Ter um filho raro fez mãe ‘mudar a lente’ de ver o mundo
Com muita mobilização, aos poucos, a sociedade começa a entender um pouco a respeito de um universo quase oculto em suas dores, desafios e diferenças marcantes: o mundo das pessoas com doenças raras.
É considerada doença rara aquela que acomete 1,3 indivíduos em cada 2.000. São incuráveis, mas a medicina trabalha cada vez mais para dar qualidade de vida e oferecer medicamentos que atenuem ou eliminem seus efeitos, que são os mais diferentes.
Por isso, a efetivação de uma política nacional de atenção é tão necessária e urgente para esse grupo de pessoas, ainda um tanto estigmatizado, ainda um tanto sem acesso ao básico de cidadania.
Receber em casa um filho com uma síndrome rara é ser conduzido diretamente para um caminho absolutamente desconhecido e que exige ser desbravado com esforço pessoa, resiliência, amor e busca de conhecimento.
Na postagem de hoje, Viviane Santos Roque, 36, gerente administrativa, mãe do Lucas, faz um relato contundente de sua experiência como “mãe de um raro”, ao mesmo tempo em que conduz ao leitor a uma atmosfera de reflexões em relação a vida, ao respeito ao próximo e ao amor…
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Ser mãe de um raro é um grande privilégio e eu vou me esforçar para falar porque uso esta afirmação tão positiva, quando muitas vezes experimentamos situações amarga durante a caminhada como mãe de uma criança especial.
Na minha gestação nada do que eu havia planejando aconteceu, aliás na vida do Lucas tudo o que aconteceu estava fora do padrão. Gravidez de risco, repousos, exames e visitas médicas quase que semanais durante as 36 semanas de gestação.
Sim, a cada ultrassom eram notícias tristes, dúvidas e a indefinição: o que realmente ele tem? Suspeitaram de uma síndrome, sugeriram procedimentos invasivos e até o abordo. Nasceu! O que ele tem? Não sabiam!
Exames, faltava informação. A cada visita àquela UTI era um frio na barriga: Ele estaria vivo? Quantas incertezas!
Foram 15 dias para registrar meu filho! Sem diagnósticos não poderiam registrá-lo. Quanta angústia! Qual melhor tratamento? Quais especialistas buscar? Por onde começar? Por que não respira pelo nariz? Por que usa traqueostomia? Por que não consegue comer? Darei meu leite? Necessita de cirurgias ortopédicas? Vai falar? Terá comprometimento neurológico?
Quantas perguntas, quantas dúvidas quanto medo! Medo de não dar conta, medo de não ser uma boa mãe, medo de não conseguir dar o melhor que a medicina oferece, medo do futuro! E eu? E minha vida? Minha profissão? Meu casamento?
A gestação difícil foi um estágio para este momento. Nela aprendi a filtrar o que os médicos falavam e a ouvir a voz da fé, a crer que dias melhores viriam.
E foi isso que na segunda semana de UTI neonatal comecei a colocar em prática. Um dia de cada vez! Este era meu lema. Um problema por vez.
Futuro? Meu futuro era a próxima semana somente. Assim foram os 83 dias que ficamos ali. Saímos e fomos para casa. Os dois primeiros anos a nossa luta era pela vida, respirar e comer sem “acessórios”.
Dois anos de internação domiciliar, 10 cirurgias, terapias diárias, dezenas de consultas médica, essa era nossa rotina. A cada consulta tinha que explicar a síndrome aos médicos que sempre afirmavam: nunca ouvi falar dela.
Sem muito histórico, poucos casos documentados, não sabíamos e ainda não sabemos o que o espera no futuro. E é desta forma que meu esposo e eu decidimos criar e educar o Lucas. Ele pode o impossível! Entendemos que toda a inclusão precisa ser criada, construída.
Quando procuramos uma escola, buscamos uma que estivesse disposta a esta construção e não uma que atendesse somente a lei. Foram mais de 15 ligações para diferentes escolas e respostas que prefiro não comentar. Sim, o mundo é cruel, tem muitas pessoas despreparadas.
Se tivéssemos mais amor, respeito e compaixão, as leis não seriam necessárias. Mas em meio a tudo isso, encontramos pessoas dispostas a ajudar, pessoas dispostas a incluir e amar.
O Lucas é portador de uma síndrome rara, síndrome fémur-facial. Ele tem independência, liberdade, ousadia e uma vida com mais adrenalina aos 5 anos do que eu tive em meus 36.
Faz fisioterapia diariamente, terapia ocupacional, natação, capoeira, desce pista de skate com a cadeira de rodas, adora toboágua, mergulha e fica 17s embaixo da água, canta, dança, tem amigos e é querido!
Ter um filho raro me fez ser persistente e lutar pelo o que eu realmente acreditava: a vida! Me tornei ainda mais forte e decidida. E é sobre neste ponto que eu afirmo ser privilegiada. Ele me fez melhor!
Mudei a lente que vejo o mundo, a vida por mais difícil que seja, pode ter um sabor doce, e agradável. Afinal, deficiência é tudo aquilo que te limita, mesmo você sendo perfeito.