Muito além do ‘quarto de Jack’
Morri um pouquinho assistindo ao premiado “O Quarto de Jack”, ainda nos cinemas. A angústia de acompanhar mãe e filho trancafiados em um cubículo e ali construírem limitados conceitos de mundo e de possibilidades de vida me remeteu imediatamente ao pensamento de que milhares de pessoas com deficiência no Brasil também têm paredes estreitas como linhas divisórias entre o sonho de serem incluídas e a realidade disponível para serem gente um pouquinho.
Quando se projeta que o país conta com 45 milhões de pessoas prejudicadas física, intelectual e sensorialmente, um certo espanto e expressões de “que exagero” costumam surgir. “Mas onde está esse povo todo?” Aprisionado sem pena em seus lares, em alas de hospitais ou instituições, muitas vezes depositado em macas à espera de dias mais coloridos e bem vividos.
Para um bocado de gente quebrada das partes, sair do “quarto de Jack” passa por algo além de enganar o opressor que mantém a vítima em cárcere ou de contar com a ajuda da polícia. Passa pela construção de um mundo que acomode as diferenças de maneira minimamente confortável, com acolhimento da rua, com olhares mais generosos, com acessos facilitados e com algum esforço coletivo para atender demandas fora do padrão –para dizer o básico.
Atualmente, os rebelados que resolvem ultrapassar as fronteiras espessas da exclusão para tentar encher os pulmões de ar, em cadeiras de roda motorizadas, com a assistência de respiradores artificiais, com o auxílio de cachorros sabidos, precisam contar com doses cavalares de paciência para resistir à humilhação de que, fora de seus quadrados, há pouca chance de tolerância e apoio.
Só para dar um exemplo, quando o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), é irredutível na negociação do fornecimento de transporte escolar específico para crianças “mal-acabadinhas”, ele está inadvertidamente tapando uma das poucas claraboias que guiam a esperança de famílias cercadas pelas desgraceiras humanas: as que iluminam futuros de menos limitações para seus filhos por meio do conhecimento, por meio do acesso potencialmente libertador à escola.
Decerto é mais brando o pavor de imaginar o aprisionamento de um cadeirante em casa, devido à ineficiência social de criar mecanismos de inclusão, quando comparado com o encarceramento do pequeno Jack e sua mãe, da ficção, que são mantidos no quarto à força. Mas as consequências emocionais para o futuro das vítimas se equivalem em muitos aspectos.
A privação do lazer maltrata a leveza da alma; a falta de oportunidades de trabalho prejudica a autoestima e empobrece, diminuindo ainda mais o tamanho do quarto; a ausência de amigos, de inimigos e de alvoroços ao redor aquieta planos; a não possibilidade de experimentar prazeres e azedumes das estações do ano deixa tudo pálido e impede o germinar de pensamentos por dias melhores.
Agarre firme na mão de “nossa senhora da bicicletinha” e vá ver “O Quarto de Jack”, depois faça um esforço para ir além. Faça uma fé em ações que libertem pessoas mais próximas do que as que estão nas telas. Todo esforço para incluir mais e ampliar horizontes está valendo.
De fato, esse filme tccou fundo na alma de todos nós, que assistimos.
Caro Jairo Marques, seu texto, muito bem escrito, nos leva a uma reflexão inquietante, não somente pelo fato de vermos, infelizmente, uma legião de excluídos, encarcerados e desprovidos de esperança, mas pela possibilidade de que um infortúnio qualquer possa cair sobre nós e desta forma surja a possibilidade de fazermos parte deste grupo e compulsoriamente entregues à intolerância, descaso e aos maus tratos.
Resta-nos, como cidadãos cristãos, a obrigação de construir “… um mundo que acomode as diferenças de maneira minimamente confortável, com acolhimento da rua, com olhares mais generosos…” utilizando-se dos recursos que tivermos disponíveis permitindo ” …o germinar de pensamentos por dias melhores.”
Assisti ao filme e recomendo…sofri, chorei, me emocionei e penso que não podemos perder a esperança…..
Obrigada!
Obrigada
Um grande abraço, Patrícia!
Caro Jairo,
Excelente a “deixa” do filme para a reflexão sobre a exclusão em geral das pessoas mal acabadinhas. As pessoas esquecem que a parte física e intelectual pode não funcionar bem, mas a parte emocional, a alma, está presente em todos. Somos todos feitos da mesma matéria. Somos iguais. Deveríamos nos sentir responsáveis em ajudar os que possuem menos acesso. Principalmente quem decide no país. O que nos resta é torcer por dias melhores. Conheci você pelo meu neto Antônio Ludwig. Aprendi a te admirar. Teria orgulho de ter um mal-acabado deste porte na minha família. Será mal-acabado? Na parte interna, a essencial, é massa da melhor qualidade. Em frente ! Abraços. Neiva
Neiva, que mensagem linda! Muito obrigado por seu carinho e sua leitura!
Acabei de agendar com a madame uma ida ao cinema para ver esse filme. A gente que tem a pá virada e sangue nos zóio já se habituou a fazer essas analogias que, a princípio, parecem meio doidas, mas que mostram além de nossa capacidade de filosofar, nossa infinita vontade de mudar o mundo. A impossibilidade de sair de casa, imposta pelo binômio deficiência/descaso governamental, tem tudo a ver com cárcere privado, basta ter olhos também na alma. No último (sinônimo de mais recente, pelamordedeus) comentário que deixei, em momento algum tive a intenção de defender quem quer que seja. A Lei 8666/93, que disciplina as compras e contratações pelo poder público, oferece opções de contratação emergencial para casos que a justifiquem. Penso que o transporte de nossos cadeirantinhos se enquadra nisso, então a prefeitura poderia fazer uma contratação por curto período enquanto resolvia o imbróglio que não sei qual é. Vale, também, reafirmar meu inconformismo com a licença para se omitir que o MP/SP concedeu ao governo do estado. Abração, meu rei, estou emergindo devagar e sempre.
Que maravilha ter de volta suas excelentes reflexões! O filme é muito, muito difícil, negão… não se esqueça de agarrar não mão de nossa senhora da bicicletinha…Eu tb avalio que uma solução pontual para o caso dos cadeirantinhos teria sido saída melhor do que simplesmente o confronto. Era necessário poupar e abraçar a essas crianças..
Gostei muito da sua coluna de hoje. Poucas vezes a gente para para pensar o que significa ñão poder se movimentar sem a ajuda de uma cadeira de rodas, de um cachorro treinado o muito menos de um respirador artificial. Pensar em tantos milhoes de pessoas impedidas, sem a liberdade de se movimentar por si mesmas, é assustador.
Agradeço que tenha me ajudado a perceber a minha liberdade.
Da falta de transporte para crianças com deficiências, só se pode dizer que é uma falta enorme de respeito e consideração para o proximo.
Muito obrigado por sua atenção, opinião e leitura, Elsa. Um abraço