irão ser recebidos nos shoppings da Gávea, nos pontos de brisa do Arpoador, no bondinho de Santa Teresa, as centenas de paradesportistas com nanismo que disputaram medalhas na natação, no halterofilismo e outros esportes?

O público irá vibrar ou rir à boca miúda de multimedalistas com deficiências severas que resultam em corpos com formas não convencionais? Irá apostar com fervor nos cegos corredores ou sentirá dó de seus esforços?

Quando se constata que a cidade mãe da bossa-nova ainda está apanhando para tentar evitar que as pessoas sejam saqueadas na praia, durante a prazerosa hora de bronzear as partes ao sol e serem todos “garotas de Ipanema”, ou matutando sobre como espremer menos o trabalhador em suas lotações, o que me vem à cabeça sobre o sonho de criar um oásis inclusivo neste Brasilzão é apenas aquele velho samba de Luiz Ayrão:

“Um lencinho não dá pra enxugar o Rio de lágrimas que eu tenho para chorar”.

]]>
1
A dura vida de um repórter cadeirante https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2015/08/12/a-dura-vida-de-um-reporter-cadeirante/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2015/08/12/a-dura-vida-de-um-reporter-cadeirante/#respond Wed, 12 Aug 2015 05:00:09 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=2380 Mesmo não andando uniformizado e tendo o corpo esculpido pela cevada, já tive de responder umas dez vezes que, não, não sou um esportista cadeirante perdido aqui pelas ruas de Toronto, no Canadá, onde faço a cobertura dos Jogos Parapan-Americanos.

Parece ser universal a associação entre ter uma deficiência e não poder desempenhar uma função que exigiria ser um astuto andante que pode sair correndo atrás de uma notícia, mesmo sendo ela uma manifestação múltipla, não dependendo apenas e necessariamente de um microfone colocado na boca de um cidadão esbanjando frases feitas.

Muitas vezes, os meus maiores perrengues em ser um repórter sobre rodas não estão relacionados à prática jornalística em si, mas a fatores outros que fogem a qualquer tipo de qualificação ou tarimba que eu tenha adquirido ao longo dos anos.

Logo na chegada ao hotel onde estou hospedado, uma surpresa “maraviwonderful”: não havia mais quartos acessíveis para pessoas com deficiência e não adiantava dizer que a reserva tinha sido feita especificamente para esse fim.

— Ah, mas temos uma suíte grande, confortável. Dê uma olhadinha.

Como você imagina um quebrado das partes tomando banho em uma banheira? Eu ficaria “em pé um pouquinho”, o que é impossível, transferiria o corpão para a tina e delícia?

Acabei acomodado em um quarto sem banheira, cujo espelho é tão alto que não vejo meu rosto há cinco dias, e onde eu mesmo criei uma adaptação para o banho: uma cadeira supostamente firme que fica posicionada mezzo box, mezzo fora, um luxo.

O que importa, porém, é conseguir fazer uma boa cobertura noticiosa. Banho bacana tomarei em casa. Na primeira entrevista coletiva de que participei, cheia de colegas brasileiros, quase fiquei tetraplégico com o alvoroço dos amigos fotógrafos e cinegrafistas ávidos por uma imagem do ex-corredor Joaquim Cruz, que, no Parapan, vai ser guia de uma atleta cega dos EUA.

Entendo a velocidade da informação, mas acho curioso que, em um evento onde os holofotes estão virados, em uma oportunidade rara, para o povo “mal-acabado”, não haja um tiquinho de sensibilidade com as necessidades da diversidade. Às vezes, chego a pensar que é tudo para inglês ver.

Nas arenas de competições, mais uma vez, percebo que, de fato, eu devo ser um bicho raro. A tribuna dos jornalistas convencionais tem de tudo para um bom desempenho da comunicação: luz, tomada, mesa. Para o jornalista cadeirante… “Señor, no pode stay here”, costumam dizer os intrépidos voluntários quando me veem chegando à área de imprensa. Em geral, mostrar a credencial tem resolvido. Até uma mesa, dia desses, conseguiram para mim.

Não há nenhum carro em que eu caiba na delegação brasileira de imprensa. “É tudo van, ‘cê sabe como é, né?” Tenho usado o transporte público e o oferecido pela organização canadense dos jogos. Quando o “motora” se lembra de fixar minha cadeira nos dispositivos de segurança, as viagens são até confortáveis.

Enquanto o olhar sobre a diversidade for baseado na perspectiva dos que querem apenas dar um jeito na demanda reprimida, e não incluir de fato, ser repórter cadeirante, ser fora da curva dos padrões físicos e sensoriais, em qualquer lugar do planeta, vai representar um problemão.

Depois disso, entro em férias! A coluna volta em setembro.

]]>
0
Nosso estranho amor https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2015/03/25/nosso-estranho-amor/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2015/03/25/nosso-estranho-amor/#comments Wed, 25 Mar 2015 05:00:41 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=2240 —Que maravilha você ter vindo acompanhar sua irmãzinha hoje. Vocês são superparecidos, sabia? E como ela é cuidadosa contigo! Dá para ver na cara dela o carinho que tem por você. Coisa mais linda, viu. Fico até emocionada…

Olho ao redor em busca de minha irmã, embora eu estivesse certo de que a cabeleireira falava, na realidade, de minha mulher, que se divertia, certamente, com alguma outra conversa de doido com a manicure em um canto do salão.

Em situações assim, é preciso insistir um pouco para convencer o interlocutor de que cadeirantes (também os cegos, os surdos, os downs) são uns danados capazes de, sem literalmente correr atrás, trazer amores para o colinho e romances para suas vidas.

—Nossa, é sua mulher? E está grávida, né? Benza Deus, que glória… Nunca vi um casal tão parecido assim de rosto. Você tem sorte, viu, meu filho? Uma mulher bonita dessas não é para qualquer um…

Em outras oportunidades, ela já foi dada como minha enfermeira, minha babá, minha ama de leite, minha assistente, minha auxiliar de pagamento de promessas, minha concubina e como amiga inseparável que até dorme na mesma cama que eu.

“Difinitivamente”, como diria minha tia Filinha, não posso me ofender nem querer arrancar os cabelos com a pinça diante dessas comuns situações de confusão social diante do desconhecido. A melhor maneira de resolver impressões equivocadas como essas é uma breve beijoca na boca e um sorriso divertido para o público ávido para saber que diabos aquela mulher faz com o pobre do aleijado.

Também contribui não entender as relações humanas como padrões de combinação de acordo com características físicas ou de comportamento. A graça de bons romances está em uma eterna descoberta e redescoberta do outro, em suas possibilidades de criar alegria para as chatices do dia a dia e no prazer de compartilhar o silêncio, a algazarra e o amanhã.

Mas há sentido nas interpretações equivocadas, apressadas. A nossa lógica de amar guarda peculiaridades desconcertantes. Para ser compreendida, é necessário edificar no pensamento escoadouros para velhas maneiras de embalar a paixão.

Em vez de eu abrir a porta da charanga, é ela quem me espera entrar no carro para depois ainda guardar a cadeira no porta-malas. Em vez de trocar a lâmpada, eu seguro a escada. Em vez de protegê-la da chuva, nós nos molhamos juntos. Em vez de carregar o peso das compras, procuro dar a ela a leveza de um sentimento de beija-flores.

Não nos escoramos em padrões de “papel do homem” e “papel da mulher”. Rabiscamos um novo enredo em que cabe a cada um a melhor maneira de proporcionar felicidade e construir um futuro de velhos fofos, parceiros e solidários um ao outro, da maneira que melhor nos for possível.

Nestes tempos de novas formações familiares, de conquistas de gêneros, de avanços na maneira de entender a diversidade, é fundamental para a cidadania germinar pensamentos que libertem a mentalidade de amarras construídas com ignorância, com preconceito e com afastamento de causa.

]]>
37