Os ‘inamoráveis’
Se a terça-feira (12) foi o dia nacional de os pombinhos festejarem o amor, hoje, dia posterior, poderia ser marcado como o tempo de pensar a respeito da ressaca dos “inamoráveis”, pessoas que sentem uma falta danada de viver relacionamentos, mas têm extrema dificuldade de arrumar um sapato velho para acolher o seu pé cascudo.
São diversas as razões para passar a vida toda ou parte dela de braços dados com a solidão amorosa: a timidez extrema que não permite aproximações, o acaso que leva um grande parceiro precocemente, as deformidades que provocam rejeição, as deficiências severas que podem impedir o sair de casa e dificultar a comunicação, as deficiências intelectuais que podem alterar rituais de conquista.
Ah, e tem também os esquisitões de toda ordem, que, às vezes, mal têm a chance de abrir a boca para combater estereótipos, preconceitos e primeiras impressões.
O ponto-chave de toda angústia de não conseguir um parceiro de jornada –mesmo que seja apenas por um pedacinho de tempo– guarda intimidade com a busca de padrões sejam eles relativos à boniteza, sejam eles ligados à forma de interpretar o companheirismo, muitas vezes contaminada com elementos aventureiros, de poses elegantes em porta-retratos, de grandes momentos regados à champanhe.
“Difinitivamente”, como falava minha tia Filinha, que morreu no mês passado, passar a existência sem degustar as doçuras e amargores de compartilhar o dia a dia ao lado de alguém, não é detalhe. Na cesta básica da vida, experimentar a reciprocidade do amor é seguramente produto de necessidade extrema.
No Reino Unido a questão dos “inamoráveis” (achei bonito o neologismo!) é tão séria que agências de namoro especializadas em casos considerados muito difíceis de engatar coraçõezinhos são aptas a receber fomento público.
Faz sentido total, uma vez que não namorar, não ter uma amizade colorida –será que ainda se fala isso?– pode afetar o bem-estar, a predisposição para a felicidade de um cidadão. O isolamento faz escorrer infelicidade e, consequentemente, abrir portas para quadros depressivos, doenças oportunistas.
Uma série atualmente disponível em um serviço de filmes online conta um pouco da experiência britânica. “The Undateables” mistura a delicadeza dos sonhos de quem busca uma companhia, com um humor gerado pela inexperiência do compartilhar, amarrando também com situações de angústias diante à espera por um encontro, por um carinho, por um afago na alma, por um beijo.
Um dos pontos altos da produção é mostrar que não necessariamente juntar “iguais” vai produzir o mapa que faz chegar a tesouros sentimentais. Pode rolar amor entre casais de cadeirantes, de cegos, de paralisados cerebrais, mas em nada a condição de alguém vai determinar sucesso em relacionamentos.
Talvez padecer de perrengues semelhantes faça ampliar a compreensão a respeito das carências e necessidades do outro, mas amor, companheirismo, têm a ver com rir da piada do “pavê e pacumê”, de gostar de vídeos de gatinho, de permitir-se encantar pelos formatos das nuvens.
Na real, ninguém no mundo pode ser considerado “inamorável” e jamais deve aceitar esse rótulo. Brotar sentimento e engatar namoro tem a ver com desembarcar a mente e o coração de expectativas de cinema e exaltar o desejo de construção de bons momentos a dois e isso não se compromete com o quão torto se é, mas, sim, alcança-se com o quão disposto se está para amar.