Pai narra em livro a angústia e as aflições extremas de criar e de amar um filho com autismo severo
“A calhordice humana não falha”. Por alguns minutos, parei nessa frase, cujo contexto era de uma atitude preconceituosa, até ter fôlego suficiente para voltar a encarar o livro “Meu Menino Vadio”, de Luiz Fernando Vianna, que narra, com doses cavalares de conceitos pouco ditos, as agruras de ter um filho com autismo.
E fui lendo e parando para digerir as asperezas, as durezas e frases que mais pareciam marteladas firmes na cabeça dura de quem romantiza ou trata com eufemismo realidades de pessoas com deficiência, sobretudo deficiências intelectuais.
Em dado momento, senti-me tremendamente oprimido com um pai que, “se pudesse voltar atrás”, não teria o garoto, com o saco cheio da situação vivida, com “a aposta genética perdida na loteria” da vida, com a angústia ganhando da felicidade durante a convivência com o garoto.
Pensei em minha mãe dizendo aquelas verdades sobre mim e sobre minha condição “malacabada”. No cansaço de seu corpo que me carregava, na pobreza que eu impunha à família diante de minhas enormes demandas por virar gente ou algo do tipo.
Não faz muito tempo, ela me contou o tanto que sofria, quando eu era bebê, ao ver crianças caminhando, dançando e rindo perto de mim, imóvel, torto, debilitado, feio e justificadamente preferido entre três filhos.
Da escola de sinceridades que Vianna defende em sua obra, sou professor há anos e sei quanto seus ensinamentos podem ajudar no avanço do descortinar de conceitos equivocados e antigos sobre a diversidade, mas admito sem elegância que procurei vorazmente nas páginas um refúgio de amor, de elevação e de agrado àquele menino, que era um pouco minha própria imagem.
As inquietantes e agoniantes experiências de Henrique, o filho, o menino vadio, o autista, ao lado pai, vão oprimindo o leitor com a brutalidade de uma mordida no rosto, com a ausência de falas em um colóquio ou com uma repetição infernal de uma palavra qualquer ao ouvido.
As brisas de carinho, quando surgem, extremamente poéticas, refrescam ligeiramente a ardência dos golpes da narrativa que apregoa: “Aos que estão de fora e não passam por situações dessas [de comportamentos extremos de pessoas com autismo] não tentem dar lições, por favor.”
Ficar quieto diante uma aflição humana é colaborar para que ela se perpetue. Penso que vidas nunca são em vão e algumas vão estar atadas a um cordão umbilical eterno, mas serão, assim mesmo, formas de “serumano”. É ajudando a pensar caminhos para elas que se avança, se inclui.
Atender expectativas de normalidade de quem quer que seja, de minha mãe, de um pai, ou ainda de uma sociedade que cria modelos e não quer se habituar a formas de ser distintas, afunda perspectivas de libertação.
“Menino Vadio” é um curso rápido e intrigante sobre o universo de uma pessoa com autismo severo e sua repercussão poderosa na família. A narrativa divide com o leitor leigo um pouco da sensação de querer fugir _sem poder_ daquela realidade, daquela rotina aflitiva, com pitadas de ternura.
Mas senti falta de alguma esperança, motor que dá sentido a qualquer existência, no decorrer da obra. Penso que minha mãe tenha ganhado também com os percalços que a fiz passar. Dificuldades dão o contorno grandioso que todo o mundo espera para suas jornadas.
Complementando meu comentário anterior, li um livro muito interessante sobre a mesma temática. Coincidentemente a mãe que escreveu também relatou sentimentos semelhantes ao autor do livro brasileiro. O livro se chama “Rex, a mother, her autistic child and the music that transformed their lives”, autora Cathleen Lewis. Não sei se já foi traduzido e publicado no Brasil, mas é muito interessante. O Rex também nasceu cego e com autismo severo e a mãe viu a vida virada pelo avesso. Inúmeras dificuldades, uma rotina estressante e frustrante, o fim do casamento com o pai do menino que não aguentou o stress da situação e a profunda tristeza pela situação sem muita esperança do menino. Até que um dia o pai do menino o presenteou com um teclado e a mãe percebeu que aquilo era uma porta pra ela conseguir se comunicar com o filho. A partir daí a vida de ambos se transformou e mais não conto pra não estragar a surpresa de uma leitura realmente fascinante. Torço para que essa dica possa trazer informações e esperanças para pais que estejam enfrentando essa barra, vale realmente a pena ler o livro dessa mãe. Tem esse link aqui sobre parte da historia do Rex: https://youtu.be/3oZaCrkCxu8
complicado mesmo. Não li o livro, mas posso imaginar. Tenho uma vizinha com problema idêntico e ela também relata essa tristeza de não ter um filho normal, essa sensação de que a vida dela foi condenada àquela realidade dura, sem perspectiva de libertação porque o filho dela também tem um autismo severo e vai precisar ser cuidado enquanto viver. Não julgo não. Deixo ela falar, acho que desabafar a frustração é também uma maneira dela manter a própria sanidade mental, compreensivelmente abalada pelas circunstâncias. E admiro as pessoas “politicamente incorretas”, aquelas com coragem de admitir que o que elas sentem pode não ser socialmente bonito, mas ainda assim é legítimo. E totalmente compreensível.E, apesar do que sentem, elas continuam na luta, cuidando de seus filhos, buscando terapias e maneiras de conviver com esse imenso desafio. Eu por muito menos já senti ( e falei) coisas semelhantes. E também não fui compreendida, também fui repreendida, criticada. Falar e escrever é terapêutico, vou procurar o livro pra ler, obrigada pela dica. Beijo
Lindo e corajoso o seu comentário, Silvia!!! beijossss
NAO POSSO DEIXAR DE CHORAR, CONDOIDO PELA EXPERIENCIA DE UM PAI QUE VIVE A AFLIÇÃO DE EDUCAR UM FILHO COM QQ DEFICIENCIA
Ual! Que crítica e livro! Fiquei empolgada para comprar e ler. Obrigada pela postagem, por compartilhar conosco, também leitores!
muito boa a sua narrativa adorei as indagações, você está de parabens..
Infelizmente ter um filho autista deve ser deseperador para pais pobres que não tem como assistir suas demandas. E aflitivo ver seu filho crescer na sociedade preconceituosa que vivemos e ainda mais mães que necessitam desistir de um emprego diminuindo aida mais uma renda familiar precaria. Por outro lado esta condição de autista e alta dependencia dos pais, a maioria desses filhos se tornam o centro das antenções , fazendo assim brotar um amor incondicional. Sei por conviver com algumas familias com esta condição que não consideram um peso,Alguns até comentam que estas criaturinhas foram presente de Deus, por daren tanta lição de vida.