Afastamento seria fundamental para recuperação completa do presidente
Não é preciso ter diploma de médico para saber que uma internação hospitalar após uma cirurgia complexa, semelhante à que foi submetido o presidente Jair Bolsonaro, é um momento fundamental para que o corpo e a mente se readaptem às interferências sofridas.
Um tempo de repouso e de cuidados permanentes para que a intervenção humana se harmonize com a lógica vital.
O que se tem visto diante da situação de recuperação do chefe da República, porém, é um tormento. Ora é uma fotografia do homem despachando com uma sonda nasogástrica, ora é uma postagem em redes sociais repercutindo algum novo babado ministerial.
Até selfie de dentro do leito presidencial está valendo. Bolsonaro tem subvertido a lógica do necessário descanso da carcaça para um ressurgimento íntegro e, de fato, bem recuperado.
Tenho dúvidas e me permito especular se a equipe do Einstein, hospital onde se interna o presidente desde o dia 27 de janeiro, deu aval total para que Bolsonaro seguisse à frente da nau enquanto sente enjoos, febre, constipações, náuseas e demais perrengues de um pós-operatório.
Por mais dividido que este país esteja, penso ser pouco provável que haveria críticas a um afastamento mais efetivo do presidente para que ele tivesse uma reabilitação como deve ser: tranquila, bem assistida, com conquistas diárias, com recomeços e longe de situações de estresse que roubam da mente a energia que deveria ir para as áreas em processo de cura, de rearranjo.
Uma faca dançou pelas entranhas do presidente, não foi uma picada de abelha, uma unha que se encravou.
O custo de ser o fortão nacional, o homem mais resistente da terra, pode ser altíssimo ao organismo do herói.
Melhor seria passar uma mensagem de que todos nós, uma vez na vida, vamos precisar de um intervalo, com tempos variáveis, para nos recompormos e de que não há vergonha nenhuma nisso.
O próprio slogan de Bolsonaro teria de ser suficientemente acolhedor a ele para abrir mão provisoriamente do cajado do poder, afinal, “Deus acima de todos” daria conta de qualquer parada brasuca.
Mas o que se tem visto é o contrário. O presidente “participa” tanto do pacote da segurança do Moro como pensa num pacote para colocar Damares. Isso sem falar no olho pregado aos movimentos do vice, o general Mourão.
Se por um lado ver o presidente sentado numa maca, de pijama, tomando sopa desperta uma sensação de solidariedade, de vontade de acalentar o enfermo, por outro expõe ainda mais o país, já tão combalido pela lama, pela incompetência e pela corrupção a um vácuo de comando, a uma certa orfandade.
Estar enfermo, em reabilitação, não pode ser um castigo maior do que as próprias dores e dissabores das circunstâncias e deveria o presidente ter a pausa de que necessita, sem o desequilíbrio de pensar em um pé que o sustenta e no outro que tenta guiar um país.
Por mais geniais e habilitados que sejam os médicos e por mais recursos à disposição de Bolsonaro, é a terceira intervenção em um mesmo ponto do organismo que ele sofre e os custos disso para o corpo e alma são cada vez maiores como também deveria ser maior a pausa providencial de recuperação.
É humano ter respeito e dar apoio a um líder convalescente, mesmo em um país de tantas urgências e carente de figuras que fervilhem vontade de mudar no comando e o comando, mas sem as pausas tão necessárias para a vida, tropeços e remendos podem seguir como lógica do poder.