A potência dos afetos
Uma querida amiga sofreu um acidente doméstico grave e, como consequência, correu o risco de amputar um dos dedos da mão. Depois do atendimento de emergência, de cirurgias complexas, de dores e de horrores internos, ela se recupera, lentamente, bem.
Do trauma à ambientação em sua nova realidade, que passa por reabilitação motora e reaprendizado de movimentos, pelo reconhecimento de uma “nova mão” reconstruída, de uma nova estética, ela colocou como fundamental em seu desafio a presença real dos bons pensamentos, dos desejos de melhora emanados por toda a gente.
Ela escreveu assim, na postagem em uma rede social de uma fotografia de um belo vaso de flores que recebeu em casa de algum fraterno: “Carinho que cura”.
Passamos despercebidos, geralmente, pelo potencial curativo de um apoio, um afago, um beijo, um abraço, uma mensagem de fé para quem passa por turbulências do viver. Dar concretude à esperança dos outros por dias melhores tem impactos inimagináveis e reais.
Mais do que desejar “força” para quem tem desafios a enfrentar, podemos nos oferecer a compartilhar um pouco do peso de uma situação nos fazendo presentes em falas, gestos, atitudes sinceras e abrindo bem os olhos para enxergar os gritos silenciosos de quem passa por perrengues.
E isso não é necessariamente fácil. Para conseguir chegar ao efeito da sensação de “cura” do outro, temos de domar nossos famigerados leões internos e reclamões que urram diuturnamente atrás de satisfazer apenas a si mesmos, esquecendo que há outras centenas de bichos famintos na selva.
Um dia desses, minha filha biscoita fazia lamentos de uma saudade e ficou acabrunhada, largada no sofá da sala, remoendo seu sentimento, estirada ao sofrer. Em princípio, adotei o caminho mais fácil, o tamponamento simples, dizendo que aquilo passaria logo e voltei para a reflexão de minhas próprias lamúrias de ausências.
Minutos depois, provavelmente beliscado pelo anjo de guarda de minha menina, guardei meu calundu no bolso, peguei a pequena no colo, massageei seu coração e falamos sobre chegadas e partidas, sobre perdas e ganhos, sobre o lado bom da saudade, que pode ser reviver momentos de presença ou o fim da espera e a hora de um reencontro. Ela sorriu e voltou a brincar.
Ser afetuoso e ajudar a curar pode exigir da gente despir-se das próprias urgências para oferecer a calma, pode representar redimensionar o tamanho dos próprios poços para que o outro veja a água no fundo do seu.
A diferença entre olhar com distanciamento a ferida alheia e mover-se no sentido de criar um unguento para cicatrizá-la é brutal.
A gente tem um dia melhor quando o bom-dia vem sorridente, a gente se fortalece quando sente o choro é compreendido e compartilhado, a gente cresce mais seguro quando consegue dar vazão a sentimentos incompreendidos, a sensações que nos oprimem.
O afeto liberta de prisões emocionais erguidas sem tréguas pelos tantos dissabores implicados no existir, nas trombadas com os desafetos. Ele reorienta a nossa coragem de recomeçar, de amar mais uma vez, de compreender aquilo que sufoca, machuca.
Com toda a velocidade, estamos voltando às ruas, ao mundo, que ainda está em pandemônios e cheio de dores. Sejamos mais afetuosos.