Um aplicativo para ser humano

Aos poucos, tem sido possível notar que há um enorme contrassenso em torno dos aplicativos tecnológicos que são criados aos borbotões geralmente com a finalidade de melhorar a vida do “serumano”, de torná-la mais prática e versátil.

Enquanto os bits trabalham buscando o veículo mais próximo para te levar à casa da vovó no Jabaquara, dispondo a lista dos restaurantes naturebas mais badalados e mostrando telefones de “consertadores de torneira” em sua região, está tudo certo. É a festa da comodidade do século 21!

Os perrengues começam a ocorrer quando toda a modernidade, impessoalidade e praticidade do app precisam interagir com a “interface” comedora de arroz com feijão e efetiva beneficiária —e pagadora— de um serviço requerido.

Comigo é assim: peço um carro pelo aplicativo, como qualquer pessoa, para realizar uma tarefa do dia a dia.

Checo o valor, confirmo e pronto. É só fazer mandinga para conseguir chegar ao destino, pois, logo que o motorista para ao meu lado, vem uma saraivada de questionamentos (isso quando ele não cancela a corrida e vai embora):

– A cadeira de rodas vai no carro também?, costumam perguntar os “motoras”, sem ao menos saírem do veículo, sem fazerem um afago, sem falarem do frio…

– Não, não. Ela é treinada. Vou jogando ração pela janela e ela vem correndo atrás do carro, costumo responder brincando.

Outro dia, um rapaz da Uber me disse uma nova:

– Meu carro não está preparado para vocês…

Olhei ao meu redor para tentar encontrar quem mais iria comigo.

– Moço, se eu for esperar que o mundo se prepare para mim, vou ter de me guardar no formol.

– Ah, mas tem o Uber Bag!

– Ser uma mala. Olha o que me restou na vida, pensei.

O que pouco motoristas de aplicativo fazem –e seus patrões cibernéticos pouco estimulam– é tentar agir com empatia, perguntar a melhor forma de atender, perguntar como proceder diante de uma necessidade diferente do dia a dia.

Com a conveniência de trabalhar com um app, fica de lado um treinamento —ou mesmo uma refrescada relativa a valores que a gente aprende quando criança— que aborde questões inerentes à interação humana, o que dificilmente o logaritmo irá dar conta.

Quando se pede uma lasanha pelo programa do telefone celular e depois de duas horas de espera o “sistema” cancela a compra, parte dos consumidores não vai querer um bônus para usar no dia seguinte —em que não se quer mais comer massa— e seguir para a cama com fome, fazendo cruz na testa.

Que raios aconteceu com o seu Manuel da cantina que nunca falhava? Ou será que houve algo com o entregador durante a tempestade? Ou será que o aquecimento global queimou o jantar?
Coisas de gente, coisas de sentimentos.

É “maraviwonderful” poder contar com avanços que parecem fazer o mundo ficar na palma da mão, que ampliam as possibilidades de aproveitar a vida. Mas os mecanismos que colocam a realidade no futuro, que otimizam a maneira de ser, não podem se furtar de enxergar o peito dos desafinados, dos pouco descolados, dos não padronizados.

Qualquer tentativa de desenhar o futuro cheio de conectividade e liberdades não pode excluir a diversidade e as múltiplas maneiras de ser de suas funcionalidades, pois, sendo assim, terá fracassado no básico conceito de evoluir para além da caverna.