Na pandemia, há uma multidão pouco conhecida: a de sequelados
Diante dos números escandalosos de contaminados e mortos pela Covid-19 no Brasil, fica difícil jogar luz em uma outra estatística que, em algum momento, o país terá de se debruçar e dar atenção: o da multidão que ficou com sequelas permanentes ou transitórias em decorrência da devastadora doença ou dos reflexos que ela tem deixado no “serumano”.
Em geral, pessoas que enfrentam longas jornadas em busca de restabelecimento de suas funções vitais em centros de terapias intensivas vão precisar, ao final do processo, de cuidados respiratórios, físicos e emocionais de forma atenta.
Afinal, o corpo, o organismo e as ideias foram submetidos a uma situação fora do comum, de uma maneira drástica, e recebendo todo tipo de intervenção química, mecânica e, às vezes, até experimental.
Tudo isso pode gerar consequências que vão da dificuldade na plena capacidade de respirar, que vai exigir fisioterapia pulmonar, até comprometimento em certos movimentos e tarefas cotidianas, que vão demandar terapias ocupacionais ou atividades musculares e físicas monitoradas.
Para esse grupo de gente, é fundamental que unidades de reabilitação tenham fôlego e preparo para recebê-lo e saibam como agir diante de sua demanda que, embora guarde relações com a realidade das multidões de acidentados pelo trânsito e acometidos pela violência no país, por exemplo, vem de uma situação muito particular, a de ter sido afetado por um vírus devastador.
Mas para além desse extremo de cuidados, há ainda uma gama de atingidos pelo coronavírus, direta ou indiretamente, que necessitam de outro tipo de apoio que passa tanto pela assistência do aparato de saúde como também familiar, de redes de apoio, dos amigos.
Exemplos são as pessoas que têm apresentado, depois de curados da doença, a continuidade da perda do olfato, sintoma clássicos da Covid-19, e também os que relatam problemas de memória e outras confusões mentais e emocionais.
Não ter capacidade de sentir um cheiro embute não apenas um detalhe de falha em um dos sentidos, mas, sim, ter de reorganizar uma série de questões cotidianas que passam pela segurança pessoal, pela boa nutrição e até por conflitos na interação social. Danos em habilidades cerebrais, mesmo que ligeiras, não preciso gastar muitas palavras para serem dimensionados.
A pandemia, contudo, gera sequelados que não batem o bumbo, não aparentam debilidades, mas que sofrem ensimesmados. São pessoas que desenvolveram ou multiplicaram medos, angústias, ansiedades, inseguranças. E elas estão em muitos, muitos lares.
Com tanta desgraceira e instabilidade ao redor, com tanto tempo conversando apenas com as mesmas paredes e os mesmos pares, os limites da vida parecem que foram se espremendo e que as possibilidades de beber em novas fontes de água fresca se anularam ou ficaram muito distantes.
Dentro disso, vale uma mão pela outra. Em minhas loucurinhas, tenho encontrado refúgio em grupos de meditação —hábito novo, que tem me feito respirar, me acalmar e pensar novas perspectivas para a vida—, em abertura de conversas mais profundas com amigos e familiares, além de abrir espaços de mergulho mais fidedignos em minhas escuridões.
A recuperação completa do país não vai passar apenas pela vacina salvadora, pela reabertura dos botecos e com a volta às aulas.
As sequelas pandêmicas precisam de cuidados que demandam de todos nós, de alguma maneira, seja como agentes de recuperação plena de alguém, seja como condutores da retomada de sonhos e de desejos.