‘Coitadinhar’
Uma das melhores interpretações já feitas do verbo “coitadinhar”, neologismo que aprendi durante um papo-furado com uma grande amiga que é cega, foi feita no filme “Shrek”. Ela acontece no momento em que o Gato de Botas, para fugir de uma situação em que estava encurralado, esbugalhou os olhos, comprimiu o pescoço, ensaiou um choro e conseguiu, por fim, amolecer o coração dos malvados que o cercavam, escapando ileso.
“Coitadinhar” é prática ainda muito recorrente entre o povo da minha espécie, os quebrados das partes, que, no afã de aceitação, no intuito de criar um argumento para que seja compreendida sua limitação, coloca diante do enfrentamento das situações o seu jeito torto, o seu escutador de novela avariado.
“Coitadinhar” é deixar que a incapacidade seja maior do que de fato é e esperar que os outros empunhem o batido e cansativo rótulo de “exemplo de superação” por estar simplesmente vivendo, tocando o dia a dia, batalhando por um espaço como qualquer outro “serumano”.
Quem permite ser chamado de “exemplo” porque respira direitinho, consegue abrir uma lata de sardinha, rodopia e chama o movimento de pasodoble ou esculpe bichinhos em massa de modelar e considera-se Rodin, corre sério risco de estar “coitadinhando”.
Com isso, criam-se ranços e falsas impressões: o cego sempre vai precisar ser puxado pelo braço no meio da rua para chegar ao lugar onde precisa, uma vez que cegueira e independência não se misturam; o down será colocado na “sala especial”, uma vez que necessita de um cantinho só para ele, e o surdo será dado como mudo e “difinitivamente”, como diria minha tia
Filinha, ninguém vai tentar se comunicar com ele.
Hoje em dia, porém, há também gente se “coitadinhando” no Congresso Nacional, nas redes sociais e até no enfrentamento natural da vida. Assim, não se assumem lambanças, criam-se subterfúgios para ser considerado inocente; não se interage, apenas publica-se o tempo todo imagens e mensagens com autoestima de cachorro molhado e, por fim, não se faz autocrítica, culpa-se os outros pelas próprias desgraceiras e inconsistências.
Quando alguém se “coitadinha”, abre a porteira para ser avaliado como ser inferior, digno de pena, que precisa de ajuda permanente para resolver os perrengues do dia a dia. Você passa a ser oficialmente a mala mais pesada da viagem de férias, aquela que todos sabem que existe, mas que exige coragem e saco para ser encarada.
Por esses dias natalinos, em que rever posturas diante de si mesmo é tradição, está escancarada a oportunidade para fazer diferente.
Em vez do puro lamento, a divisão realista de um sentimento; em vez de se esconder atrás de ausências, batalhar pelo direito de igualdade; em vez de um vago apelo por caridade, a coragem de tentar outros caminhos.
Não há mal na fragilidade, na necessidade de ser assistido, em ser alvo da fraternidade e da boa ação. O problema é quando o ditado “Quem tem quem o chore, faz que morre todos os dias” vai sendo incorporado sem pudores no cotidiano e amarra terminantemente a vontade de acordar para a vida.
Volto antes de o ano se fechar! Um ótimo Natal a todos.
Adorei a crônica. Concordo com tudo.
Amei seu texto.
Muito obrigado!
Justamente, HOJE, eu estava atacada pelo coitadinhar. Sou cronista e, por isso, driblo certas fraquezas, para não contaminar meus rabiscos… Adoro seus puxões de orelha! Abraço e feliz natal.
“Rabiscos de Minês”: minesprado.blogspot.com.br
kkkk como eu disse, Maria Inês, todos nós estamos expostos a ele… de alguma maneira, é “confortável” e nos “liberta” da obrigação de tomar uma atitude mais elaborada, pensada.. é só esbugalhar os olhos… Um abraço
Sempre adoráveis textos! muito acessíveis e gostosos de ler.
Aproveitando, meus parabéns a você e a Thais pela filha. Muita luz! Boas festas
Ahhh, Camila… obrigado!!! Um abraço
Ótimo artigo, conterrâneo. Volte sempre.
Volte mesmo!
Concordo plenamente com você e depois com os comentários da Soramires. Ainda tem PcD com a síndrome do coidadinhar e, ainda há muitas instituições que usam deste recurso para angariar fundos. Concordo com ela que o coitadinhar vai demorar muito para ter um fim. Sei de um caso que uma aluna que fazia o tcc dela quase “ferrou” a professora e orientadora dela (que por acaso é minha amiga) por causa da visão de coitadinha que ela tinha dela mesma. E não faz muito tempo. Enquanto tiver pessoas olhando para os mal-acabados com o olhar de coidadinho e o ser coitadinho, a coisa não irá acabar. Aproveitando: Feliz Natal e ano novo para toda sua família e a todos do ACV.
Su, eu até imagino a cena que vc narrou.. e ela deve acontecer muitas e muitas vezes. Beijos
obrigada pelos insights!
😉
É isso!!! Canso um tanto com pessoas que pensam assim: “pra que batalhar se a gente pode coitadinha”… Dá até preguiça!!!
Imagino que vc tenha muita proximidade com pessoas que lançam mão desse recurso, Carol… E a quem “coitadinha” só restam sempre as migalhas..
Excelente texto Jairo, não adianta ser coitadinho, é preciso que todos sejam batalhadores e enfrentem a sua situação. Cada texto seu é um incentivo à superação individual!
Muito obrigado e um abraço, Sergio!
Muito bom Jairo.
Precisamos a cada dia mostrar que é uma escolha se colocar nesse lugar de “coitadinho”, e que também de alguma forma a pessoa que faz isso recebe algo em troca, fica numa zona de conforto, onde todos fazem por ela, e ela mesma, ganhando, não sente necessidade de sair deste lugar. Por isso você, eu e todos que estão na luta, precisamos cada vez mais através da informação ajudar essas pessoas a sair deste lugar. Adorei o comentário que faz uma retrospectiva da deficiência no passado, é exatamente isso, e dessa forma acredito que a próxima geração será completamente diferente, graças ao que nós estamos fazendo ao longo desses anos. Parabéns Jairo. Excelente texto. Bjos
Muito obrigado, Michelli! 😉
Jairo eu sempre tive receio de suas postagens, mas sempre leio pq acho que você escreve muito bem. É parece confusa mas é assim que funciono.
Sensacional seu texto, bom para algumas que vivem pedindo dinheiro na internet e se fazendo de vítima e super heroína ao mesmo tempo.
Ae coitadinha da NET o Jairo que você ama, te mandou um recadinho. Kkkkk
Andreeeea, por que receio?! Sou um doido quase controlado ahahahah…
É uma tradição difícil de abandonar. Historicamente os “aleijados” e órfãos eram objeto da caridade, principlamente das igrejas…para mantê-los fazia-se apelo à caridade. Para incentivar a caridade, que as pessoas abrissem as carteiras, era preciso apelar para a pena, dó e sentimento de alívio de não ser malacabado ou não ter ninguém na família nesse estado. Uma espécie de suborno aos céus para que nos livrassem desse mal, amém. E um pouco de culpa por olhar a essa gente como incapaz…como COITADINHOS…alguns até viam nisso a marca de algum CASTIGO DIVINO. lamentável é que isso prevaleca em certas campanhas, institituições, pessoas com deficiência e suas famílias. ANTES AS FAMÍLIAS ESCONDIAM PESSOAS COM DEFICIÊNCIA…HOJE ALGUMAS INSTITUIÇÕES AS EXIBEM PARA LEVANTAR FUNDOS…. COM O AVANÇO DA MEDICINA, TECNOLOGIA ASSISTIVA E BATALHAS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA POR AUTONOMIA ISSO VAI MUDANDO. mas o processo é lento, muito lento.
É isso ai Jairão….Desejo um ótimo Natal para você também.
Abrasss
Parabéns
Já tive muitos episódios de coitadinhar
Já fui refém de coitadinhos
Só atrapalha a nossa vida, de uma forma ou de outra
Perfeito
Um beijo, Silvia!