O grande filho
— Seu Jairim, peço desculpas, mas tenho de acelerar. Já são cinco para as quatro.
— Tudo bem, mas aconteceu algo? Surgiu algum imprevisto? Deu dor de barriga?
— Não, não. É que minha mãe fica me esperando chegar em casa. Se me atraso depois de 16h30, ela começa a me ligar, mandar mensagem, fica preocupada.
Parei por alguns instantes para tentar entender aquela cena que me parecia totalmente sem nexo. O motorista, um senhor de 50 anos, acostumado à correria e à rotina desarranjada de jornalistas, tinha de me entregar rapidamente de volta ao jornal, depois de uma tarde de trabalho, por causa da mamãe?
— Mas ela está passando mal? Precisa tomar algum tipo de medicamento? Está em apuros?
— Não, senhor, mas ela me aguarda chegar no final da tarde para fazer companhia. Passa o dia sozinha. Fica ansiosa, sabe como é?
— Sei… Ela está acamada? Tem alguma deficiência?
— Não, senhor. Mamãe está ótima! Tem 80 anos e vive muito bem. Tem uma memória prodigiosa. Mas ela fica doidinha de vontade de me contar como foi o dia, de falar sobre a inflação que está voltando com tudo, de reclamar que não tinha fruta boa no supermercado, sabe como é? Depois vamos assistir à novela e discutir o capítulo do dia. Não gosto de novela de hoje em dia, só tem bobeira, mas a mamãe se diverte e acompanho.
— Difícil ter filho assim nos tempos modernos. Cada um costuma seguir sua vida, tomar conta dos próprios problemas, da família. Não tem receio de ter de assumir responsabilidades maiores com ela? Ter de dar banho, comida na boca?
— Imagina! Estou preparadíssimo para o que der e vier. Dei muito mais trabalho a ela quando fui bebê e só chorava, não sabia explicar o que queria. Minha mãe me criou sem pai, dificuldade dobrada. Tudo o que eu fizer por ela ainda é pouco.
Fiquei ligeiramente consternado com aquela conversa. O dia a dia é tão mais duro que aquelas declarações de amor infinito. Tem o trânsito infernal, o Eduardo Cunha que não larga o osso, a luta pelas liberdades femininas, o Natal chegando.
— Mas não tem conflito de gerações entre vocês? Não tem vontade de chegar à 0h, bêbado, babando e falar “Não me amola, mãe”?
— Não fui um grande filho. Não dei à minha mãe nenhum orgulho memorável. Não me tornei doutor, mal estudei. Não tive um casamento perfeito nem consegui formar uma família de margarina.
Também não tenho como dar a ela uma vida maravilhosa. Então, agora que ela precisa da minha companhia, tem poucos amigos, está mais lenta, faladeira, estou aqui para fazer tudo por ela. É o mínimo. Amo minha velha.
Embora o papo estivesse muito bom, o motorista não parava de olhar no relógio. Dificilmente ele chegaria às 16h30 para o abraço na mãe. Ele, então, sacou o telefone e, sem rodeios, lascou um:
“Desculpa, mamãe, hoje vou me atrasar, mas logo estarei aí”.
Chegando ao meu destino, desci do carro rapidamente e encomendei um forte abraço à mãe de “Francisquinho”. Pensei que, naquele dia –e em vários outros–, não fui um grande filho. Não tive a oportunidade de poder chegar em casa no final de tarde para ver novela com dona Marli.
Olá, gostei do artigo, aguardo mais dicas como esta. Para eu que estou começando agora são dicas muito importantes.
Olá!
Gostei muito dos benefícios.
Proporcionam economia, praticidade e melhor qualidade de vida.
Parabéns Jairo, mais um lindo texto para fazer pensar… não tenho mais minha mãe aqui, estou super emocionada.
Jairo que texto lindo !
Também não formei uma família de margarina e sempre que posso ainda visito minha mãe que apesar de morar bem perto, a gente sempre encontra desculpas na rotina pra não fazer. Vou melhorar. Obrigada Francisquinho por seu exemplo !
A gente sempre encontra desculpas… é isso, Fabi… bjoss
Esse comovente texto que fala de amor não poderia ser em melhor momento: esse filho de sessenta e dois anos dedicou integralmente os últimos cinco de sua vida à mãe de oitenta e nove, em outra versão de chegar sempre em casa a tempo, como Francisquinho, para esse ato tão trivial e nobre. Um dia, porém, não mais a encontrei. Só ele pode saber a dimensão da dor e que tudo valeu a pena.
Puxa… um abraço, Paulo
Emocionante !!!
Já te contei que quando criança eu era uma perrenguice com certidão de nascimento? Comecei com a boa e velha bronquite a ponto de quase me tornar um ser anaeróbico, depois uma avitaminose que custou a ser diagnosticada, em seguida tive que operar as amígdalas e logo emendei um amarelão na cara e no outrora branco dos olhos, e aí foi batata: hepatite. Tô falando isso pra mostrar que não dei sossego para os meus pais, e ainda assim você acredita que eles continuaram gostando de mim? Mesmo molequinho minhas lembranças desse período me são bem claras, o que me faz absolutamente grato aos velhos. Meu pai me tirava da cama às três da manhã para irmos ao hospital batalhar uma consulta. Pobres de marré-marré-marré, íamos de bumba e depois andávamos um bocado. Quando eu me sentia mal o velho me carregava. Chegávamos em casa, já de volta, meu pai ia para o trabalho e minha mãe cuidava de mim. Hoje eu tô aí, bonitão, gordo feito um capado, e acho muito estranho quando dou um presente para os velhos e eles reagem dizendo que não precisava ou, pior, que eu não tinha que fazer sacrifícios por eles. Uma geladeira nova, uma viagem, pneus novos para o carro, tudo eles acham que não precisava. Vê se pode! Tenho comigo, a exemplo do que disse e pensa o Francisquinho, que tudo o que fizer por eles é pouco. O sacrifício deles foi muito grande. Tá certo que tem muito amor embalando os presentes, mas vejo que minha retribuição depende só de dinheiro.
Brilhante… amei
Singelo! Lindo! Terno!… Amei.
Que bom!
Esse rapaz merece meu respeito. Jairim e sua forma cativante de escrever! Sou fã!!!!
Oba!!! 😉
Uma forma simples de dizer “Eu amo a minha família.”
assim vcs fazem a gente chorar.
Gostaria de ser uma mãe tão boa quanto a do Francisquinho. E que, daqui a alguns anos, quando tempos mais pesados chegarem meus filhos viessem comigo assistir a novela. Filhos bons são reflexos de boas mães. Amei o texto. Obrigada por mais esse presente.
Sandra Manfredini
Quem tem de agradecer sou eu, por sua leitura!
Esse Francisquinho é o meu papai.
Todo sábado a noite eu estou na casa dele com ele e com a vovó. Algumas pessoas não entendem e acham que eu perco minha juventude por isso, mas esse é o único dia da semana que eu posso estar com eles e eu faço o possível para estar.
A gente não fala muito eu te amo (só a vovó, a vovó fala sempre), mas procuramos passar em nossas ações e, assistir a novela com o celular desligado no sábado a noite, é uma delas.
Adoreeeeeei!!! Seu pai é uma figuraça, Larissa! Um grande abraço
Belo texto. Comovente.
Obrigado, José!
Gostei do texto. Um momento aparentemente trivial na vida das pessoas, mas voce trouxe ao coração a importancia da familia. São poucos os filhos assim, com a consciencia dos deveres e obrigações aos pais. Eu acredito que a vida vai recompensar o Francisco honrando sua mãe como faz.
Um abraço e obrigado, Roberto!
Que lindo!!!! Nada como amor de filho que considera a mania dos pais……bj no coração
tão legal sem conflitos de geração ahahahaha bju
😉