Médicos insistem em dar sentenças de quase morte em vez de abrir caminhos para nova vida
Na semana passada, arrepiou-me os cabelos que nem tenho a notícia de que médicos estavam “anunciando” que uma das garotas atingidas por tiros dentro de uma sala de aula na tragédia de Goiânia havia ficado paraplégica, assim, na lata.
Mais bege ainda fiquei quando li que a informação só não estava na boca do povo antes em respeito à vontade da família da menina, uma vez que bateram o olho e já sabiam que a casa caíra para uma adolescente ainda em franco desenvolvimento.
É assombroso que ainda hoje um diagnóstico com potencial de mudar completamente os rumos de uma existência _não de eliminá-los, mas, sim, de recriá-los, redesenhá-los_ seja apresentado ao público sem nenhuma delicadeza e cuidado, mas qual uma promoção de bananas na feira.
Por trás de dizer que uma pessoa ficou “paralítica” da cintura para baixo há uma gama de desgraceiras imaginárias que irão formar uma outra gama de estigmas, de sentimentos e de conceitos equivocados e popularescos. Deficiência, caso de fato ela se apresente, é uma nova condição humana, não uma guilhotina.
O tempo é de amparo a quem de fato precisa, a vítima e seus familiares, para entenderem o que se passou e como lidar com a situação com menos dor, menos peso e mais coragem para enfrentar, caso seja necessário, o ser diverso.
Não dá mais para notícias que repercutem na essência de um indivíduo serem dadas de maneira displicente, entubadas em notas assépticas e sem preocupação com o impacto que possam causar. Ninguém quer dourar a pílula de um destino, mas quer pílula que doure de maneira mais humana e fraternal um destino.
Compreendo que a publicidade possa servir para que a sociedade ao redor da menina se prepare desde já para atender suas possíveis novas demandas e abraçá-la com dignidade, pois, ainda hoje, uma cadeira de rodas tem imagem de trambolho que ocupa espaço e não um equipamento que faz a vida seguir adiante.
Também é plausível levar em consideração que dizer que alguém ficou prejudicado das partes pode encaminhar precocemente o atingido para protocolos mais seguros de cuidados físico, fisiológico e de reabilitação, mas insisto que há formas mais humanas, modernas e acolhedoras de providenciar o necessário para o bom trato das pessoas.
Assinalo ainda que seria muito mais racional direcionar energias e esforços, neste momento, para celebrar o fato de a garota ter mantido sua vida, por ter a oportunidade de rever, tocar e sentir a quem e o que ama. Oportunidade para enchê-la de estímulos para agarrar o vento e surfar para o adiante, que até poderá ser bem diferente, mas será um novo dia.
Também chama muito a atenção a rapidez em fechar uma sentença médica. Bons fisiatras e neurologistas dizem que uma lesão medular precisa de “maturidade” para ser mais bem analisada, entendida e diagnosticada.
Primeiramente, controlam-se todos os edemas, aprofunda-se na dimensão dos ferimentos e, muito mais complexo que tudo isso, aguarda-se o tempo de reação do corpo, do organismo. Cada um de nós tem suas capacidades de rearranjo, de adaptação, de resposta a um choque sofrido. A ciência já mostrou isso há tempos; agora, falta sacudir os jalecos e pensar como um bom construtor do século 21.
Essas sentenças são dadas todos os dias por médicos que não conhecem bem a dimensão do que é ser humano. É uma postura lamentável.
Obrigado pela participação, Ronald!
Comovente e assertivo esse artigo. Não bastassem o trauma e a superexposição, ainda é preciso lidar com a falta de sensibilidade e acolhimento. Inclusive em um diagnóstico definitivo imediato divulgado amplamente para a imprensa (quando é preciso tempo para certezas). Ter sabedoria para apoiar quem passa por tamanha dor, mas que tem motivos para celebrar a vida e possibilidades para seguir adiante é o que se espera dos nossos médicos. Espero que muitos leiam este texto.
Muito obrigado, Paola
Bem pontuado caro Jairo. Vejo luz em todo o túnel.
Obrigado, Eugênia
Muito pertinente e sensível sua argumentação. Estamos cansados de notícias de impacto sem a devida reflexão tão própria do ser amorável.
Obrigado, Carmen
No. Moro en BRASIL MAIS e meu diario preferido
Estude la.cardiologia sao. Paulo
Obrigado
Junte-se a disposição da imprensa em dar notícias negativas e catastróficas, em um realismo que sempre olha os fatos pelo “copo meio vazio”.
Gostei muito do que vc escreveu.
Bate como o que eu penso.
Sou médica e tenho enorme cuidado em dar esse tipo de notícia / diagnóstico. A relação médico -paciente faz parte do tratamento .
Mesmo com anos de carreira, nessa profissão não podemos ser robôs. Não podemos perder a sensibilidade e a esperança.
Cada caso é um caso. Sempre penso assim.
Excelente saber que temos médicos assim, Mariana! Um abraço
Para eles e para quase todo brasileiro falta solidariedade, mas vibram também se puderem desligar os aparelhos logo após retirarem os órgãos que têm de estar vivos, como coração batendo, pulmões inflando, córneas e membros com circulação sanguínea íntegra, etc. Deus me livre de ser doador. Me lembro da greve da Polícia de SP e os helicópteros que serviriam a população pela PM transportando órgãos enquanto médicos esperavam na cobertura do hospital Einstein. Que fila para transplantes que nada. Ou acredita na ânsia semita para ajudar um miserável?!
Concordo com o comentário. Se os médicos se apressaram, a imprensa se apressou também em noticiar como fato consumado. Apressados, também, somos nós leitores, que queremos matar rapidamente a sede por fatos novos.
Perfeito!
Concordo em praticamente tudo em que foi colocado no texto, não deve-se dar um diagnóstico que é capaz de destruir emocionalmente uma adolescente. Principalmente da forma como foi divulgada e sem ao menos começar um trabalho de reabilitação. Porém uma parte da culpa dessa divulgação “desastrada” é da própria imprensa, que pressiona por boletins médicos como urubus ansiosos e impacientes por uma carcaça. E ao mesmo tempo apenas divulgam sem pensar nas consequências que essas “notícias” trarão a família e a pessoa em questão. Precisamos rever os conceitos.
Concordo com vc, Marcio… abraço
excelente enfoque do colunista, falta mais visão desse tipo nesse país….
Achei excelente o enfoque do colunista, por que, de fato, já condenaram a pessoa a um veredicto com tão pouco tempo…
Obrigado!
Obrigada por esse texto, muito humano e necessário
Quem agradece sou eu, Claudia!
Totalmente desnecessaria esta “cronica”. Novamente procuram -se culpados, nao na possivel insanidade do atirador ou outros fatores da nossa sociedade como aumento da violencia, impunidade, desesperança, drogas, …mas nao, ta mais facil achar o medico e equipe na frente e jogar “a brutalidade de um diagnostico de paraplegia”e com isso justificar e direcionar a violencia em outros alvos, desviando a atencao para com a realidade atual do Brasil.
Deixem os medicos trabalharem em PAZ e façam o seu trabalho de midia com mais seriedade.
Boa reflexão para os dias atuais onde tudo é pressa.
“Assim na lata”. Sim! Todos têm de ter responsabilidade ao fazer anúncios. Lembre-se do reitor da UFSC.
Excelente o artigo, que conseguiu abrir minha mente para esse tipo de acontecimento. Obrigada.
Muito bom. Ainda que grandes transformações sejam necessárias, há vida a ser vivida é aproveitada. ABS.
A divulgação foi para agigantar o tamanho da tragédia produzida já que tetraplegia (como foi inicialmente divulgado) provê tanto horror que as seguradoras pagam o mesmo prêmio da de morte. Legal a sua aposta na ciência para solução de problemas, é ela (a Ciência) que dará sustentação, amparo e esperança para essa jovem, mas serão os religiosos oportunistas os únicos a obter dividendos, afinal eles vivem da exploração das desgraças alheias.