A diversidade cosmética
Muito rapidamente, marcas e empresas têm incorporado em seus discursos e em seus cronogramas de atuação medidas que vão ao encontro daquilo que a sociedade tem feito extrema pressão para ver concretizado: o acesso dos mais diferentes grupos nas mais diferentes formas de representação.
O que deveria ser motivo de comemoração por, enfim, o mundo começar a entender que a mistura é sempre mais interessante que a enfadonha homogeneidade, abre caminho para uma nova preocupação ao time dos multicoloridos: a apropriação das conquistas, a necessidade de embelezamento do que, ao senso comum, seria fora dos padrões.
Isso quer dizer, em fatos mais concretos, que se tem embalado o discurso da diversidade em um arrazoado de marketing, de maneira bastante controlada, preferencialmente com apelos modernos de música descolada, de tatuagens exóticas, de vestimentas folgadas e de atitudes supostamente libertárias.
No comando de tudo, seguem as mesmas mentes de sempre ou pessoas novas, com traços suaves e bem controlados pensamentos de inovação. E não é preciso grandes esforços para perceber a aparelhagem de mais do mesmo por trás de iniciativas que deveriam ser diversas.
Seminários e congressos a respeito do tema são totalmente tocados por intelectuais brancos, héteros, limpinhos e malhados, departamentos de diversidade são comandados por quem conhece essa demanda sempre da perspectiva do gabinete de onde nunca saiu, mas com tudo muito bem aprendido com o suor daqueles que sempre clamaram por mais atenção.
No tocante à pessoa com deficiência, o que se percebe é o medo de dar oportunidade àqueles tortos demais, que babam demais, que exalam demais um jeito único de ser. Melhor fazer tudo aos poucos e contratar aqueles casos mais “leves”, quase imperceptíveis.
Os gays festivos, com perfumes de grife e ego nas alturas serão sempre melhores candidatos a líderes do que as trans que mal conseguem comprar maquiagens que fazem guardar para si suas dores intensas do convívio feroz com a rua, com a marginalidade.
O negro que aproveitou com afinco as oportunidades que as organizações que reconhecem o esforço pessoal, meritocrático e dão bolsas de estudos em colégios caros e até mandam para Harvard terá mais chance de assumir a diretoria de qualquer coisa do que o menino preto que teve de trabalhar desde os 11 anos para ajudar em casa, fez faculdade em período noturno, mas que jamais deixou de pensar sobre como mudar positivamente a humanidade.
E por aí seguem os velhos, os indígenas, a mulher que é mãe de três filhos, o autista, o pobre que não transitou de alguma maneira pelo caminho dos ricos. Todos têm suas batalhas históricas, algumas mais antigas e dolorosas, nenhuma com permissão de se sobrepor à outra, mas, sempre de se somar e de fortalecer a outra.
A essência da personalidade do ser diverso é quase invariavelmente subjugada pelas características que se tenha em harmonia com o que se conhece, com o que é bonito, “normal” e comum.
Não é regra, não é conduta absoluta, mas é ponto de alerta para que toda uma batalha não tenha sido em vão.
Querer fazer a pluralidade de ser passar pela cosmética do que sempre foi o pensamento reinante, das ideias que vingam, da propaganda de sucesso não tem nada a ver com o desejo genuíno de oxigenar maneiras de tocar negócios, de dar mais luz a algumas penumbras de estar vivo.