O angustiante descompasso entre o tempo de um bebê e o tempo de um pai

Jairo Marques

Não foi por falta de aviso. Vários foram os que me disseram “vai passar rápido, aproveite!”. Ok, rápido é aceitável, mas em velocidade supersônica a gente se assusta, perde o compasso. Elis, minha biscoita de um ano e meio, agora acorda e diz: “Bom dichia, papai. Dá abraço”.

Como assim? Cadê o sorrisinho banguela, o chafariz de baba saindo pela boca, o corpinho desengonçado tentando sentar-se? Pois tudo já se foi. A realidade que se impõe é a de um bom-dia que, ao mesmo tempo que me entorpece de orgulho e de fofura, me espanta com um ar de maturidade que eu achava tão distante.

Mais do que isso. Ela não tem mais aquela paciência de ficar comigo na cama enquanto mamãe tem seus cinco minutos de sossego matinal para ler o jornal, esquentar o “tetê” e preparar-se para a lida. Vai escorregando-se dos meus braços e chamegos e ajeita-se com destreza para descer ao chão e ganhar o mundo. Não me diz nem tchau.

Esbaforido, faço a transferência para minha cadeira de rodas enquanto ela já ganha o corredor em disparada em busca de aprender mais um refrão de uma música que consegue combinar pipoca, chocolate, dedinhos e polvo. Caso eu demore muito, ela também irá experimentar novas sonoridades levando à lona tudo o que puder alcançar.

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A independência repentina envolve também o requinte de sair me empurrando pela casa e me ditando ordens: “Papai cová dentes”, diz enquanto me leva ao banheiro, “Papai trabalhá”, ordena enquanto me empurra para a porta da sala.

No tempo em que mal li uma dúzia de livros, procrastinei o projeto de perder uns quilos e gastei horas reclamando da crise, minha menina parece ter dado a volta ao redor do planeta, escalado o Himalaia e encontrado de uma vez só todas as chaves que abrem as delícias de viver e de ser criança.

Horacina, babá, amiga e confidente de todos nós lá em casa, disse que Elis já fez até “turma de amigos” no prédio e que se destaca por ser a mais carinhosa no grupo que, segundo minha pequena, conta com a Gabi, a “Isadoda”, a Louise, o Betinho, a “Laulinha” e o Miguel.

Faz tempo que não tenho a habilidade de fazer uma turma de amigos tão grande em que pudesse passar doces tardes, pudesse aprender novos sabores para degustar duras realidades e pudesse rabiscar um pouco de pensamentos de harmonia diante de tanta desordem que se apresenta.

Por mais que eu almeje segurar um pouco o tempo de minha bebê, sinto a angústia de um tempo parado em mim mesmo para novas experimentações, novos começos, novas maneiras de fazer tudo igual.

A última machadada em meu já saudoso coração que aconchegava até ontem um neném inteirinho dentro dele é que, neste ano, durante a montagem dos apetrechos de Natal, ela entrou na vibe do “Papai Iéu”, enlouqueceu com os pisca-piscas e ajudou a preparar a árvore, à sua maneira, arrancando os arranjos para ter o prazer de nos pedir que os colocássemos de volta.

Nisso, vou ter de fazer o meu tempo se encontrar com o de Elis. Não vou impor a ela nenhuma nostalgia nem a chateação de ficar reclamando de um peru mais magro durante a “Noite Feliz”. Mas, filha, por favor, vá um pouco mais devagar, papai ainda quer a graça de suas mãozinhas acolhendo meus ralos cabelos por bons anos.

Comentários

  1. Muito bom o seu texto Jairo.
    O meu pequeno tb esta na fase do “Papai Nél”. E fica Hohoho para nós.
    Ele só tem 1 ano e meio, mas parece que já é um pequeno adulto pronto para explorar o mundo e não mais aquele bebe que dependia totalmente de nós.

  2. Jairo, que texto lindo, doce, suave… É isso, meu amigo, enquanto a gente vai até ali ao lado dar uma olhadinha na vida, os bebês crescem e, de repente, colocam um neto no teu colo. Lindamente, tudo recomeça.

  3. Prof Jairo, ler esse artigo me fez lembrar de suas “broncas” empolgantes durante suas aulas que agora devem ser muito carinhosas quando direcionadas a doce Elis, também passo por esta fase com o pequeno Mateus aqui em casa. Ele tem apenas 10 meses, mas já sinto falta dos primeiros dias de vida e sofro antecipadamente em pensar em tudo que está por vir! Quero aproveitar cada fase e peço ao tempo que passe bem devagar. Bjs na Elis e muita saúde pra aguentarmos os anos que virão! Rs

    1. Querida, também sinto saudades de dar boas broncas, viu?! kkkkkkkkkkk Registre tudo de seu Mateus… é uma forma gostosa de a gente “prender” um pouco o tempo.. beijos!!!

  4. Muito lindo o texto. parabéns. Realmente passa muito rapido , já estou pensando que logo meu neto vai para o exercito. (Tem apenas 1.ano e 5 meses)

  5. E a vida passa, muito rápido mesmo, olho para o meu filho adulto e sinto saudades de quando ele era um menininho. Agora é aguardar a vinda de um neto, que sei lá quando será. Adorei Jairinho.

  6. Jairo querido, como é bom termos nosso bebe em nosso colo todo aconchegadinho nos dando aquela sensação de que ele é tão e somente nosso, desejando que o tempo não passe e ele fique nosso bebe para sempre, mas o tempo passa, e parece que essa fase passa mais rápido ainda e quando vemos nosso bebe já está andando e falando, e nós cada vez mais babando por ele. Sim, meu querido o tempo está andando rápido demais, lembro-me de quando fui mãe pela primeira vez, queria que aquele serzinho tão maravilhoso, ficasse sempre em meus braços, e da segunda vez que me tornei mãe, foi a mesma coisa, mas em um piscar de olhos já estavam adultos. Hoje, quando li seu texto reportei-me aquele primeiro momento quando tinha meus bebezinhos no colo, foi muito legal sentir toda aquela sensação novamente e sabe do melhor meu querido, agora são sete “bebes” (dois filhas e cinco netos) que me colhem carinhosamente com abraços e muitos beijos, incluindo vc meu netinho do coração que me acolhe com lindas e carinhosas palavras! Obrigada querido, por ter trazido de volta momentos tão mágicos de minha jornada, adorei! Bjokas! <3

    1. Vó, a minha intenção mais íntima era essa: provocar uma certa viagem para os leitores. Que delícia saber que consegui com você! Beijossss

  7. lindo artigo Jairo, voltei ao tempo com ele e eh exatamente isso, a gente passa pelo tempo. muito sensivel e comovente , parabéns !

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