Daniel Dias se despede de Paralimpíadas como ídolo que o Brasil pouco reconhece

Não fosse a deficiência que o faz ter um corpo peculiar, com os dois braços e uma das pernas com formas distantes do convencional, o nadador Daniel Dias, 33, que está se despedindo da vida nas piscinas, estaria agora causando uma comoção na nação daquelas gigantescas, com gente andando no bairro do Brás, em São Paulo, atrás de camisetas com o rosto do multimedalhista.

Com uma coleção de quase 30 premiações paralímpicas, sendo perto da metade delas de ouro, o atleta criou uma marca que o coloca como o maior competidor brasileiro da história dos Jogos Paralímpicos e, ainda assim, tranquilamente pode-se afirmar que, até agora, seu adeus causa uma tímida manifestação popular, midiática e governamental.

Ser o melhor, na realidade da pessoa com deficiência, em qualquer área, não apenas nos esportes, ainda causa uma estranheza e uma carência de reconhecimento que vai da incredulidade –algo deve estar errado, deve estar recebendo alguma mãozinha, facilitaram pra ele– ao preconceito direto.

Daniel, que avançou nas também conquistas consagradas de Clodoaldo Silva, tornou-se um espelho com reflexos de contundente beleza em suas diferenças para uma geração de esportistas. Ele também se tornou fonte de inspiração contínua para, especialmente, milhares de crianças com deficiência no Brasil que, muitas vezes, mal conseguem ser vistas e ter espaço em aulas básicas de educação física nas escolas.

Acostumado a ser o senhor do pódio de ouro, Daniel emplacou premiações de bronze em Tóquio, até agora. Preparado como gente e como competidor, ele repete o sorriso largo de sempre, agradece a oportunidade, vibra e mostra ao mundo que vencer tem diversos significados.

Tudo isso, o nadador protagoniza após ter sido prejudicado por mudanças técnicas em regras de classificação na natação, no meio do ciclo paralímpico, que o deixou em condições menos favoráveis para dar o adeus “por cima”, no auge, como dizem ser o mais interessante em carreiras brilhantes.

Certa vez, durante os Jogos Paralímpicos de Londres, em 2012, tive uma experiência que me inclinou particularmente a ter simpatia pelo nadador.

Durante uma muvuca de jornalistas desesperados por uma mensagem do multicampeão, que brilhava mais uma vez na terra da rainha ganhando seis medalhas de ouro, Daniel percebeu que eu estava espremido pelos colegas e em uma altura bem desigual por estar na cadeira de rodas.

Ele se aproximou, pediu para me darem mais espaço, abaixou-se e impôs outra perspectiva ao chamado “quebra-queixo”, quando repórteres investem seus gravadores, microfones, câmeras, telefones e afins contra o rosto de entrevistados atrás de alguma boa declaração.

Ainda falta um queijo e uma rapadura, como se diz na minha terra, para que o reconhecimento de fato de uma pessoa com deficiência, em suas mais diversas formas de atuação, seja coroado dentro de seus esforços empregados e feitos entregues à sociedade.

O nadador é um ponto que puxa essa reflexão e, sim, já avança em algum nível em ser visto pela publicidade, apoio financeiro e afago social. Mas é pouco, bem pouco, diante das imensas glórias e emoções trazidas por ele. Valeu, Daniel! O povo “malacabado”, com certeza, te reverencia.