Paralimpíadas terminam com show de nosso futebol de cinco estrelas
As manobras no skate de Rayssa Leal, a fadinha, foram fantásticas. O salto campeão de Rebeca Andrade, na ginástica artística, foi emocionante, comovente. Agora, o golaço do Nonato, na vitória do Brasil contra a Argentina, na final paralímpica do futebol de 5 –disputado por atletas cegos–, é memória que os amantes do esporte e entusiastas de um Brasil melhor precisam guardar para sempre.
O golaço do Nonato, insisto em meus exageros, teria de passar no intervalo das novelas, teria de ter destaques nos maiores sites das “internetes” do país por vários dias, deveria ser mostrado nas faculdades de educação física e nas escolas como demostração de “honra ao mérito” e de aprendizado para a vida.
Vencemos nosso arquirrival e nos tornamos pentacampeões paralímpicos de maneira arrebatadora. Ganhamos todas as edições desde que a modalidade passou a fazer parte dos Jogos, temos um elenco de jogadores com talentos tão contundentes que a medalha de ouro tem se tornado óbvia.
É impossível não esbarrar nos clichês e até numa maneira meio enfadonha de tratar as pessoas com deficiência, mas, neste caso, ver nosso time brasileiro de cegos jogar é um espanto para nossa extrema dependência da visão.
Os dribles inacreditáveis realizados pelos nossos alas ofensivos Ricardinho e Jefinho e a agilidade defensiva de Jardiel e Cássio hipnotizam nossos olhos ao mesmo tempo que nos coloca a inevitável interrogação: “Como é possível fazer isso sem enxergar nada?”.
De fato, o poder da audição, que guia os passos e os passes ao sentir se aproximar o som dos guizos que se agitam no coração da bola, é invejável, quase um “superpoder” para quem costuma usar os ouvidos apenas para juntar cera, mas só isso não explicaria nem de longe a magia de nosso melhor futebol do mundo.
Nos campos do futebol de 5, roga-se à torcida para manter silêncio, mas quem aguenta ficar calado diante de uma pancada nos nossos craques, um quase gol, uma dividida de bola mais intensa, uma bomba na trave? Em Tóquio, sem torcida, choveu. Barulho de chuva embaralha a concentração. Mesmo assim, Nonato fez um golaço, fomos penta, somos os melhores.
Mas todo o mérito de nosso time não passa nem de perto por serem bons escutadores. Eles são peritos em prever movimentos, em sentir o calor dos adversários em posição de ataque ou de defesa. Eles conhecem a força e o sentido do vento que empurra a bola ao ângulo, para lateral, para o centro do campo, para o gol.
Para os não iniciados, o goleiro, no futebol de 5, enxerga perfeitamente. É profissionalismo, treino, habilidade, técnica, amor ao futebol, mesmo, do que se trata. É dedicação ao esporte, vontade de levar a tradição nacional de “bons de bola”, os melhores do planeta, à frente.
Encerro minha participação na jornada das Paralimpíadas da mesma forma como iniciei, com uma celebração às diferenças humanas, com um a emoção de festejar o “serumano” em suas maneiras diversas de se manifestar e de brilhar. O convite para a reflexão sobre um olhar mais atento, justo e honesto para a multiplicidade de estar vivo e ser campeão –ou ser comum– é permanente.