A lição de uma professora Down
Qual seria a sua reação caso seu filho chegasse em casa e dissesse que uma de suas professoras tem uma diferença marcante, tem síndrome de Down?
Imagino que a maior parte das pessoas, e eu me incluiria nela, pensaria imediatamente na qualidade e no tipo de educação que seu pitchuco iria receber. Poucos, bem poucos, abririam de imediato um sorrisão e pensariam: maravilhoso para a inclusão, para a diversidade e para o moleque!
Pois essa situação já é real há mais de uma década. Crianças de uma escola de Natal, no Rio Grande do Norte, têm tido o privilégio humano de serem ensinadas por Débora Seabra, a primeira professora Down do Brasil.
Nos últimos dias, porém, o esgoto verbal das redes sociais começou a ser despejado sobre o límpido desejo de trabalhar e de fazer a diferença dessa brasileira de 36 anos.
Uma irônica, perversa e retrógrada postagem de Facebook, atribuída à desembargadora Marília Castro Neves, a mesma que multiplicou inverdades e destilou preconceitos contra a vereadora Marielle Franco, assassinada no Rio, recaía sobre Débora:
“O que será que essa professora ensina a quem???? Esperem um momento que fui ali me matar e já volto, tá?”. Procurei, por meio de sua assessoria, a desembargadora, e ela não negou a autoria nem quis se manifestar sobre a postagem.
Em uma civilização que tanto aparta e maltrata quem não segue um padrão físico, sensorial e intelectual, é, de certa maneira, compreensível que, num primeiro momento, se queira entender como esse ser diferentão irá atuar no mundo dos certinhos. Mas avançar da dúvida para a galhofa, embutindo no outro incompetências, permitir-se esse tipo de manifestação, é atroz.
Com muita elegância, emoção, espírito elevado e inteligência, Débora respondeu, em uma carta escrita à mão, a juíza e a seu séquito de abutres:
“Eu ensino muitas coisas para as crianças. A principal é que elas sejam educadas, tenham respeito pelas outras, aceitem as diferenças de cada uma, ajudem a quem precisa mais”.
Se minha filha biscoita tiver a sorte na vida de ser ensinada por uma professora Down, por uma pessoa com paralisia cerebral, por um professor com autismo, estou convicto de que ela irá aprender princípios sólidos de solidariedade, irá ampliar seus sentidos para além da obviedade que nos domina, irá entender com mais profundidade que o que nos define não é o que nos diferencia.
Não conheço a capacidade pedagógica e o nível de conhecimento que a professora Débora carrega, mas as expectativas em relação a pessoas com deficiência intelectual precisam guardar relação com o tamanho de seus desafios para, primeiramente, convencer a sociedade de que são gente e, a partir daí estudar, ter vida em comunidade, trabalhar, ter família…
Hoje se celebra o Dia Internacional da Síndrome de Down e milhares de pessoas com essa condição estão dizendo “presente” para o mundo e alertando que a eugenia jamais será rumo para avanço e salvação das tragédias que o homem provoca diuturnamente a si mesmo.
Hoje é dia de tornar memorável a lição de uma professora com síndrome de Down que, ao ser insultada e ridicularizada por quem mais deveria elevar seu valor humano, reagiu com a nobreza de quem entende perfeitamente a dimensão (e a pequenez) da existência, continuando a ensinar e a tentar criar uma realidade melhor para todos.