O mundo está chato e confuso? Talvez seja hora de dar ressonância ao canto das crianças
O ambiente era totalmente formal, daqueles em que são dispostas bandeiras diversas no palco. Acho que até flâmula do XV de Piracicaba tinha por lá. Pessoas bem-vestidas, púlpito, autoridades e minha filha Elis, de um ano e 11 meses, solta no meio daquilo tudo.
Ela costuma se negar, em situações de agito, a ficar quieta no colo, observando, como era praxe no tempo de minha avó. E a biscoita parecia empolgadíssima com a homenagem que papai (e ela a tiracolo) iria receber.
Dessa forma, a menina cantava a plenos pulmões bem lá na frente do auditório pomposo: “Se essa rua, se essa rua fosse minha, eu mandava, eu mandava “ladrilaaaaar”, revezando com “pombinha ‘banca’, que está fazendo?”.
Mais do que cantarolar, ela fazia uma espécie de treinamento de apresentação circense com cambalhotas, saltinhos e corridinhas, para a perplexidade de alguns, que imagino estarem pensando: “Cadê os pais dessa criatura que não tomam uma atitude?”.
Em benefício da justeza, digo que também havia os que estavam se divertindo com aquele serzinho louco, liberto em sua infância, pondo em “risco” a formalidade da situação.
Mas o momento auge de pitchuca foi quando ela começou a imitar, com uma seriedade desengonçada e constrangedora, a intérprete de Libras que traduzia a cerimônia. Não sabia se ria ou se deixava para lá a premiação e catava a menina para levar para casa.
Entendo sem esforços que existam ambientes em que a presença de uma criança possa desconcentrar ou provocar algum transtorno, porém tendo a achar que se ausentaram demais os pequenos do mundo e isso pode provocar um estranhamento daquilo que mais precisa de acolhimento e atenção: os primeiros anos de vida.
Dentro de diversas opções da liberdade humana que, felizmente, só se ampliam, aceitou-se a de “não gostar de crianças”, a de não permitir crianças, a de não tolerar uma baguncinha inerente ao tatear a experiência de estar vivo.
Não poderia ser mais devastadora para o espírito solidário, de compaixão e de clemência a falta de gente miudinha, em algum momento, em todas as ações cotidianas, entre os jovens, nos ambientes de trabalho, nas ruas, nos mercados, no Congresso.
Sem rostinhos, mãozinhas e “gugudadá” e toda a maravilha que embala uma infância com sua inocência, com o carinho despretensioso e com o olhar curioso, o impacto de um pequeno afogado por um gás tóxico na Síria há de abalar, mas não há de mobilizar, há de doer, mas pouco há de corroer a alma a ponto de ela gritar bem alto.
Talvez com alguma paciência e ressonância ao infante seja possível escutar mais apelos de Malalas e sentir menos incômodo, tomando mais atitude, com o “quer comprar Halls, tio?”, dos gurizinhos pretos que adentram botecos pela madrugada atrás de sobrevivência.
Com mais crianças coabitando espaços tipicamente de adultos, mais trabalho, mais choramingos e dancinhas exóticas vão ter de ser abraçadas, mas do jeito que está, é preciso convir, vão-se continuar repetindo as máximas de que o “mundo está chato” e que o “serumano” não tem jeito. Sorrisos infantis deixam tudo muito legal e abrem fronteiras de possibilidades.
Parabéns pelo seu escrito.
De uma sensibilidade que pode inspirar as pessoas a voltar a sorrir mais e acolher mais, se sensibilizando, de verdade, com as dificuldades alheias.
As crianças, em sua ingenuidade, ainda tem muito a nos ensinar.
Grato pelo texto
Muito obrigado, Orlando. Abraço
Jairo Marques é, sempre, muito feliz ao extrair das experiências familiares preciosas reflexões (Crianças para o mundo). Como seria bom se todos nós preservássemos, para valer, nosso lado de criança “pitchuca”, sem nos tornar adultos absolutamente empedernidos.
Um grande abraço, Maria!