Vá ver as crianças lá fora

Deveria haver uma regra, um decreto presidencial que obrigasse os adultos a nunca se afastarem por muito tempo das crianças e de seus feitos, o que é cada vez mais comum em um mundo tão “complicoso” para criar menino, para conviver em família.

Há quem fique décadas sem interagir com um pequeno —ali, do começo da juventude até os trinta e poucos anos é bem comum— sem saber quais são os desenhos animados da moda, sem brincar de pedra, papel e tesoura, sem rir até perder o fôlego ao fazer uma voz meio estrambólica, uma dança maluca imitando uma galinha estabanada.

Mais do que isso, quando não se convive com criança, limita-se a imaginação, contém-se a gargalhada, diminui-se a tolerância. Isso sem falar que o tempo para o silêncio fica grande demais, a arrumação da casa irretocável demais, os cômodos grandes demais.

O que muitos podem considerar sossego, pela ausência de molecada ao redor, pode ser, na verdade, um passeio num deserto de lápis de cor que colorem as paredes e papéis com casinhas, corações e mensagens inesquecíveis de “eu te amo”.

Fato é que quanto mais ficamos longe do universo infantil, menos conseguimos nos botar em sintonia com a genuína dúvida de como Papai Noel entrará em um casa sem chaminé ou porque existem pessoas que vão passar a noite de Natal na rua, sem comer rabanada quentinha.

Muitas vezes, são as dúvidas das crianças o combustível para nos indignarmos com coisas que o tempo de adulto nos fez anestesiado. Pode ser tanto o sofrimento de um passarinho na gaiola ou a falta de cuidados com as plantas, com o mar, com os cachorros da rua.

Quando a gente vai lá fora ver as crianças, a gente compreende com mais propriedade que misturar as diferenças colabora para a brincadeira ser mais criativa. A gente percebe que os diferentes parecem deixar de lado suas limitações, seus apontados defeitos para serem heróis, serem fadas, serem bichos.

No meio de uma ciranda de roda animada não há distinção de cor, de pés tortos, de cabelos desgrenhados, de menina e de menino. O que está em jogo é somente o ritmo do sacolejo, cada um do seu jeito, e a felicidade da infância.

Ficar muito tempo sem ver uma menina de maria-chiquinha nos cabelos, entretida em um balanço com as pernocas esticadas ao vento, oculta a nata vontade de sair voando pelo mundo, oculta o desejo de ser livre e de trabalhar pela liberdade dos outros. Conviver com crianças ajuda a ser mais sensível com necessidades alheias.

Nada é mais pedagógico no enfrentamento de dores íntimas do que uma visita a um hospital pediátrico, do que conhecer histórias de pequenos que labutam para continuar brincando de casinha, de bombeiro ou de casinha do bombeiro. A força infantil diante das adversidades é revigorante frente a fragilidades adultas.

Quando não há criança por perto, perde-se a malícia de dizer a si mesmo que as dores irão passar em algum momento —de preferência, logo e com um beijinho—, que perder faz parte do jogo, que temos de ter paciência até com o “véio da Havan” e seus impropérios contra as pessoas com deficiência, pois todos merecem respeito mesmo mergulhados em sandices.

Observar crianças faz renovar o desejo de defender bandeiras que consideramos justas, faz a gente cantar com mais animação as cantigas de esperança do final do ano. Incluir crianças na vida, mesmo que as olhando de longe, revigora o ânimo de acreditar em dias melhores. Feliz Natal! Até 2020!