Um adeus para um ilustre leitor
Da primeira vez, para a frustração de um jovem jornalista ávido por algum reconhecimento público, um mimo, estávamos somente eu e ele no elevador. Cumprimentei com um bom dia, mas não prolonguei conversa, como virou hábito nas vezes posteriores de nossos encontros relâmpagos.
“Gosto muito das coisas que você escreve, Jairo. Elas mexem com a gente.” Fiquei meio zonzo, emocionado, porque, afinal, eram palavras vindas de um dos homens mais poderosos da comunicação do país, Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha, direcionadas a um suposto talento de um retirante aleijado, vindo da pobreza dos confins de Mato Grosso do Sul.
Mas tempos depois, novamente no elevador, dessa vez lotado até as tampas, com Otavio espremido nos fundos, ele me faz um agrado para jamais esquecer. “Sou seu leitor, Jairo. Não perco nada. Os textos estão ótimos”. Os olhos do mundo se viraram para mim.
Inflamar egos nunca foi característica que se exaltasse no patrão, muito pelo contrário. Era conhecido pela rigidez, pela sobriedade e pela economia de adjetivos a quem quer que fosse. Caminhava rapidamente, pouco olhava para os lados, sempre com cara de muito ocupado, compenetrado, intelectual.
Penso que mais do que me dar um afago, Otavio queria a continuidade de produções e de um espaço para transpirar discussões mais humanas, que avançassem no conceito da diversidade, que propusessem maneiras de entendimento de vidas plurais.
Para além de dar fôlego a um jornalista cadeirante em plena selva da informação, para além de um impulso meramente assistencialista a um trabalho voltado a uma parcela excluída da população, os elogios do chefe eram pela manutenção do incômodo matutar sobre a existência, qualquer existência.
Certa vez, fui surpreendido por uma abordagem de Otavio, em um dos corredores do jornal: “Como vai Elis [milha filha, hoje com três anos], Jairo? O que tem achado da experiência de ser pai?”.
Falei das noites sem sono, de um inédito sentido e da força da natureza que me fazia adorar aquele serzinho de maneira inexplicável para alguém tão cético. Ele deu um sorriso contido, como de praxe, e comungou de minhas impressões como se estivéssemos num boteco. “É exatamente isso. Também estou com uma filha pequena em casa. É maravilhoso”, disse.
A última vez que conversamos, era tarde da noite, eu acabava minha jornada de trabalho e seguia para casa. Otavio estava no meio da rua em busca de um táxi. Ao me ver, voltou para a calçada e num movimento inesperado, meio desajeitado, ensaiou um abraço.
Procurei na caixola uma expressão que transmitisse a ele um alento, um incentivo de vida em meio à tormenta que eu pouco sabia, mas que pressentia. Falei apenas um inócuo “bom te ver firme, chefe”, no que ele respondeu generosamente, “é muito bom te ver também, Jairo. Sigo seu leitor fiel”.
A mudança do mundo passa por atitudes firmes de grandes seres –com pitadas de gentileza–. que semeiam suas convicções com incentivos, apoio e atitudes diante daqueles que, de alguma maneira, os inspiram ou fazem refletir.
Além de todos os legados já propagados, registro que para o moderno discurso da inclusão e da valorização da diversidade, Otavio Frias filho, um ilustre leitor, já tinha convicção de seus fundamentos e valores há décadas. Adeus, chefe…