Voar de balão já é acessível, mas os ventos sempre trazem surpresas
“Pessoal, vamos nos preparar para o pouso. Agora vai, e será no meio do milharal. Pode balançar um pouco e até ficarmos meio tortos, mas vai dar tudo certo”, disse o piloto do balão, para o meu completo desespero. “Meio torto”, pensei… se eu entortar mais, curvo de vez.
Eu nem sabia, para falar uma verdade, que o rapazinho que bota fogo para o danado subir era chamado de piloto. Achei chique, mas ele bem poderia ter-me poupado daquele “gran finale” emocionante, mas o que não fazemos pelos nossos filhos?
Eram 3h30 quando acordei Biscoita para uma “aventura inédita” de véspera de aniversário de seis anos, um passeio surpresa de balão, lááá em Boituva, nos arredores de São Paulo. A ideia foi da mãe; resisti, mas acabei convencido de que poderia ser uma memória para a vida inteira.
“Pai, é a primeira vez que acordo a esta hora. E para uma surpresa!”. Até hoje me pergunto se o mais importante para Elis foi o despertar inusitado na madrugada ou, de fato, foi o prazer da aventura pelos ares.
Tô velho e a pandemia e as coisas da vida me deixaram ainda mais ligado ao chão, ao tomar um quentão e comer pipoca quietinho, fincado na terra, ao redor da fogueira, em vez de me lançar com cadeira de rodas e tudo ao léu, pelo céu, sem paraquedas nem chapéu. Mas fui, afinal prometeram que tudo seria acessível e tranquilo.
“Mas a gente vai voar com essa garoazinha, mesmo? Não vai balangar muito?”, perguntei eu mais para Nossa Senhora da bicicletinha do que para qualquer outra pessoa que pudesse me dar atenção.
Biscoita estava vidrada, encantada com a possibilidade de ver tudo lá de cima, de afastar-se, mesmo que por minutos, desse mundo virulento, cheio de medos, cheio de “não pode”, de afastamentos. No alto, a imaginação fluiria com toda a força gerada pela infância.
E não era enganação do tipo “olha a cobra!”. O balão era mesmo acessível, com uma cadeirinha que se deslocava de dentro para fora da cesta para que uma pessoa com restrições de movimentos pudesse se acomodar de forma mais confortável e, depois, voltar para dentro da estrutura e voar.
Havia um cinto de segurança para o caboclo ficar firminho e até uma espécie de abertura na estrutura para que, sentado, o aventureiro pudesse ver tudo ficar pequenininho lá embaixo. Elis vibrava por ela e, certamente, por mim, por podermos, juntos, saber que, lá do alto, “o mundo fica bem mais divertido… até quem tem mais idade, mas tem felicidade no seu coração”.
“Pai, é muito gostoso, nem balança. Olha os cavalos, pai! Pai, olha o a cidade ali. Pai, acordei às 3h30! Pai, te amo.”
Fiquei com medinho, é claro, afinal, não estava nos planos me esborrachar despencando das alturas –o que não é projeto de emoção de nenhum debilitado das partes–, mas como não deixar o coração quentinho com sua cria feliz como pinto no lixo ao saber que dá para chegar bem pertinho das nuvens?
O piloto tentou baixar o danado do balão um par de vezes, e nada. Quando o vento bate, muda a vida, muda o clima e mudam os rumos de qualquer coisa. Na tentativa de dominar os ares, viramos pena flutuante cujo destino está na mão de um certo acaso, quem sabe do destino, de algum propósito, sempre com algum nível de não controle.
Pousamos mesmo no meio de um milharal. “Fiquem tranquilos, que logo o resgate vem”, disse o homem do fogo. Imaginei o Samu, um bombeirão sarado, ambulâncias vindo socorrer a todos nós. A equipe era muito preparada e foi só um sustinho. Se puder, leve seus pequenos para voar.