Por que nos emocionarmos com nossos velhos vacinados?

Coisa linda e emocionante tem sido ver fotografias e vídeos de velhos de diversas famílias de amigos, parentes, agregados e conhecidos sendo picados Brasil afora com vacinas que renovam a esperança de vida após tantos estragos pandêmicos.

Com nossos velhos a caminho de mais proteção em meio a essa fatalidade toda, amplia-se a disposição para acreditar que nós mesmos iremos conseguir respirar melhor em um futuro, quem sabe, breve.

Parte das aflições que se tem de encarar nestes tempos é imaginar gente que amamos estirada em leitos hospitalares intubada ou submetida a tratamentos, terapias e medicações que, até então, se pensava ser para casos extremos de enfermidades avançadas.

Quando esse exercício trágico de pensamento é feito na perspectiva de alguém que já viveu sete, oito, nove décadas, com bagagens de possíveis outros momentos espinhosos e um corpo potencialmente mais cansado, parece que o lamento é ainda mais avassalador, para quem é de lamento.

A tormenta que a ronda da morte tem provocado no dia a dia vai colocando poeira no horizonte que se quer finalmente ver mais acolhedor, mais caloroso, menos ancorado na angústia. Quando alguém se vacina, uma chuva fininha parece cair e uma brisa de boas novas ensaia dar um refresco.

Em muitas das imagens que se contemplam de imunização de pessoas mais velhas é possível ver, além de um grande ar de alívio, um semblante de cansaço por tantos meses confinados, de afastamento de gente querida, de promessa de mais liberdade para amassar os netos, bisnetos e sobrinhos em breve.

Minha velha mãe tomou a segunda dose de Coronavac faz poucos dias. Dei uma choradinha vendo o retrato dela, de máscara e óculos embaçados, meio acuada no árido ambiente de vacinação.

Tenho convicção de que se imunizar, na cabeça de dona Marli, foi ato muito mais em razão de seguir para dar suporte aos outros do que soprar mais vida a si mesma. Tendo a achar que essa lógica cabe a muitos outros de nossos velhos, combalidos emocionalmente por tantos meses de tantas dores.

“Agora já estou pronta para ajudar no que precisar, meu filho”, disse mamãe, que ainda não tem muito certo nas ideias que vamos precisar de mais tempo e paciência para pensar em alguma rotina.

Um velho imunizado pode representar uma criança mais feliz, uma vez que ela poderá, se tudo correr bem –sim, a ressalva é sempre necessária neste momento– voltar a seu celeiro de mimos com mais segurança.

Um velho imunizado pode representar a chance de mais finais de semana de casa cheia, de bolo de cenoura à tardinha, de risadas enormes por piadas que remetem ao tempo em que se falava “epa” para tudo.

Há quem dê combustível para discussões cansativas e desumanas, ancoradas no egoísmo e no total desacompasso com a ciência, em torno da inversão da prioridade: que os jovens, que mais se expõem ao vírus, sejam os primeiros a serem vacinados.

A galeria de nossos velhos com os braços ansiosos e apontados para a seringa que carrega a promessa de mais dias melhores é, por si só, argumento que pode abafar um pouco do pensamento restrito de quem ainda não entende o poder da diversidade para a harmonia do mundo.

Em tempo: Perder Contardo Calligaris é ganhar mais um imenso vazio de referências, de inspirações e de reflexões tão necessárias sobre nós mesmos e sobre os outros. Precisamos urgente de mais compaixão, de mais paixão e de mais gente protegida e protegendo.