Como a vida em redes auxiliou e fortaleceu mãe de criança com Down

Se as redes sociais e a ampliação das possibilidades de interação entre as pessoas acabando se tornando palco de desavenças, também é verdade que esses instrumentos da modernidade abriram uma nova fronteira para dar qualidade de vida a grupos que antes tinham de “se virar” para obter informação e inclusão.

Mães e familiares de pessoas com deficiência são os principais líderes de plataformas de trocas de experiências que chegam a juntar milhares de pessoas que se apoiam, se incentivam, se fortalecem mutualmente.

Isso possibilitou que os “lutos” das deficiências perdessem o fôlego de anos de choro, de inconformidade e até de desespero. Chuvas de possibilidades novas diante a adversidade, dicas de como agir, de como reagir dão a tônica de discussões que se refletem positivamente na vida das pessoas.

A jornalista Carla Beraldo, mãe do Felipe, conta sua experiência na prática, com desafios e encantamentos, mas o fundamental prazer de exercer a maternidade, de conduzir uma vida diversa em evolução, em ganho de autonomia e de busca por cidadania.

A notícia de uma deficiência no filho ou filha é certamente um dos golpes mais fortes que mães e pais podem sentir ao longo da vida. Mas é engano achar que ninguém jamais está preparado para isso. Porque há milhões de mães que já passaram por essa situação. E elas estão dispostas a ajudar.

São as redes de apoio, um desses mecanismos sociais que sempre existiram, mas que as redes sociais e o WhatsApp elevaram à enésima potência nos últimos anos.

Tive um irmão com paralisia cerebral, o Bruninho. Aprendi desde meu primeiro ano de vida que todos éramos iguais, muito antes do tema inclusão (finalmente) ganhar o mundo como vemos hoje – com espaços como este na Folha, por exemplo, e os textos geniais do dono da coluna, o querido Jairo Marques.

Felipe leva uma vida como qualquer outra criança, mas com cuidados multiprofissional para seu desenvolvimento Foto: Arquivo Pessoal

Bruno não andava, mas isso nunca impediu a mim e a minha irmã de apostar corrida com ele, de levá-lo para a piscina, escorregador, praia, balanço e tudo o mais que qualquer criança faz. O mundo que eu conheci era um mundo em que as pessoas com deficiência eram tratadas como iguais.

E mesmo crescendo e vendo que o mundo não era bem assim, e estudando muito o tema justamente por isso, foi apenas na gravidez que eu realmente percebi o quanto eu jamais estive preparada para lidar com a notícia de que meu filho tinha síndrome de Down.

Percebi o quanto eu não sabia, o quanto o que eu sabia não funcionava mais hoje em dia, e como a falta de informação alimentava o preconceito. Felipe completou 4 anos, é branquelo, tem um cabelinho de algodão, é bonitão, inteligente, engraçado, sapeca, ama música e tem 47 cromossomos.

Mesmo com médicos atenciosos, apoio da família e acesso a muita informação, o conforto só veio mesmo quando passei a conversar com outras mães que já haviam passado pela mesma situação.

Se uma mãe sozinha já é um trator, imagina dezenas, centenas delas agrupadas e organizadas, com as mesmas angústias, as mesmas dificuldades, as mesmas demandas e os mesmos desejos. Melhor sair da frente.

Foi numa dessas redes de apoio, acolhida por outras mães que me compreendiam melhor do que eu mesma, que finalmente as respostas começaram a chegar com mais velocidade do que as dúvidas.

Suporte familiar é fundamental para uma criança com Síndrome de Down se desenvolva e crie autonomia; Bruno, o pai, com Felipe e Carla Foto: Arquivo Pessoal

Conheci outras mães que moravam na mesma cidade que eu. Isso foi fundamental para fortalecer a rede de atenção de meu filho, com fonoaudiologia, fisioterapia, terapia ocupacional, natação, pediatra. E, claro, marcamos encontros, festas, piqueniques, passeios e tudo o mais que envolve a rotina de qualquer criança.

O apoio que recebi de outras mães eu hoje procuro retribuir, me colocando à disposição para acolher e amparar no que for possível.

Nesse terreno mora a responsabilidade de confortar, explicando que as expectativas para o desenvolvimento de uma criança com síndrome de Down não são diferentes das expectativas para qualquer criança; que os filhos e filhas encontrarão no futuro um mundo muito mais pronto para recebê-los do que gerações recentes; e que a vida de uma pessoa com deficiência é uma vida normal, mas que pra isso temos que fazer sempre um esforcinho a mais.

Carla acredita que o acolhimento à distância tem resultados na criação do filho Foto: Arquivo Pessoal

Mas mora também a responsabilidade de alertar para os desafios diários, como a estimulação adicional; sobre os ambientes despreparados para receber nossos filhos; e, principalmente, de prepará-las para situações de preconceito e discriminação, que, mesmo com os avanços legais e sociais dos últimos anos, ainda são mais regra que exceção.

O CHAT21 (Central Humanizada de Apoio à Trissomia 21) é o primeiro projeto no Brasil que oferece acolhimento à distância, gratuito, para as famílias de crianças que recebem o diagnóstico de síndrome de Down.

Em menos de dois anos, mais de 700 famílias já foram acolhidas. Se conhece alguém que recebeu a notícia de que seu bebê tem síndrome de Down, pode indicar!

Com certeza haverá muitas mães preparadas para ajudar. Há de haver espaço para todos neste mundão. Como endossa Carl Sagan: “para criaturas pequenas como nós, a vastidão do universo só é suportável por meio do amor”.