Uma festa só para você: vale criar regras só para um grupo de ‘serumano’?
Que graça tem uma festa se nela não houver quitutes que agradam o paladar daqueles que só pescam a azeitona na empadinha até os que curtem cachorro-quente cheio de molho para chafurdar na deselegância?
Que diversão se apresentaria num dia de alegria se nele não estivessem presentes aquele tio que arrota bem alto, no meio de toda a gente, e um grupo de pessoas que fica só no cantinho, observando as gafes e esperando a hora de atacar a mesa de docinhos?
Uma prática legislativa bem brasileira —e bem assistencialista também— resiste à evolução dos conceitos de diversidade: a da criação de “festas” para apenas uns poucos grupos muito bem representados por artistas, por organizações barulhentas ou chorosas, por indivíduos que, com suas legítimas, mas restritas histórias, conseguem lugar de atenção no coraçãozinho de parlamentares e mandatários de toda sorte.
Dessa forma, todos os dias entram em vigor ordens de cidadania as mais estapafúrdias e natimortas, como uma lei que obriga cinemas a promoverem sessões específicas para pessoas com olhos azuis, uma outra que obriga os supermercados a abrirem para os zumbis de madrugada e também aquela que manda as empresas pintarem suas paredes de cores pouco vibrantes para não melindrar os fotossensíveis.
Tudo isso é inventado, tá, meu povo? Apenas baseado em fatos reais que surgem a todo tempo!
As necessidades específicas e individuais existem e precisam ser respeitadas, amparadas quando se encontram com o mundo das pessoas certinhas; não há dúvida nisso, até porque, se não for assim, estaremos criando classes de expulsos de praticar cidadania, de ter o direito de conviver com as belezuras do existir.
Mas qualquer política ou lei séria que vá atender a um grupo vulnerável por suas características físicas, sensoriais ou intelectuais deverá levar em conta estratégias que aglutinem demandas e viabilizem a realização das transformações, sejam elas físicas e arquitetônicas, sejam elas atitudinais de maneira efetiva e sem criar um chiqueirinho para um gueto.
Se o som alto em determinados ambientes afeta e prejudica pessoas com autismo, por exemplo, certamente há uma questão a ser discutida e encaminhada para uma solução. Mas pensar em situações de isolamento ou de exclusividade, quando não se trata de uma questão de saúde, de prejuízo emocional incalculável, é pensamento que deveria não dominar o debate.
O olhar atento para o indivíduo se reforça a partir da conscientização, sensibilização e mobilização do coletivo para mudanças de atitude e para tomada de novas atitudes.
Com isso, criar regras que atendam esse ou aquele “serumano” só causa confusão e gera um certo ranço, um certo não me toque que se perpetua como uma forma equivocada de entender os diversos, sobretudo aqueles cujas diferenças são mais marcantes, como extraterrestres ou gente que faz jus a pensamentos toscos de dó, de infantilização, de superprotegidos.
Festas boas são aquelas em que cada um se diverte do seu jeito, criando uma atmosfera de contentamento, de felicidade geral. Todo isolamento provoca preconceitos e fomenta distorções para o entendimento do diverso.
Resistir à criação de clubinhos não é uma desumanidade ou algo que demostre falta de empatia. É oportunidade de chamar a sociedade ao seu papel maior, que é construir o futuro tendo em vista sempre um caminho plural.
Em tempo: Para quem se preocupou, estou bem!