‘Frozen 2’ e corações descongelados

Biscoita, como acontece todos os anos, foi passar parte das férias na casa dos avós maternos lá em Poços de Caldas, nas Minas “Geraldas”, como dizia uma tia minha que já morreu. Os sentimentos envolvidos nisso já contei algumas vezes aqui neste espaço, mas, dessa vez, ela pegou pesado.

Liga em casa quase sempre com muita pressa porque tem de brincar de comidinha com a prima Mel. A menina tem a pachorra de não nos contar nem o cardápio escolhido! Em outro momento, está ocupadíssima com o planejamento de ir ao clube com a avó e as novas “zamigas” de infância.

Ao contrário dos anos anteriores, fala quase nada de saudades, não reclama de nossa ausência e não faz aquele bico charmoso que joga todo o planejamento na cucuia e mobiliza o mundo para dar fim àquele “sofrimento”.

Enquanto isso, o apartamento aqui vai ficando cada vez mais gigante, impecavelmente arrumado, e duas “novas” figuras parecem surgir. Arriscaria dizer que meio amantes, meio namorados, meio perdidos, meio pessoas loucas que ficam revirando lembranças sendo que muitas e muitas delas nem caberiam na definição maior de passado uma vez que são momentos de família ali do Réveillon, do Carnaval.

Filhos, sobretudo os pequenos, têm potencial de mexer profundamente com a personalidade da gente, que passa a assumir características protetivas tão fortes e prioritárias que vamos ocultando necessidades íntimas, acomodando uma maneira apenas prática de tocar o dia a dia.

Colocar um novo ser falante e pedinte em sua rotina sem que isso represente tirar coisas que são importantes para sua saúde mental, emocional, sexual e “tudibão” parece óbvio e está escrito em vários manuais, mas a aplicação do conceito é um tanto desafiadora.

Mas voltando às férias de pitchuca, ela mesmo nos deu um belo toque da necessidade de vê-la como em comunhão com uma órbita e não como um fenômeno que deve alterar todos os rumos da humanidade lá de casa, de um casal, de uma família. E foi assim:

“Mamãe, papai, fui assistir ‘Frozen 2’ e comi muita pipoca. O chato é que a Anna e a Elsa não cantaram nenhuma música que eu conhecia.”

Escondemos como deu o impacto profundo daquele relato, que veio requintado por uma informação do tio: ela ficou o tempo todo dentro da sala de cinema, sem pedir para ir dez vezes fazer xixi, sem dizer que precisava tomar “um arzinho lá fora”, sem alegar que precisava dar uma voltinha para alongar as pernas.

Depois de milhares de “let it go” e de “você quer brincar na neve?”, cantados durante quatro anos, a danada foi sem o papai e a mamãe ver a continuidade do mundo congelado e congelante de que tanto gosta (mos).

Não deu spoilers e, aparentemente, também não sentiu falta de nosso trio de mãos aflitas e juntas torcendo para que tudo desse certo no final.

E tem mais! Na véspera do Natal, tivemos de cruzar a cidade de São Paulo e pegar uma fila imensa pra ela tirar uma fotografia e trocar um olhar de dez segundos com a princesa, a rainha e um bicho de neve que atende por Olaf, todos devidamente abrasileirados. E pra quê? Pra ir sem a gente ver o “Frozen 2”.

Entre um arfar e outro meu e de minha mulher diante daquela novidade do crescer de nossa menina, de mais um sinal de independência dela, parece também que, pela primeira vez durante um desses períodos, conseguimos descongelar algumas convicções e olhares em torno de nós mesmos, de nossos corações e até de nosso futuro. Coisas de amor, de filhos e de férias.