Unidos da Cama Compartilhada: o samba atravessado de dormir com filhos

Jairo Marques

Não foi por falta de aviso. Vários dos meus amigos fizeram o alerta de forma enfática: “Se deixar dormir na cama uma vez, não tira de lá mais nunca”. Há quase quatro anos, minha filha biscoita não deixa meu quarto nem com reza brava.

Embora eu brinque de responsabilizar minha mulher pela “moleza” que deu à menina, sou eu mesmo o maior culpado dessa derrota por não ter colocado ordem no sagrado repouso familiar.

Por razões logísticas, é a mãe quem atende Elis nas demandas infinitas de uma criança durante as madrugadas.

É tosse, é pesadelo, é sede, é saudade. Caso a missão de atendê-la coubesse a mim, a menina iria se desidratar de chorar tamanha a minha lentidão em levantar, me equilibrar, passar da cama para a cadeira de rodas…

Isso sem falar que, depois dessa maratona toda, iria eu chegar ao quarto, já no raiar do dia, para a menina me dizer: “quero a mamãããe!”

Nos dias de maior cansaço –quase todos para trabalhadores de uma cidade grande como São Paulo–, então, Elis vai ficando mesmo em nossa cama. Ela, uma pelúcia encardida da Minnie e, às vezes, também um boneco de cachorro chamado Lolla.

Não sei como ainda não fiquei tetraplégico tamanho o desconforto de algumas noites em que ela se atravessa na cama repousando a cabeça no peito da mamãe e jogando as pernas sobre o papai.

Isso sem falar no desconforto nas costelas porque a Minie, não sei por que diabos, vai sempre parar onde não deve.

– Filha, e se um dia você se casar, tiver filhos, como será? Vai todo o mundo para a cama do papai e da mamãe?

– Pai, que ótima ideia!!!

– Filha, olha que quarto fofinho você tem, que cama gostosa, que lençol macio. Por que não dorme aqui a noite inteira? Vamos tentar hoje?

– Pai, eu não tenho habilidades para dormir sozinha.

O Kazuo, 7, filho da minha amiga Fabiana, que também tem juízo fraco e cedeu espaço na cama, deu uma resposta mais animadora ao pleito de dormir sozinho em seu próprio leito: “Quando eu tiver 90 anos!”.

Sei que eu e minha mulher estamos indo contra a corrente que acha que a rigidez e disciplina militar salvam a família e estão na moda, que estamos abrindo mão da nossa privacidade e deixando de trabalhar a independência de uma criança de três anos –há quem defenda isso.

Mas, preciso confessar, quando ela, meio sonolenta, aperta o lóbulo da minha orelha, quando damos bom-dia, os três, entrelaçados em um beijo, quando um monstro atrapalha seu sono e rapidamente a acalmamos com a mão em seu peito, nada mais nos aflige e o peso da consciência se torna pluma.

Pessoas são diferentes, famílias são diferentes, a forma de viver é diferente. Regras, conselhos, manuais ajudam, mas não se comportam com as especificidades necessárias não só para educar e preparar para o mundo, mas para acalentar angústias, adornar personalidades.

Sensação de culpa por inabilidades, frouxidões, ausências ou muito afeto já se tem várias com as crianças acordadas, na hora do sono, pelo menos, que haja descanso.

Neste Carnaval, o plano meu e da mulher é nos jogarmos com tudo no bloco da folia conjugal, com muito alalalô e algum confete, mas temos coração mole e não vamos querer ver nossa jardineira triste, sem samba e sem a sensação de aconchego.

Por isso também já estamos nos preparando para desfilar, com pouco juízo e muito amor, na gloriosa e animada Unidos da Cama Compartilhada.