Quantas vidas você já teve?

Tentando entender um pouco da complexidade e da magnitude do famigerado e aclamado buraco negro, cujas imagens foram tão comemoradas semanas atrás, comecei a pensar em quantas vezes a vida da gente é engolida, transformada, jogada em outras dimensões, posta em novas direções.

E a maravilha da existência é tão perfeita que ilude a compreensão dos acontecimentos. É muito difícil perceber, sem que se pare e se firme o pensamento, que cada ser vivente tem um si um buraco negro que, ao longo da vida, suga diversas vezes tudo o que se acredita, leva para suas profundezas amores tão amados, desconecta de nossa cabeça pensamentos que eram tão sólidos.

Se estamos em uma constante evolução, também estamos num constante descarte de experiências, de sentimentos, de amargores e de esperanças. Essa força interna, inerente ao humano, pode ser traduzida, em livre interpretação dos desígnios, como vidas vividas, experimentadas. Por que não?

Sentimento bastante comum nos dias posteriores ao achado interplanetário foi um medinho de que, de uma hora para outra, a Terra fosse também sugada e tudo o que foi construído, toda a história desenhada, sumisse em meio à dúvida e a uma misteriosa escuridão. Ninguém seria poupado.

Analisando mais compassadamente, as desconstruções do que somos, o desvario da lógica do dia a dia é fundamental para seguir adiante. Sem a possibilidade de ter “novas vidas” durante a vida, o mundo seria uma massa de zumbis insatisfeitos e tristes por terem perdido uma grande oportunidade de morar em Pasárgada ou por terem deixado escapar a chance de conhecer Adamantina.

A questão mais profunda desse debate é que pouca gente chora o suficiente, se comove o suficiente e entende o suficiente essas “mortes pontuais”, que não são pela bala, pela doença perversa ou pela fatalidade, mas que são em si essenciais na dinâmica dos universos íntimos. Esse cada um por si machuca e atrasa o reflorescer, o reviver.

A gente morre de angústia, morre de arrependimento, morre de medo, morre de paixão, morre de raiva, morre de vergonha, morre em um trauma, morre com um diagnóstico, morre de fome, morre pela boca —pela nossa e pela dos outros—, e toda essa falência, na maior parte das vezes, escorre dentro de nós mesmos, abrindo novas janelas em antigas moradas ou em condomínios recém-erguidos.

Talvez os buracos negros, o cósmico e os internos, não passem de soluços da alma e do Universo para tentar deglutir o que foi criado desastrosamente, o que foi construído de maneira malsucedida para recomeçar no intuito de fazer melhor. É um pensamento.

Quanto mais se conhecerem —e se fotografarem— as características do Universo, mais o homem conseguirá dimensionar as possibilidades de viajar dentro de si mesmo, galgando, quem sabe, mais discernimento para enxergar o outro, para compreender seus lutos e para fazer melhor análise de suas mortes e de suas derrotas.

Da mesma maneira, é bom ter alguma ciência de quantas vidas se viveu, sem que necessariamente se tenha perdido a chance de emergir do buraco, para reavaliar a rota escolhida, para evoluir nos valores que se defende, para se agradecer ou se aborrecer e, sobretudo, para compreender e ensinar mais sobre a amplidão do viver.

Estou numa fase ligeiramente filosófica, mesmo as “humanas” estando tão em baixa e o pensar —principalmente sobre si mesmo— tão de lado. Em breve, volto à programação normal… quer dizer…