O pai, a filha e o gênio

Escrevo e penso a respeito de diversidade e inclusão já tem lá uns bons dias. As experiências que vou vivendo ou acompanhando sempre abrem novas perspectivas da diante minha própria realidade cadeirante e do modo como ela se reflete na vida dos outros, dos meus.

Ter filhos, família e cuidar de cachorros, para pessoas com deficiência, como eu, é, de certa forma, feito recente, embora não raro. Veio no embalo do acesso ao trabalho, do reconhecimento de capacidades para além do que se vê e do que julga normal.

Veio da quebra do mito da assexualidade, do entendimento um pouco maior da sociedade de que ser gente não é necessariamente andar engomado em um paletó ou se equilibrar em um salto bem alto.

Por isso, também, questões novas sobre relacionamento humano dentro de realidades diversas vão surgindo à medida que se expõem mais as ditas “novas famílias” e seus desafios, suas encruzilhadas legítimas pela carência de grandes referências.

Essas composições de convivência também ganham o título, a meu ver, porque estão abertas, de certa forma, para aceitar olhares, opiniões e sugestões de como lidar com seus também novos conflitos e questionamentos.

Claro que sigo com a máxima que de “pé de galinha não mata pinto” e me valho de minhas convicções e autoentendimento para lidar com desafios da paternidade de minha filha Elis, de cinco anos, que também curte ser chamada de biscoita, mas não estou isento de interrogações.

Pois bem, em uma de nossas brincadeiras, que agora acontecem quase de hora em hora, intercaladas com o trabalho remoto, a menina quase me derrubou da cadeira de rodas, não por um empurrão desengonçado, mas por uma frase sem perífrase.

– Pai, se eu conseguisse a lâmpada mágica do Aladim, sabe o que eu ia pedir para o gênio?

O ator Will Smith, que interpreta o gênio, em cena de ‘Aladdin’ Foto: Divulgação
– Uma boneca Lol ultra mega blaster rara?

– Não.

– Um encontro exclusivo com a Maria Clara e com o JP (youtubers mirins que encantam a molecada desta geração).

– Não, pai. Eu ia pedir para o gênio que você pudesse andar, ficar em pé, essas coisas. Daria para fazer um monte de coisas novas.

Por mais que minha pitchuca tenha sido criada a bordo de um colo cadeirante, que se tenha divertido com o pai sobre rodas, aprendido que há formas distintas de atuar na vida, ela deseja, naturalmente, aquilo que é improvável, inatingível, como se um filho pedisse ao pai que caminha que ele pudesse flutuar.

Não me acabrunhei diante dela, evidentemente, e soltei aquele discurso básico de que existem formas diferentes, mas igualmente divertidas, de fazer tudo entre nós dois.

Se eu não pulo dobrando os joelhos, eu pulo meio atrapalhadamente, usando o tronco…

– Eu sei, papai, mas queria que você pudesse andar mesmo. Mas, agora, pega essa Barbie e vamos fazer um desfile…

Sou um pai privilegiado, pois Elis tem o hábito de abraçar forte, de agarrar as bochechas e de dizer que ama com uma frequência fofa e acalentadora.

Mas também é vantagem da minha paternidade me ver questionado em minhas pseudosseguranças de ser, em ter enfrentadas minhas reflexões a respeito da forma de levar o cotidiano.

Filhos pequenos não apontam o que temos a menos, mas, sim, alertam para aquilo que poderíamos ter a mais ou para aquilo que não podemos desistir de perseguir ou aprimorar, de alguma maneira.

Ainda não penso em comprar uma daquelas vestes robóticas inúteis que prometem fazer o “serumano” sem movimentos nas pernas sair sambando na boquinha da garrafa, mas me arrisco a dizer que, talvez, eu possa retomar o meu projeto de criar um par de asas. Feliz dia para qualquer pai.