A chegada do pé de feijão
Lá em casa estamos em pânico. Biscoita, minha filha de três anos, que também atende por Elis, vai levar para casa hoje um pé de feijão plantado na escolinha e que agora será de responsabilidade da família.
Na minha cabeça, essa coisa de plantinha era algo que se aprendia mais perto de ir para a faculdade, não assim, de supetão, em tenra infância, colocando pais em desespero.
“Tem que cuidar do pé de feijão, pai! Colocar aguinha, adubo, mexer na terra.” Ela já sabe de tudo. Não tivemos a chance de programar uma manhã de sábado para pegar o algodão, o grão, embeber em água e esperar brotar, crescer e imaginar histórias.
Ela também já sabe o que é um “legítimo esposo”, pois vivemos fazendo casamentos de bonecas na varanda, sabe como “trollar” a mamãe falando que está com dor de barriga para não ir dormir, sabe juntar as letras e formar palavras, sabe cantar “Lua de Prata”, da Gal, quase me matando de tanta fofura.
Enquanto nossa menina aprendia sobre sementes, nascimento, caule, folhas, frutos, amor e vida, estávamos envoltos em discussões sobre Silvio Santos gagá ou oportunista, sobre o deputado eleito Alexandre Frota (PSL) traçando os destinos da educação no Brasil, sobre o medo de casais gays perderem direitos com o novo governo.
Em meio às aflições e dúvidas do presente, às vezes, perde-se o compasso de tentar melhorar as coisas do futuro incentivando mais as experiências que fomentam os milhares de sinapses das crianças e as do germinar de seus pés de feijão, que crescem cada vez mais rápido e trazem com eles novos valores a serem explorados.
“Pai, a Amábile ficou brava porque arranquei folhas do meu pé de feijão e ele ficou magrinho”, disse minha menina.
“Ela está certa, filha. A gente precisa tratar bem os seres vivos. Não pode ir despedaçando tudo. Sabia que dá até para conversar com as plantinhas?”
Em um retrato da turma da escola, com cada aluno agarrado a seu pé de feijão —enviado pela professora como prenúncio de nossas obrigações—, brincamos de comparações e falamos de diversidade.
O do Joca ainda está pequenininho, o da Reb’s criou folhas largas, o do Vini se espalhou todo no vasinho e o da Malu virou uma plantinha discreta. São todos feijões, mas cada um à sua maneira!
Não sei como será a interação do pé de feijão de Elis com o temperamento explosivo de nossa pimenteira. Tenho receio de como ele irá se portar no dia a dia com a pasmaceira do alecrim e com a displicência da hortelã. É certo, porém, que precisa manter distância do jeitão meio seco da espada-de-são-Jorge.
Para ser bem sincero, meu medo maior, na realidade, não tem nada a ver com a horta e suas interações. Meu medo maior é o de que minha pitchuca suba rápido demais pelos ramos de sua plantinha e que lá no alto ainda consiga a carona de uma borboleta espevitada para voar para bem longe das dores deste nosso mundo, para próximo de encantos de outros mundos possíveis.
Mas por que reclamo tanto desse escapar do tempo? Quem sabe seja justamente o aumento da velocidade desembestada do crescer dessas crianças o que traga, também mais velozmente, as soluções para nossos embaraços de caráter, de relacionamento e de empatia.
Então, nos resta cuidar muito bem e com carinho de nossa biscoita e de seu recém-chegado pé de feijão, tentando aparar com delicadeza seus desvarios ainda verdes, imaturos, e celebrando o fortalecimento de suas raízes, o nascimento de suas flores, em sinal de sucesso de novos tempos.