Eita mulher chorona…

Ela começou cantando baixinho, dando um sorriso característico, maroto, de canto da boca: “Eita mulher chorona, chora feito uma sanfona”.

Não deu tempo nem de eu instalar alguma perplexidade, de cair da cadeira e biscoita já seguia golpeando meu coração fraco, levando as mãozinhas fechadas aos cantos dos olhos, agitando os quadris e dançando com empolgação sua música caipira.

“Arruma as ‘mala’ e diz que vai embora, dali a pouco se arrepende e chora. Chora de amor, chora de paixão, chora de saudade, chora de emoção”, cantarolava minha filha, agora já deitada no chão, com os pés balançando ao vento e com a euforia na estratosfera.

Sim, era a mais pura verdade. Criada, até aqui, com todo o cuidado do mundo para entender os valores da diversidade, da igualdade de gênero e da beleza de ser quem se é, Elis, 4, está mais empolgada que borboleta viajando para Holambra com a música e coreografia que interpretará na festa junina da escolinha.

E ela adora a escolinha, as professoras, a hora do lanche, a tartaruga e, agora, também a canção de intenção e mensagem questionáveis. E a cada visita que vai lá em casa, uma nova exibição ao som de “chora quando quer, chora sem parar. Mulher chorona, chega de chorar” é encenada para a gargalha coletiva.

Confesso que agora rio alto com a animação da minha menina, que só vê naquela breguice um ritmo gostoso e gestos ritmados, bons para dançar, em seus ensaios.

Há um precipício entre valores que defendemos e nos orgulhamos de levantar e aqueles que vão ao encontro de nossos filhos nos mais variados lugares que frequentam, seja a escola, a brinquedoteca, o show da Palavra Cantada ou a casa da vovó.

Não se podem dominar os ambientes todos, querer que eles sigam a cartilha de nossos valores. O que dá é para agir diante uma rota que não se vê como a ideal dando informação, explicando conceitos, mostrando maneiras de ver o mundo.

Penso que acima do meu desconforto por biscoita estar levando para seu imaginário alguma referência torta de que meninas são frágeis e vivem a choramingar está a chance de ela trazer para casa um tema para tentarmos mostrar uma nova vertente.

Ela mesma pouquíssimo chora, tem muita vontade própria para seu tamanho e vive deixando o homem da casa, no caso, eu, todo emotivo pela falta de um abraço ou de um beijo de boa-noite esquecidos. Mesmo eu quase fazendo as “mala”, ela deve pensar: “Eita papai chorão”.

A escola de pitchuca tem galinha, tem colegas multicoloridos e crianças com deficiência. É comandada há décadas por mulheres, tem amplo diálogo com os pais, mas tem coreografia junina que atenta, em algum grau, com o feminino do século 21.

O fiel da balança entre o que se deseja para os filhos e o que eles encontram em seus caminhos deve ser a alegria e a realização da criança. Não posso impedir biscoita de bailar o seu São João depois do esforço de aprendizado da dança e da empolgação em que está com o festejo.

Dá para pular a fogueira, pedir casamento a Santo Antônio e deixar o balão cair ao mesmo tempo que se pensa que tudo isso é tesouro antigo, mas que precisa ser lapidado com um pensamento mais contemporâneo que envolve diálogo, entendimento histórico de manifestações culturais e ampliação do olhar para além dos muros.