Cadeirante realiza sonho de saltar de paraquedas, mas se acidenta durante voo

Jairo Marques
Leandro, que é cadeirante, momentos depois de saltar com o instrutor
Leandro, que é cadeirante, momentos depois de saltar com o instrutor

É muito natural que com o chamado “empoderamento” das pessoas com deficiência, mais e mais “malacabados” se abram para novas aventuras e possibilidades, afinal, com décadas de exclusão e de falta de oportunidades, todo o mundo quer botar o pescoço para fora em tempos de maior inclusão.

Isso vale para uma porção de coisas: trabalho, vida social, sexo, lazer, esportes… Nesse processo, embora um tanto positivo e empolgante, é preciso pontuar alguns aspectos: o preparo dos envolvidos em promover o “todos juntos”, as condições gerais da pessoa que irá se impor o desafio e os instrumentos que irão levar à inclusão.

“Nossa, tio, cê tá falando tão difícil, onde quer chegar? Cadê o cadeirante que se lascou?”

Meu amigo Leandro Kdeira, que é esportista, articulista e tudibão, há pouco mais de um mês, quis realizar o sonho de saltar de paraquedas, aventura que não pretendo entrar nem que me pagem em dólar.. 😎

O lance é que o Leandrão é “mamulengo”, daqueles cadeirantes que possuem sérias restrições motoras nos membros inferiores e superiores, uma vez que é acometido por uma enfermidade degenerativa. Mesmo sendo muito independente, ele precisa de uma cadeira motorizada para se locomover e é atado em cintos para manter o equilíbrio.

Fazer um voo de paraquedas com uma pessoa nas condições do Leandro, evidentemente, não é impossível, mas demandaria muito treino e uma logística elaborada para evitar transtornos. Com a impossibilidade de ele realizar movimentos expressivos, toda a carga recairia no instrutor do voo.

“Era para ser um dia de lazer e realização do desejo de voar. Forneci as informações à empresa de paraquedismo, de que eu era cadeirante, que tenho sensibilidade em todos os membros, mas que não tenho força física para muitos movimentos”, disse Kdeira.

A resposta que teve foi que os instrutores estavam acostumados a fazer esse tipo de voo com o povo “malacabado” e que o salto estava garantido. Momentos antes, ele faria uma avaliação com o instrutor.

Segundo meu amigo, a equipe estava segura e foi muito solícita, mostrando grande preocupação com a segurança. Ele teve mãos e pernas atadas e a cabeça foi apoiada.

“Saltamos. Foi sensacional do momento da queda livre até o momento em que o paraquedas abriu. A partir daí, tudo começou a mudar. Minhas pernas, sem controle, ficaram ‘mamolengas’ ao ar. Com o impacto da abertura do equipamento, sofri duas fraturas nas pernas, que só senti momentos depois da aterrizagem”.

Momento em que Leandro sai do avião, com o instrutor, para o salto
Momento em que Leandro sai do avião, com o instrutor, para o salto

A questão que quero reforçar não é botar medo ou desencorajar as pessoas com deficiência a realizarem proezas, mesmo as mais radicais. A questão é que muito desse mundo ainda é novidade em relação à técnica, impacto, resultados e que é necessário avaliar os riscos com muita atenção.

O Leandrão ficou alguns dias internado para se recuperar, padeceu algumas dores, mas está bem, pronto para outra, ou quase outra.

“Passado o desgaste, fica o simbolismo do ‘eu saltei’. Fazendo uma análise fria, me pergunto quem errou e a resposta é que todo o processo teve algum nível de falha. Talvez tenha havido imprudência minha, pode ter havido imperícia da empresa. Mas, foi algo que decidi e não me arrependo. Se conselho meu valer de alguma coisa, pegue o que for bom de tudo isso que saltar eu não vou mais!”

Hora em que os dois tocam o chão depois do susto
Hora em que os dois tocam o chão depois do susto

De maneira nenhuma, quero desencorajar o povo quebrado das partes a buscar a realização das aventuras que bem entenderem. Isso é superpositivo para ganharmos mais e mais espaço em sociedade. O lance é que aventuras podem cobrar seus preços e é fundamental saber se todos estão dispostos a pagarem por ela com alguma dor ou dissabor!

Comentários

  1. Minha finada avó materna, a quem nós, seus atentados netos, apelidamos com muita propriedade de Madame Min, costumava dizer que ‘mais vale um gosto que um tostão no bolso’. Ainda acho que ela tinha razão.

    Só fui tomar conhecimento dessa aventura do Leandro na noite do último sábado, quando ele publicou em seu perfil do Facebook aquela foto sensacional em que ele aparece voando e dando a língua para o mundo.
    De imediato entrei em contato com ele e só então soube que a coisa não foi a diversão completa que tinha sido planejado. Nosso quebrado amigo tinha aterrissado ainda mais quebrado, com um fêmur e um joelho reclamando pinos e placas. Imagino a dor.

    Trocamos várias mensagens de áudio pelo zatzat e pude perceber que, mesmo firmemente decidido a não repetir a aventura, Lelê não tinha se arrependido dela. Curtiu adoidado, realizou um sonho antigo e, perrengues à parte, botou litros de tempero à vida.

    Já disse muitas vezes que adoro gente de atitude que curte sair da zona de conforto (que, aliás, acho bem desconfortável). Você já encarou uma tirolesa e rodou o mundo, Marcos e Naty resolveram visitar a Mona Lisa, o Gutão voa de parapente, o Evandro quando não está fazendo o caminho de Santiago está descendo corredeira no Jalapão, todos a bordo de suas cadeiras de rodas. Eu acho isso o máximo, levar desaforo pra casa em nome de quê?

    Claro que o risco tem que ser calculado, mas tudo na vida envolve riscos em maior ou menor grau. Leandrão já considera se aventurar no surfe adaptado, por que não?

    Não defendo comportamentos suicidas, mas vejo que as pessoas com deficiência já enfrentam pitacos mil que, mesmo eivados de boas intenções e cuidados amorosos, acabam por ter incorporadas a seu cotidiano mais limitações do que naturalmente precisam encarar. Este o maior perigo a ser evitado.

    Acho lindo ver o Bruninho e o João Lucas jogando tênis (o João tem lá as doideiras dele nas rampas de skate), a Emily no balé e no nado sincronizado, a Sofia deitando textos cobertos de graça intelectual, Andrezinho e seu violino, cada um no seu quadrado. Mas cada um também buscando algo além daquele pontinho na curva, afinal o objetivo é ser feliz. Que bom!

    Confesso que na conversa com o Leandro não pude conter o riso, mesmo chocado com seu relato. Era um riso meio nervoso, mas provocado também por muito orgulho pela ousadia de meu amigo, por ele ter se permitido uma aventura para poucos.

    Como disse o poeta: é a vida, é bonita e é bonita!

    1. Negão, esse comentário me emociona particularmente porque, além de ele trazer um ponto super positivo e importante para a discussão, você toca em uma questão que só pessoas que, de fato, entendem com normalidade a diversidade iria saber pontuar: a dos “pitacos mil, e dos cuidados amorosos”… vc foi no ponto…. muito legal! Obrigado!

  2. Se não estou enganado, houve carinho e atenção por parte da empresa que realizou o salto – isso já é animador. E o ocaso é daqueles dependentes do acaso, como ilustra o título da coluna.
    Espero que mais pessoas limitadas se ponham a, com toda a segurança possível, quebrar limites.

  3. Muito boa a reportagem, sou cadeirante e também gosto de pequenas aventuras, recentemente fiz uma auto avaliação de como seria um saldo como fez o colega da reportagem, conclui que seria muito difícil não me machucar, tanto durante o voo quanto na aterrissagem, optei então por outro tipo de aventura, fui fazer um passeio na patagônia, que também de deu muito prazer e pode ser visto também com “aventura programada”, parabéns ao colega cadeirante que consegui seu objetivo, mas fiquemos atentos, pois nossa condição é desfavorável fisicamente e qualquer pequeno acidente pode diminiur a nossa qualidade de vida. Parabéns a folha pela matéria!

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