O espetáculo das diferenças
O mundo todo passa a ter, a partir de terça-feira (24), uma de suas maiores oportunidades de contemplar, entender e analisar as diferenças humanas por meio da celebração dos Jogos Paraolímpicos.
As competições, que envolvem desde pessoas com deficiências consideradas leves até as que possuem condições tidas como as mais desafiadoras para um vivente, escancaram, além das potencialidades esportivas, um universo de manifestações corporais, comportamentais e de interação que, raramente, é possível ver reunidas de maneira tão evidente.
Do acendimento da pira, tradicionalmente realizado com uma demonstração que visa elevar o que se entende como limite de um corpo, à forma como os atletas comemoram seus feitos nos pódios acessíveis, o evento paraolímpico firma-se como um espetáculo das maravilhas das potências de ser humano.
Quando um nadador chinês, recordista mundial, sem os braços, se joga em uma piscina para nadar cem metros em poucos segundos e desliza velozmente pela água usando a força do tronco, é imediata a autorreflexão sobre a nossa incrível dificuldade de sair do sofá e o medo de encarar nossos pequenos brejos.
Acompanhar jogadores que, em cadeiras de rodas, se movimentando freneticamente em uma quadra, arremessando e acertando bolas em um cesto tão alto que parecia estar em uma altura inatingível, isso empurra o pensamento também para o alto e motiva a revistar sonhos guardados como impossíveis.
O som do guizo que fica dentro da bola e orienta os cegos no futebol de 5 –nome da modalidade paraolímpica exclusiva para quem tem deficiência visual, na qual o Brasil é hegemônico– faz acordar na mente a consciência do nosso limitado uso dos sentidos, ao mesmo tempo que gera um encanto de ver, sim, de ver, como os nossos olhos podem encarcerar.
É também no espetáculo paraolímpico que um movimento sutil do lançamento de uma bocha comove a alma e instiga a refletir sobre a paralisia de nossos desejos de ir além do umbigo. Nos jogos, apenas atletas com deficiências severas e que implicam grandes restrições de mobilidade podem entrar nessa prática, o que faz com que, às vezes, os arremessos sejam feitos com instrumentos acondicionados na cabeça. Um desbunde.
Não se trata aqui de entender esses esportistas como heróis por suas práticas e resistências ou como exemplos da famigerada e batida “superação” diante das desgraceiras da vida, mas de tentar entender a multiplicidade de caminhos de reinvenção de uma existência, de botar uma lente sobre nossos comodismos limitantes que nos tolhem os sentidos, as inspirações e as possibilidades.
O fascinante do evento que começa (ou recomeça) em Tóquio é poder ter as sensações de vibração e emoção de vitórias, medalhas e quebras de marcas históricas ao lado de uma celebração da diversidade em seu ápice, com a mistura de raças, origens, gerações, sexualidades e, evidentemente, capacidades físicas, sensoriais e intelectuais.
A festa paraolímpica é um convite gratuito e empolgante para a contemplação do poder de transformação do esporte e dos feitos de grandes atletas com seus notáveis rendimentos, mas, mais que isso, é também é chance de encontrarmos em nós o ouro da motivação para sermos melhores.