Aproveitando vácuo de representação, governo Bolsonaro chama ‘caminhada’ pelos que não andam, não ouvem…
Um pouco por falta de fôlego, outro pouco por desmobilização e desengajamento social e um tanto por apropriação indevida e constrangedora de partidos políticos e associações oportunistas, as grandes cidades brasileiras deixaram de fazer um tradicional ato de protesto nesta época do ano, a Passeata do Movimento Superação, em que se celebrava o dia nacional de luta do povo “malacabado”.
Neste ano, o próprio governo Bolsonaro, por meio da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, debaixo das asas da ministra Damares, tratou de se enfronhar na questão e chamar uma “caminhada nacional” do povo avariado das partes, dos sentidos e da cachola, com o palco principal saindo de São Paulo e caindo no colo da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, em Brasília, no próximo sábado (21).
É uma perda gigantesca de representação, que desembarca do controle de um povo determinado, com dificuldades as mais variadas para sair de casa em suas cadeiras de rodas, muletas, andadores e demais apetrechos de acessibilidade, mas que saía, para dar protagonismo a quem não precisa de holofote. Não bastou aquele vestido amarelão no 7 de Setembro?
Não desdenho de ter o apoio confuso do governo nas causas que envolvem a pessoa com deficiência —confinadas, até agora, na multiplicação de intérpretes de Libras nas cerimônias oficiais, na adoção de alguma medicação para doenças raras e na óbvia concessão vitalícia de um benefício às crianças microcéfalas vítimas da zika—, mas querer unificar esse grupo social como adesista e vigorosamente assistido pelo Poder Executivo é uma temeridade.
Afinal, qual o posicionamento de Bolsonaro sobre a reserva de vagas no mercado de trabalho para a pessoa com deficiência? Que apito ele toca em relação à representação dessas pessoas em seu governo? Não vi ninguém prejudicado das partes no primeiro escalão e gatos pingados no segundo.
O governo apoia a educação inclusiva e vai fomentá-la? Isenção de impostos para igualar oportunidade é privilégio ou cidadania? O que se vê até agora é um atravessado de opiniões com pouquíssimas visões ligadas a demandas contemporâneas, modernas e libertadoras.
O que sempre está claro na fala do presidente é: “Não governo para as minorias”. Até onde sei, o povo que não anda, não vê, não escuta, baba pelo canto da boca, tem as mais diversas condições de viver com atípicas maneiras de ser e pensar forma uma minoria que, por lógica, está de braço dado com os coirmãos LGBTs, negros, índios, malpassados etc.
As passeatas, quando legitimamente representativas, servem de grito social de alerta de que pessoas estão sendo apartadas de direitos, de acesso, de vez na fila, de vaga no trabalho, de lugar no mundo. São apelo aos quatro ventos para ser respeitado e acolhido diante sua condição, qualquer condição.
O Superação levava à avenida Paulista, à orla de Copacabana e as outras várias capitais um montão de gente —dentro de nossas peculiaridades, juntar 30 é quase uma multidão— torta disposta a ser protagonista de si mesma, com alguma consideração dos demais vários atores sociais.
Quando nos colocam cabresto, o que se sobrepõe é uma amostração de imperfeições com amplo poder de causar comoção e se jogar moedas, de fomentar o assistencialismo puro que tem braço dado com o imobilismo.
As pessoas com deficiência clamam por ter voz própria, pode ser fanha, gaga, cheia de sotaque, mas legitimamente própria.