As loucurinhas da vida e o desafio de encontrar competências emocionais

Sempre achei que fossem as experiências de vida que formassem o alicerce de nosso preparo para encarar os desafios emocionais que vão surgindo na jornada louca que é o acordar todos os dias. Estava enganado!

Embora nossa coleção de histórias constitua bagagem indubitável para os enfrentamentos do existir, é preciso perder a ilusão de que isso irá bastar para conter qualquer crise de sentimentos, pandemias, desgraceiras e loucurinhas ocasionais que fatalmente irão surgir para todos em algum momento.

Se a lógica das vivências anteriores fosse inquestionável, eu estaria imune a tudo, preparadíssimo para encarar o que viesse, uma vez que, em minha trajetória, já cruzei com coisas do tipo: preconceito, exclusão, buraco na calçada, buraco no peito, ausência de recursos, recursos ausentes, amargores, perdas, dores de todos os níveis… e outras coisas para além do que alcança a imaginação de quem apenas assiste a vida de uma pessoa com deficiência nascida em berço de papelão.

Os acontecimentos e fatos a que estamos expostos, em si, podem não ser suficientes para servir de guia na busca de saídas para os dilemas da alma, da mente, podem não formar instrumentos infalíveis para o desatar de encontros com as angústias, com as tristezas, com as perdas, com as decepções, com os dissabores ardidos das surpresas que vão se apresentando.

Personagem Tristeza, do filme “Divertida Mente” (2015), da Pixar Foto: Reprodução

“Gzus, o confinamento fritou o juízo do colunista, coitado!” Com mais tempo para observar questões particulares e com mais demandas de socorro a situações de feridas internas de amigos, fui me dando conta de que muitos de nós negligenciamos as competências emocionais ou não tivemos o devido acesso à sua formação, de que temos certa —ou muuuita— dificuldade no encontro com situações que sacolejam e afligem a paz da cachola, das ideias, do ilusório controle de nossos sentimentos.

Mais do que localizar a importância das tais competências emocionais, é fundamental que se abram oportunidades de formação dessas habilidades que não necessariamente estarão ancoradas no apoio profissional direto, mas que também passam pelo reconhecimento de que é preciso submeter-se a uma “intervenção cirúrgica” especializada para estancar as dores de “serumano”.

Escutar desarmado como pessoas próximas interpretam nossos apagões sentimentais e levar realmente em consideração as sugestões feitas de como voltar “à luz” quase não tem custo e pode ter grande eficácia.

Tentar práticas já comprovadamente saudáveis para o reencontro do equilíbrio, como a ioga e a meditação —que eram atividades um tanto escanteadas ou elitizadas, de nicho, por pura desinformação— também pode ser uma maneira de gerar capacidades de autocuidado.

E, para além do eu, cabe a tarefa de atuar para melhorar o estado mental de futuras gerações que, muito provavelmente, terão de encarar desafios de incômodos da consciência em profusão, ou alguém acha que passar dois anos dentro de casa, sob a tutela de adultos entrando em parafuso não será osso duro para os pequenos roerem em algum momento?

Nunca tivemos de lidar com a proximidade de tantas mortes, tantas dores, tantas perdas, tantos remendos, tantas rupturas, tanto acúmulo de pensamentos sem vazão para a rua, para a festa ou para ouvidos alheios.

O custo tem sido alto para muita gente, mas há solução: a busca de competências que muitos de nós nem sabiam que poderiam existir.