Os privilégios das minorias

Jairo Marques

Tenho escutado por aqui e por acolá, com alguma frequência, grupos e indivíduos defendendo a ideia de que as minorias estão cheias de privilégios e que isso tem afetado a melhoria da vida da maioria das pessoas, que precisa estar sempre cedendo a esses reclamões de “mala suerte”.

Tentei examinar com calma e atenção quais seriam essas benesses que minha condição aleijada me traria e que me trouxe ao longo da vida. Estendi o raciocínio aos pretos, aos gays, aos velhos, aos índios e demais desafortunados de poder, de representação e até de empatia com a sorte, com a inteligência e com a sagacidade.

Na infância, somos nós, as minorias, reféns de nossos dramas físicos e emocionais que fazem doer a carne. Somos hostilizados por sermos gayzinhos, por andarmos devagar e prejudicar o ritmo da classe _quando existe uma classe_, por termos o cabelo pixaim e, só por isso, sermos tão piolhentos.

Na infância, o privilégio das minorias é quando te aceitam num canto se você ficar quieto, quando o médico acerta um diagnóstico que pode otimizar sua vida, quando a patroa da mãe te manda o resto do ovo de Páscoa que a família não aguentou comer, mas que, por piedade, mandou para você.

A coleção de frustrações de ser um pequeno longe dos padrões dos seres comuns ou vira carapaça tão resistente que aguenta as pedradas por sua resistência em busca de transformação social ou faz da gente algo parecido com lixo, preterido, feioso, perdedor, sem vontade.

Mas nada se equivale ao tempo de juventude e da vida adulta das minorias! Aí começam os tapas na cara, os tiros na fuça, as acusações de afronta à ordem por se querer ter direitos, ter acesso, ter os consagrados méritos reconhecidos. Comunistas! Estorvos! Chicólatras! Vagabundos!

Centenas de pessoas protestam pelas ruas de Copacabana, no Rio, por mais direitos às pessoas com deficiência Foto: Movimento Superação/Divulgação

Por outro lado, incrementam-se também os privilégios, preciso ser justo. Existem cotas para todos os gostos, devidamente desrespeitadas, surradas e vilipendiadas, mas que resistem como bruma ao sol ardente.

Tem-se a discussão, com bom número de adeptos, sobre o respeito à identidade sexual, devidamente ultrajada por dogmas e ranços de mil séculos atrás. Tem-se a grita por ocupações de espaços de poder, de decisão, de mídia, imediatamente calada com a força de acadêmicos altivos que dizem que tudo isso é besteria politicamente correta, que a sociedade já está devidamente antenada das necessidades “dessas pessoas”.

Mas, enfim, chegamos à velhice, unidos em nossas cores, nossos gêneros, nossas raças e nossas desgraceiras físicas, sensoriais e intelectuais. Agora somos muitos, mas, assim mesmo, minorias que atrapalham as filas, que ocupam vagas, que querem pagar menos, sem nenhum mérito.

Queria eu não ter nenhum desses privilégios, não ter essa sensação de agonia por estar retirando de outros algo que servirá futilmente à minha sobrevivência, à minha dignidade mínima. Acolhe-se a quirera com a esperança de algum dia a noção de igualdade não perca tanto terreno para o retrocesso a valores primitivos, individualistas e hipócritas.