Sensações de família

Jairo Marques

Deve ser coisa da idade, da mente mais madura e um tanto mais alucinada pelo ritmo da vida. Tenho frequentemente congelado momentos cotidianos na cabeça, como se fossem quadros de Monet, cujos detalhes e textura a gente fica observando com admiração. E essas minhas pinturas mentais são monotemáticas, abordam situações em família.

Há algumas semanas, montando a árvore de Natal, minha filha biscoita ficou mais empolgada que as renas de Papai Noel no dia 23 de dezembro. Ela olhava com fascínio para os enfeites, sorria largo a cada nova copa que se erguia no ornamento, vibrava em estar ali, com o papai e a mamãe num ato que simbolizava o início de um “tempo bom”.

“Mãe, mas cadê a estrela da ponta da árvore?”. Nunca havíamos pensado —muito menos sentido falta—, do raio da estrela. Dias depois, ao chegar do trabalho, Elis me pede para cerrar os olhos, me empurra até a varanda e, numa alegria de primavera, grita: “Olha que linda a nossa árvore, pai! Agora tem uma estrela!”, disse a menina após um passeio de comprinhas básicas no shopping.

Ainda por esses dias, catei uns trapos e, numa marinete voadora, deitei o cabelo lá para Três Lagoas, minha cidade natal, de surpresa, para visitar minha velha mãe, que sempre reclama, com razão, de minhas ausências.

Era tarde de uma quarta-feira quando bati palmas em frente à casa de número 32. Mamãe saiu de lá meio cambaleante, displicente.

Foi um susto, um chacoalhão nas ideias, uma aparente ruptura na lógica do tempo e da monotonia por ali. Minha velha demorou ao menos meia ampulheta para se dar conta do que estava acontecendo, de que era eu mesmo e minhas quatro rodas ali em casa, vindo da “cidade grande”, assim, num repente.

A reação que vi da minha mãe foi inédita. Ela tremia, chorava, me abraçava e procurava lógica naquele momento que parecia tão improvável. “Mas como você aparece assim?”. Fui tomado por um conforto e um aconchego e criei um self protrait mental à la Van Gogh de nosso abraço.

Por fim, tive a chance de ver Caetano se apresentando com os filhos Zeca, Moreno e Tom, no encerramento da delicada turnê de Ofertório.

Para um fã como eu, é um desbunde poder degustar quase de pé de ouvido “Trem das Cores”, “Reconvexo”, “Oração ao Tempo”, “Boas-Vindas”, mas o melhor foi mesmo a nova pintura que gravei.

Em diversas ocasiões, o cantor e compositor baiano ficava hipnotizado diante da desenvoltura de seus meninos no palco, diante da reprodução, por eles, de suas obras-primas da música popular brasileira.

Quase babava de satisfação com a dança de um, sorria largo com o desempenho vocal do outro, parecia se orgulhar com os olhos depois dos dizeres afirmativos do mais velho, Moreno.

Existe um poder humano fantástico gerado pelas —boas— sensações criadas em família. São restauradoras do enfado da rotina, ligeiramente hilariantes, gostosas de rememorar.

Talvez seja algo ligado à natureza de nos manter unidos para enfrentar as intempéries do mundo lá fora ou uma espécie de liga divina para que consigamos nos tolerar depois das discussões das festas de final de ano.

Seja o que for, já há organizações sociais do Brasil e do exterior se preparando para fomentar iniciativas que retomem a importância do convívio, do momento em família, como mecanismo de proteção, aconchego e fortalecimento, principalmente, das crianças. Faz todo o sentido.