O aceno inclusivo da primeira-dama

Jairo Marques

Tem mudado e se modernizado ligeiramente o perfil, mas ainda há uma certa praxe de embutir entre as funções das primeiras-damas ao redor do país um papel de apoio aos pobres e oprimidos.

Não raro elas ajudam a distribuir cadeiras de rodas, limpam menino ramelento em creches, dão papinha para velhos em abandono, tiram belas fotografias para calendários assistenciais e vão para casa felizes.

A futura primeira-dama da nação, Michelle Bolsonaro, 36, já anunciou que dará atenção às pessoas com deficiência, valendo-se de sua formação como intérprete de Libras, a língua brasileira de sinais, que a aproximou dos surdos, comunidade que tem demandas reprimidas diversas, como acesso à educação de qualidade, acesso ao conteúdo dos meios de comunicação e até aos serviços públicos básicos.

Ao lado do presidente eleito, Michelle Bolsonaro incorporou intérprete de Libras em pronunciamentos do marido – Reprodução/TV Globo

Para que um surdo usuário de Libras consiga ir a um especialista médico, por exemplo, é um deus nos acuda, pois haja gestos básicos para explicar ao paciente situações complexas como um problema neurológico ou alguma disfunção hormonal.

As questões que hoje envolvem entraves inclusivos e de acessibilidade dependem muito mais de visão técnica, de conhecimento de causa, de adesão tecnológica, de novas atitudes do que de apenas boa vontade e espírito solidário. O assistencialismo puro não muda condições de vida nem oferece novas oportunidades, ele apenas cuida, mantém.

Futura primeira-dama promete atenção voltada à pessoa com deficiência – Pedro Ladeira/Folhapress

Não dá para saber que apito tocará Michelle Bolsonaro, mas uma demanda caríssima para parte das pessoas com deficiência auditiva ela tem atendido com louvor: que toda fala do marido, o presidente eleito Jair Bolsonaro, tenha a presença de um intérprete de Libras.

A realidade atual é que até mesmo em pronunciamentos oficiais de ministros, de governadores e do próprio presidente se faça “esquecido” o dispositivo legal que obriga que o conteúdo da fala, sempre de interesse público, seja disponibilizado em formatos que qualquer brasileiro entenda: a língua portuguesa, a língua de sinais, as legendas (parte dos surdos tem essa demanda) e, se for o caso, a audiodescrição para cegos.

É evidente que ter a dedicação da futura primeira-dama à temática da inclusão é elemento que pode fortalecer conquistas, mas é fundamental que ela tenha lido a cartilha das conquistas já negociadas, como a Lei de Cotas, a Lei Brasileira de Inclusão e que tenha em mente os mantras maiores da turma dos malacabados, “representatividade é fundamental”; “nada sobre nós, sem nós”.

Mais do que fazer pela pessoa com deficiência, o tempo é de dar oportunidades para que qualquer um consiga construir seu próprio caminho e isso passa por escolas inclusivas, convivência em todos os setores sociais, oportunidades e entendimento das diferenças.

Vários são os grupos que podem ser enquadrados no conceito de “coitadinhos” expresso pelo presidente eleito, que promete ser implacável contra sua formação e seu futuro. Penso que haja desconhecimento e falta de proximidade do futuro mandatário com a diversidade.

Assim como houve um interessante aceno de Michelle às pessoas com deficiência, talvez o tempo mostre que outros componentes do núcleo próximo ao futuro presidente também entendam alguma coisa em relação à pluralidade humana e à extrema necessidade de abraçá-la, apoiá-la e incentivá-la.