Um abraço para a imprensa

Folha
Mãe do goleiro Danilo, da Chapecoense, comove ao oferecer abraço a repórter em entrevista
Mãe do goleiro Danilo, da Chapecoense, comove ao oferecer abraço a repórter em entrevista

Que dias natalinos tristes estão vivendo jornalistas de todo o país com ondas havaianas de demissões, desvalorização acentuada da importância de seu ofício, avaliações sociais ligeiras de suas qualificações e, ainda por cima, uma tragédia aérea que matou 20 construtores de informação de uma vez só, no voo da Chapecoense.

Nunca se leu tanto, nunca se teve tanto conteúdo à disposição, nunca se pôde aprofundar tanto o conhecimento, mas ladeira abaixo vão os bravos e inquietos agentes do combate às intolerâncias, às corrupções, aos males do mundo, às injustiças.

Acumulam-se as notícias de meios de comunicação indo à bancarrota e deixando náufragos combativos profissionais de imprensa. Aliado a isso, amplia-se uma suposta satisfação em sentir-se atualizado e informado por meio de bobagens escritas em murais de redes sociais ou com mensagens de vídeos engraçados.

Trabalhadores de mídia, cada vez mais, são vistos como reles seguradores de microfone e gravadores atrás de frases sensacionalistas e, normalmente, politicamente direcionadas. Uns cretinos, de maneira geral, que estão sempre errados ou promovendo intrigas, fofocas.

Diante de todo esse cenário, como foi bom receber o abraço caloroso e reconfortante de dona Alaíde, mãe do goleiro Danilo, morto no acidente de Medellín. Fazia tempo que não via o povo da minha espécie ser tratado como gente, ser acarinhado com reconhecimento público.

Ao médico se é grato por cessar a dor, ao bombeiro se afaga pelo resgate, ao advogado se agradece pela Justiça, mas ao jornalista Papai Noel tem esquecido dentro do saco com a boca amarrada.

Mesmo com alguns anos de experiência, até hoje, quando tenho de recortar as emoções de um acontecimento marcante, seja uma situação de vulnerabilidade de uma criança, seja o desleixo com um idoso, levo para casa um coração apertado e uma alma cada vez mais indignada.

É assim também com os colegas que flagram as grandes e intermináveis roubalheiras, os que narram vitórias espetaculares de esportistas, os que acompanham funerais ou que colhem restos de vida depois de fatalidades e violências.

Jornalista arrisca a vida para entrar em vulcão, põe o pescoço na frente de balas de canhão, peita o prefeito mandão, vai na boleia do caminhão, passa horas lendo boletim de inflação, corre risco de pegar zika e tomar safanão e faz rima sem muita razão, só para chamar a atenção.

Chato colocar esse tom corporativista em um espaço que se gaba pelos discursos de inclusão, de diversidade humana, de cidadania, mas, particularmente, vejo tudo isso na alma dos grandes repórteres e defendê-los é tentativa de amparar milhares de assistidos por palavras, reportagens e ensaios que eles empunham sem trégua.

Neste ano azedo, neste ano que nunca mais acaba, o ano das intolerâncias, das falcatruas fantásticas, do bolso corroído, meu carimbo natalino fica especialmente para os colegas que relatam todas essas desgraceiras ao mesmo tempo em que veem ruir as convicções de sua própria importância. Mas dias melhores sempre virão.

Um abraço para a imprensa e um ótimo Natal a todos.

Comentários

  1. Sabe, Jairo, eu não gosto da palavra ‘ética’. Não consigo concordar com o sentido hoje dado a ela, considerando que etimologicamente pode significar simplesmente ‘costume’, ‘comportamento sócio-político geralmente aceito’, pelo sentido grego de antanho para o vocábulo de origem Ethos. Para ficar em apenas dois exemplos, a inquisição e o nazismo se enquadraram em sua época no quesito ‘geralmente aceito’, daí minha preferência pela palavra decência, porque ela parece vir mais ao encontro daquilo que espero em nosso meio.
    O amor às letras, a curiosidade e – talvez principalmente – o inconformismo me levam a um autoquestionamento diário: por que diabos eu nunca estudei Jornalismo ou Direito? Sim, eu rendo loas a todo ‘minino bão’ que apesar de tudo consegue dignificar o que se produz nas redações e tribunais. O grande problema são as exceções.
    Sempre tivemos grandes jornalistas, justamente festejados, além de outros tantos que não se destacam tanto mas igualmente conseguem transmitir verdade, equilíbrio, crítica com critério e substância, retidão. Definitivamente, a falta de bons profissionais não é o problema.
    Não quero citar nomes até para não cometer injustiças ou esquecimentos igualmente injustos, mas admiro vários de seus pares que ousam sair do quadrado e encaram pedreiras para denunciar verdades que alguns poderosos prefeririam esconder. São esses profissionais que você tão bem classifica como construtores de informação o motivo de orgulho para quem é da profissão – e de motivação para quem pretende ingressar nela. Você e Thaís, dentre tantos, pertencem a esse time. Igualmente no campo jurídico esse ‘fenômeno’ ocorre, mas fiquemos no jornalismo.
    O caldo desanda quando observamos que as exceções são as mais expostas, porque ligadas a grupos, grupelhos ou facções que por força de um processo histórico estão com a cara na janela todos os dias e usam essa visibilidade para se achar no direito de assumir o posto de formadores de opinião para um povo que adora não pensar. Eu me lembro de que havia, na adolescência, o programa O Povo e o Presidente, veiculado por aquela emissora toda-poderosa, onde eram feitas perguntas convenientemente brandas e ensaiadas para o então general-presidente (no caso, Figueiredo) responder. Um arremedo de jornalismo, um tapa na cara de quem faz o bom jornalismo.
    Mais recentemente observamos que a história se repetiu (como na maioria das vezes, em forma de tragédia), num Roda Viva tocado por meia dúzia de fantoches que, imagino, devem ter criado tremendo mal-estar no meio com seu babaovismo explícito.
    É esse tipo de espetáculo que denigre e desvaloriza jornalismo e jornalistas. É essa falta de isenção que infelizmente faz com que cause estranheza ’o povo da sua espécie ser tratado como gente, ser acarinhado com reconhecimento público’. É triste porque generalizações são injustas, mas a desvalorização do jornalista está intrinsecamente ligada à perda do objeto mais importante de seu trabalho, a credibilidade. Imagino o sentimento de impotência dos bons profissionais frente a orientações provenientes de direções e redações que só levam ao centro do lamaçal. Repito, o problema não é a quantidade de maus profissionais mas a visibilidade dada a eles por interesses inconfessáveis.
    Diante desse estado de coisas, de fato foi um bálsamo para a alma a grandeza espiritual, a nobreza de dona Ilaídes que, num momento de extrema penúria íntima (quem já perdeu um filho tem ideia do que seja) encontrou forças para generosamente homenagear toda uma classe que sobrevive honrada apesar das exceções e tragédias. O abraço que ela ofereceu ao jornalista, que chorava copiosamente, encerra todo um simbolismo que presumo ter atingido indistinta e particularmente cada profissional de imprensa. Havia ali respeito, consideração, gratidão, eu também sinto isto quando leio um texto sem nódoas, sem ódio nem pré-conceitos.
    Não vejo em seu texto sequer uma vírgula com feições de corporativismo. O que você fez e faz é simplesmente colocar os pingos nos is, é mostrar que para cada ‘ético’ há toneladas de decentes e para cada falseador da verdade há uma horda de profissionais de respeito. A história um dia há de fazer justiça a cada um. Melhores dias verão.

    1. Belíssima e importante reflexão, com componentes históricos, filosóficos e contemporâneos.. muito obrigado, amigo!

  2. O problema é que, ao meu ver, boa parte do ódio disseminado nas ruas é fruto das análises de alguns profissionais parciais da imprensa que vendem ideologia disfarçada de opinião. Esses profissionais JAMAIS fazem mea-culpa dos erros que cometem e se acham os proclamadores da verdade. Logo, é compreensível esse desdém pelos jornalistas. Falo porque também sou um e acho que não merecemos mais do que está posto aí.

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