Bote seu sangue na rede
Elis entrou na fase que muitos, inclusive leitores deste espaço, me alertavam havia tempos que chegaria: a do demônio da tasmânia. Não para quieta um segundo, zanza a casa toda, louca, com sorriso desatado e olhos inquietos, em busca de sabe-se Deus o que será.
As consequências não poderiam ser mais previsíveis também. Na semana passada, tropicou em sua própria euforia de viver e “catapum”, foi de cara, bichinho de pelúcia e lacinho de cabelo para o chão. Junto com um berro animado, a menina apresentou com eloquência seu sangue tipo A negativo, que jorrava daquela boca que me beija e me arrasa o coração.
“Vamos logo para o hospital. Vai que ela precise de uma transfusão”, disse a mulher, mais preocupada do que barata atravessando galinheiro. Não era para tanto. O choro logo passou, o sangue estancou rapidinho e nenhuma marca, além de uma fissura minúscula no beiço, ficou. O que não passou foi um pensamento em torno da fragilidade humana, de ter de ser ágil na busca pela salvação para os lamentos do corpo.
A gente sempre lê e ouve que os bancos de sangue estão carentes de doações e, em tempos bicudos e de frio, a boa vontade do povo se esvai como areia entre as mãos. Assim, quem precisa fica ainda mais vulnerável, exposto à ausência de mais consciência de amparo ao outro.
Quando eu era menino, fiz uma cirurgia na coluna que me abriram igual a um salmão na mesa do açougueiro, do final do pescoço ao começo da bunda. Para o procedimento, minha mãe teve de arregimentar, em um lugar estranho, onde não conhecia ninguém, oito pessoas para repor estoques de O positivo ao banco do hospital.
A colaboração para a minha situação-limite veio de homens parrudos do Exército, organização que, até hoje, supre emergências de hemoderivados deste país.
E centenas de pessoas, todos os dias, passam por momentos semelhantes em meio a dores emocionais e físicas provocadas por traumas, procedimentos médicos complexos e outras desgraceiras. Além de toda a instabilidade gerada pela quebra da normalidade, é preciso correr atrás de sangue para fazer girar com mais tranquilidade as “casas do elixir da salvação” para outras pessoas.
Mesmo que todos os anos campanhas e campanhas martelem no público a necessidade de doar, o Brasil, segundo pesquisa do Instituto Colabore, com base em dados do Ministério da Saúde, ainda não atingiu padrões internacionais de conforto de garantia do insumo vital.
Os números mostram que, embora a palavra (solidariedade) seja grande, sua aplicação é ainda diminuta: 1,8% dos brasileiros doam sangue; nenhum Estado colheu, em 2014, a quantidade de bolsas suficiente para atingir a marca mínima apregoada pela Organização Mundial de Saúde: 5% da população.
Agora, até as “internets” vão servir de veia para que a fome atinja a vontade de comer. Um aplicativo chamado Heroes (www.heroesbrasil.com.br) vai mostrar ao usuário a situação dos bancos de sangue próximos a ele, vai indicar quais tipos estão mais em falta e até poderá mandar alertas de estoques muito baixos. A ferramenta também serve para tirar dúvidas de quem pode doar, como fazer para não ter “medinho” e como se tornar doador! Achei “maraviwonderful”.
Sei bem o que é precisar de doadores para repor o sangue usado. Minha irmã precisou muito de hemaceas e plaquetas durante seu tratamento, e isso exigia muitos doadores. Apelei constantemente no face, mas quem ajudou mesmo foram parentes, amigos e o pessoal da CET.
Pois é… acaba que, muitas vezes, somos nós por nós mesmos, né, Bete?
Ler um poderoso post como esse entusiasma. Assim como (ops!) ao ver a capa na internet a capa do seu livro “Malacabado” a história de um jornalista sobre rodas. Valeu!
Muito obrigado!!!