Paralimpíadas mostram um Brasil ideal que só do Japão se vê

Lá do Japão, vimos uma mulher cadeirante de 56 anos quebrar recordes mundiais e ganhar mais uma medalha de ouro paralímpica para o Brasil. Lá do Japão, descobrimos que uma menina pequena, de 23 anos, foi laureada de forma inédita no halterofilismo depois de levantar 137 kg.

Dá para ir além. Lá do Japão, nós nos emocionamos ao ver um rapaz nordestino, também campeão no evento de Tóquio, reproduzir no ar, com sua única mão, a metade do gesto de um coração.

Deu para ver também, um jovem cego, em sua estreia em Paralimpíadas, atravessar uma piscina em velocidade tão alucinante que não teve para ninguém: venceu e nos encheu de orgulho.

Por fim, que dizer de uma garota, também com deficiência visual, que, ao ganhar ouro inédito no judô, na terra do judô, homenageou a própria namorada em seu breve discurso de agradecimento?

Interessante notar que as cenas vindas do oriente mostram plena harmonia das chamadas interseccionalidade, que é quando uma condição social se sobrepõe ou convive com outra ou outras.

Temos, nos Jogos Paralímpicos, “heróis” com deficiência, que também são negros, que podem ser mais velhos, que podem viver em periferias, que podem ter nascido longe do eixo Rio-São Paulo e que podem pertencer ao universo LGBTQIA+.

O problema, porém, é que quando tiramos os óculos nipônicos, voltamos à terra da exclusão e turva-se a límpida visão sobre as possibilidades de vida da pessoa com deficiência e com todas suas demais características. Tudo passa a ser muito complicado, complexo, quase impossível.

Em solo brasileiro, um cadeirante ainda é tido como alguém “preso em uma cadeira de rodas”, aquele cara que quer conseguir trabalho por meio de cota, que toma muito espaço em ônibus acessíveis, quando esses existem.

Por aqui, atravessamos o cego na esquina sem antes perguntar se ele gostaria mesmo de ir para o outro lado da rua. Por aqui, pessoas com nanismo são alvo de chacotas e preconceitos explícitos em todos os lugares, nas mais diferentes situações.

Se falamos de uma pessoa acima dos 50 anos, a mentalidade é que ela já tem pouca lenha para queimar e, se guardar alguma diferença física ou sensorial, é o fim de linha total, sem chances.

Também na pátria mãe gentil, as questões da sexualidade do povo “malacabado” são praticamente inexistentes, um tabu, um pecado pensar que essa gente ainda quer manifestar seus desejos, suas identidades de gênero.

Atletas paralímpicos, todos com alguma deficiência, são responsáveis por guardar em uma mala da história brasileira a marca de cem premiações de ouro ao longo dos Jogos. São responsáveis por elevar o Brasil à categoria de superpotência paradesportiva. São responsáveis por cenas que nos emocionam, nos fazem refletir, nos fazem ter orgulho. Tudo de lá do Japão.

Só falta, agora, transformar a distância de cerca de 17.000 km que separa os feitos realizados na terra do sol nascente das cenas de exclusão e capacitismo –o preconceito contra a pessoa com deficiência–, que persistem por aqui, em um grande momento de virada de chave, de reconhecimento legítimo do valor das diferenças, quaisquer diferenças.