As questões pouco conhecidas sobre o desfile de crianças para adoção em MT
Ao longo da minha vida profissional, por diversas vezes me deparei com histórias e dramas relativos à adoção de crianças e adolescentes. O desfile em um shopping de Cuiabá (MT) de meninos e meninas sendo exibidos no afã de conseguir uma família é um deles —nem é o maior nem será o último.
Para boa parte das pessoas, a face conhecida desse entrave social é a da necessidade urgente de encontrar acolhimento a esse público e nesse contexto se reclama de tudo: de o processo ser longo, de a fila ser grande, de as exigências serem detalhadas, de haver pouco bebê e mais “menino grande” à espera.
Na outra ponta, a da busca concreta por soluções, está um grupo relativamente pequeno de transformadores de realidades que convivem 24 horas com a missão de zelar, promover alguma qualidade de vida e, evidentemente, encaminhar esses “seres de ninguém” para portos mais seguros.
Cabe a juízes, promotores, assistentes sociais, agentes da infância e da juventude, que lidam diuturnamente com pequenos —e médios— sem famílias, lidar com o cotidiano angustiado, carente e, muitas vezes, debilitado de várias formas desse público.
São pessoas que, além de perder o sono e as festas tentando lidar com as dores das perspectivas de abandono de crianças vindas de lares encharcados de vícios e desgraceiras humanas, ainda precisam pensar em maneiras de “sensibilizar” o povo a amparar em um novo lar a menina negra de 13 anos, há seis abrigada, o menino cadeirante, todo atrofiado por falta de reabilitação adequada, os irmãos que não aceitam ser separados.
Toda pessoa genuinamente envolvida no mundo da adoção se esmera na busca de alternativas para encontrar portas de entrada para novas vidas para os que estão tutelados pela gélida mão da Justiça: às vezes se acertam em cheio dezenas de corações solidários, às vezes se fazem desfiles polêmicos, que doem em nossas consciências, mas que, ao custo do estranhamento, jogam luz sobre o que é preciso iluminar.
Voltando algumas casas, pouco se quer saber se as taxas de devolução de crianças adotadas são significativas e o tamanho do transtorno, da decepção e da tristeza que isso provoca, afinal, será uma segunda (terceira, quarta) rejeição, momento de desolamento.
Também pouco preocupa o cidadão comum que, por mais detalhada que seja a busca de um novo pai ou mãe para uma criança, há pessoas na fila cuja intenção não é bem a de formar uma família, mas a de negócios, trabalhos escusos e afins. Já pensou sobre isso?
São as pessoas da linha de frente dos processos de adoção as que se afligem profundamente quando o “tempo de casa” das figuras em aguardo de adoção está se acabando e elas terão de deixar a estrutura do abrigo para viver por conta própria. Ao relento? Quem sabe?
Também são elas que ficam com as emoções conflitantes pelas crianças que não foram escolhidas ou se quer foram acalentadas durante uma promissora visita.
São elas quem recolhem lágrimas pelo tempo que não chega, pelo amor que falta, pela casa sempre fria.
Do mesmo modo que causou estranhamento o desfile de Cuiabá —que de tão constrangedor de ver pela tela do celular não se quer nem discutir—, deveria causar mal-estar a invisibilidade do drama do aguardo pela adoção, a falta de passarelas para a felicidade para os grupos que fogem ao padrão “bebê, branquinho e fofo” e cujas esperanças são depositadas em polêmicas ideias.