Um golaço de Bruna e Neymar
Há dez anos, se um craque do futebol aparecesse de repente montado em uma cadeira de rodas após uma lesão em campo, rapidamente se espalharia um zum-zum-zum de fim de carreira, de não presta mais para os gramados. Mas não é que, quando não se cansa o instrumentista, bater bumbo acaba mudando o mundo?
Neymar, o craque das galáxias, que está momentaneamente com mobilidade reduzida devido a um dodói no pé direito, publicou em suas redes sociais um retrato desfilando a bordo de uma cadeira de rodas, conduzindo a namorada, a atriz Bruna Marquezine, sentada em seu colo.
Em vez de esbravejar que estava “preso” àquela geringonça ou que estava em um calvário, o pé de ouro estampava um sorriso de canto de boca, meio maroto, e exaltava sua atual condição valorizando a cadeira de rodas que o servia naquele momento (para o transportar e para amar), chamando até o veículo de “possante”.
Antes disso, o jogador, que protagonizou uma das transações financeiras do esporte mais caras do planeta e que, consequentemente, é extremamente preocupado com sua autoimagem, já havia aparecido cadeirante no aeroporto, no hospital, sempre com um ar de “são coisas da vida” e tudo bem estar numa situação diferente.
Penso que não tenha sido uma decisão deliberada de Neymar, com o pensamento voltado a um mundo mais inclusivo, lançar uma imagem com peso tão positivo para o povo quebrado das partes. Se foi, está de parabéns! Atitudes são muito melhores que intenções.
De qualquer maneira, sou convicto de que a ação dele deriva de uma sensação de naturalidade, de que, às vezes, para tocar o dia a dia, é necessário um apoio, um suporte e isso nada tem a ver com estar “deprê” ou com o fim da linha.
E Neymar não estava bancando o prefeito Doria que queria “saber como é” andar dois minutos em cadeira de rodas para testar as calçadas vilãs de São Paulo. Ele, de fato, tinha necessidade do apoio, o que pode acontecer com qualquer um, e isso não significa ser mais ou menos poderoso.
Não menos positiva foi a atitude de Bruna, que não parecia em nada com uma amante apavorada pela dor de seu par se lamuriando em cumplicidade. A garota exalava positividade e até emitia certa sensualidade, típica de jovens bem resolvidos, deixando o recado de que qualquer amor _em qualquer lugar_ vale a pena. A garota mostrou vanguarda, ligação total com o seu tempo, semelhante ao ato de quando brincou o Carnaval, exibindo os seios, dona de seu próprio corpo.
Obviamente toda essa cena, todo esse devaneio do colunista seriam diferentes caso a situação do jogador fosse de extrema gravidade ou comprometesse de uma maneira bem menos efêmera do que se desenha ser.
Mas, quanto mais se entender que instrumentos de acessibilidade não são sinônimos de fraquezas humanas, de derrotas, mais ganharão os que são ou estão temporariamente fora da curva da bendita normalidade física.
Ainda hoje, sobretudo entre os mais velhos, existe uma tremenda resistência a aderir à cadeira de rodas como meio de segurança ou como facilitador do cotidiano. O resultado disso são quedas, perda progressiva da qualidade de vida e temor de seguir em frente.
Por tudo isso, começamos muito bem a Copa da Rússia, com um golaço, ao estilo cadeirante, de Neymar, com toque genial da Bruna.