Uma régua pra medir os outros

Se agitar direito o governo amor à família do Bolsonaro, dá para incorporar a ideia já no material didático do ano que vem, sem custos efetivos, bastando algum esforço didático e revisão bibliográfica básica: é uma régua especial, que não mensura as pessoas e as coisas de acordo com uma só visão de mundo, uma só maneira de encarar o que é certo, o que é possível.

A carência de uma régua certa para medir os outros tem colocado o mundo em situações de muito embaraço, como xingar uma adolescente que quer defender o planeta do extermínio ou querer exterminar um povo índio que só quer viver em outro planeta.

Do mesmo modo que a régua geométrica auxilia a entender formas, a medir distâncias e a compreender ângulos fundamentais para a vida diária, para o progresso, a régua de medir os outros é indispensável para o convívio fraterno, para o entendimento das dimensões do pensamento, para o acolhimento que, em algum momento, todos precisam.

Mas onde seriam fabricadas tais réguas? Na casa de qualquer um é possível fazer, com alguma disposição ao diálogo, com um pouco de colírio que faça olhos reluzirem e com cada um usando o seu tutu. Isso eu já explico.

Elis, minha filha biscoita de quatro anos, quis demais fazer aulas de balé. Com alguma descrença de que aquilo daria certo, pois a menina é um escândalo de desequilíbrio, daquelas que você avisa —“cuidado com o elefante amarelo no caminho”, mas, assim mesmo, ela tromba no bicho sem querer— ela começou as aulas nesta semana.

Antes da sessão, reivindicou um coque —eu nem imaginava que ela já sabia o que era isso— “bem feitinho”, depois, quis um tutu que fosse igualzinho ao da Laurinha, no que mamãe explicou:

“O seu tutu já é bonito, filha! E cada um tem o seu, com sua beleza, com seu conforto, com seu tule. Na vida, nem sempre faz sentido e é legal a gente ter o mesmo tutu, a mesma boneca. Cada um é de um jeito, cada jeito forma um colorido e o colorido é lindo.”

Elis, seu coque “bem feitinho” e seu tutu, que não é igual ao da Laurinha Foto: Arquivo Pessoal

Na casa da Silvia Prin Grecco, que ganhou um prêmio da Fifa ao ter sido flagrada em um estádio narrando pacientemente os jogos do Palmeiras para o filho Nickollas, que tem deficiência visual e autismo, também há uma usina de réguas para medir os outros.

Em seu discurso de agradecimento, feito de improviso, ela mandou: “O maior prêmio hoje é a gente poder estar representando tanto os excluídos, as pessoas que vivem à margem, tantas pessoas que o vizinho do lado não enxerga. É a gente poder estar falando isso, mostrar que eles existem, buscar respeito, oportunidade para todos”.

Uma vez adquirida, incorporada ao caráter, o que vai exigir afinco e insistência nos ensinamentos, a régua de medir os outros não enverga, não é esquecida em um canto qualquer. Ela prospera sempre ao ponto de não deixar jamais que o dedo indicador fique em riste para ditar verdades sem amplos parâmetros, para que ele aponte sem antes analisar diversas direções.

Seria “maraviwonderful” ver nas escolas cada aluno tirando de seu material didático, de seu projeto de existir, a sua régua de medir os outros. Daria até para sonhar com um futuro cheio de tutus diferentões, uma hora do recreio ainda mais animada.

Aos alunos que já têm em meio a seus pertences esse instrumento, vale o estímulo para sacá-lo sempre que um preconceito surgir, que alguém for diminuído, que uma maneira de expressão for ceifada. O mundo é bão, Sebastião, mas quando ele é plural, é ainda mais legal, Sidney Magal.